O verão foi bastante movimentado. Na primeira semana de agosto, as bolsas registaram perdas consideráveis. Entre outros motivos, esteve a comunicação do Banco do Japão que referiu a hipótese de continuar a subir as taxas de juro nipónicas.
Esse cenário implicaria um rombo no lucrativo carry trade dos últimos anos, onde os investidores pedem financiamento em ienes a taxas nulas para reinvestir em mercados e moedas com rendimentos mais atrativos. Em seguida, Tóquio veio dizer que, afinal, a subida dos juros no Japão não era inevitável. Esta afirmação foi suficiente para as bolsas recuperarem a maior parte do terreno perdido.
Entretanto chega setembro e as bolsas sofrem um novo impacto negativo. Os resultados trimestrais da Nvidia foram bastante bons, mas as perspetivas não entusiasmaram e foram insuficientes para manter o colossal nível de euforia em torno da inteligência artificial que “carrega” as bolsas há largos meses.
Ao mesmo tempo, os números do emprego nos EUA estão a mostrar-se menos dinâmicos, levantando receios que a economia norte-americana possa caminhar para uma recessão.
Em suma, no período estival, desde o final de julho até ao final da primeira semana de setembro, o saldo total foi negativo para a maioria dos fundos/ETF de ações. Ao invés, as categorias de fundos de obrigações ganharam terreno devido à maior procura de ativos menos arriscados por parte dos investidores.
O pessimismo face ao futuro económico leva igualmente à diminuição das taxas de juro de longo prazo e, automaticamente, valoriza a cotação das obrigações já emitidas.
Mercado global em queda
Nas ações globais, o ETF iShares Core MSCI World (IE00B4L5Y983) recuou 4% desde o final de julho até ao final da primeira semana de setembro. Apesar disso, o saldo acumulado desde o início do ano é ainda de 11,5%.
Sem surpresa, os mercados mais expostos às tecnologias foram os mais penalizados pelo arrefecimento da euforia em torno do potencial da IA. Assim, embora investindo ambos em ações dos EUA, o ETF Amundi Nasdaq 100 ETF (LU1681038243) recuou 7,3%, enquanto o ETF UBS S&P 500 ESG (IE00BHXMHL11) limitou as perdas a 4,7%. Este último ETF incide sobre o índice S&P 500, sectorialmente mais diversificado do que o Nasdaq 100.
Na zona euro, as desvalorizações foram igualmente menores. A debilidade estrutural do Velho Continente nas novas tecnologias acabou por ser uma vantagem. O ETF iShares Core Euro Stoxx 50 (IE00B53L3W79) recuou 2,7%. No entanto, a longo prazo, esta característica será penalizadora para o crescimento económico e para a valorização das bolsas da zona euro.
Por esse motivo, atualmente, não incluímos fundos/ETF dedicados a esta região nas nossas carteiras. Na Europa, destacamos essencialmente a Suíça, cuja economia, moeda e bolsa têm características únicas, sendo um mercado menos volátil. Desde o início de agosto, o ETF Amundi MSCI Switzerland (LU1681044720) resistiu bem e recuou apenas 1,6%.
Emergentes e divergentes
Entre os fundos especializados em mercados emergentes, o panorama foi bem mais diversificado. Desde final de julho até ao final da primeira semana de setembro.
O ETF Amundi MSCI Indonesia (LU1900065811) valorizou 7,8%. Também em terreno positivo encontramos o ETF Amundi MSCI Brazil (LU1900066207) com um ganho de 2,6%.
Em ambos os casos, os investidores apostam em políticas monetárias mais prudentes por parte dos bancos centrais dos respetivos países, mesmo perante o corte dos juros nos EUA e com um bom dinamismo económico.
No segundo trimestre, o PIB do Brasil até surpreendeu pela positiva. Assentes na dinâmica interna, foram os bancos destes países que mais contribuíram para a valorização destas bolsas no período em análise.
Os destaques negativos vão para o ETF iShares MSCI Mexico Capped (IE00B5WHFQ43) com uma acentuada perda de 10,8% e para os fundos de ações turcas (em média -12,9%).
Apesar do potencial económico e de uma localização geográfica única, o mercado de ações do México está a ser abalado por questões de política interna. A reforma do poder judicial preconizada pelo Presidente AMLO é bastante criticada por Washington e pelos investidores.
No entanto, espera-se que a nova Presidente eleita, embora seja do mesmo partido político, assuma uma atitude mais pragmática, tal como por parte da Casa Branca. Trump ou Kamala precisam do México como alternativa à China na construção de cadeias de produção.
A Turquia, por seu turno, sofre com uma taxa de juro diretora colocada em 50%! Como resultado, a taxa de inflação até já recuou de 70% para cerca de 50%, mas é ainda elevadíssima e é inevitável um abalo na atividade económica. Não invista em ativos da Tuquia.
Rotação setorial
A mudança de sentimento também foi evidente nos desempenhos setoriais. No período em análise, a maior valorização coube aos fundos dedicados a empresas de bens de consumo essencial (+2,9%), uma atividade menos sensível a uma deterioração da economia. Seguiram-se as categorias do setor imobiliário (+2,7%) e das utilities (+2,3%).
Nestes casos, o impulso vem da perspetiva de uma descida mais rápida das taxas de juro. Os juros são determinantes para o dinamismo do mercado imobiliário, mas também para o nível de endividamento das empresas de utilities, que realizam pesados investimentos com recurso a financiamento nos mercados.
Ainda com um desempenho positivo tivemos o ETF Xtrackers MSCI World Health Care (IE00BM67HK77) com +0,2%. O setor dos cuidados de saúde está igualmente escudado das turbulências económicas. Além disso, a longo prazo beneficia do envelhecimento da população global.
Do outro lado do espetro, encontramos as atividades que mais dependem do ritmo da economia. Um possível enfraquecimento da economia dos EUA e as dificuldades recorrentes na China não são favoráveis para o consumo global de matérias-primas e os fundos/ETF de energia fóssil (-9,2%) e de materiais (-8,9%) sofreram perdas significativas.
A tecnologia, como referimos, foi outro setor sob forte pressão e os fundos da categoria perderam em média 7,7%. O ETF VanEck Semiconductor (IE00BMC38736) foi ainda mais penalizado (-15,8%) nestas últimas semanas. Porém, mesmo colocando de lado a inteligência artificial, a indústria dos semicondutores tornou-se num pilar essencial da digitalização e uma aposta geopolítica.
Nenhuma das grandes economias quer ficar para trás e sucedem-se os apoios públicos para deslocalizar fábricas. Mesmo que algumas empresas não sejam bem-sucedidas nesta transição, o setor tem margem para continuar a crescer a bom ritmo nos próximos anos.
Em suma, e sem surpresa, as movimentações de curto prazo refletem preocupações conjunturais e que não podem ser assumidas como um indicador do potencial de longo prazo de cada mercado ou setor.
Obrigações estão de volta?
Perante a queda das bolsas e as dúvidas sobre a saúde económica dos EUA, os investidores apostaram nas obrigações, sobretudo, as soberanas.
Dedicado à dívida em euros, o ETF Amundi Euro Government Bond (LU1437018598) ganhou 1,3% neste período. No dólar dos EUA, o fundo Fidelity US Dollar Bond (LU0261947682) valorizou 0,5%, um resultado bem positivo dado o fraco desempenho da nota verde.
Renascidas das cinzas, encontramos as obrigações em ienes. Apesar da subida das taxas no Japão penalizar o valor das obrigações, a apreciação do iene (agora mais apelativo) mais do que compensou esse efeito. Assim, o ETF Xtrackers II Japan Government Bond (LU0952581584) conseguiu um excelente ganho (+ 4,9%).
A evolução destas categorias de obrigações soberanas volta a realçar a sua contribuição para diversificar as carteiras de investimento. Nos últimos anos, um período anormal de taxas de juro muito reduzidas e depois o combate à inflação causaram fortes “danos” aos investidores em dívida. Tudo indica, que agora se esteja a assistir a uma normalização do papel defensivo dos mercados de obrigações soberanas.
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