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Vinhos portugueses ainda não são investimento
Há 2 anos - 22 de abril de 2021
A Cult Wines, de Tom Gearing, gere uma carteira de 190 milhões de euros e tem clientes em todo o mundo.
Tom Gearing fundou a Cult Wines há doze anos para ajudar os investidores a investir em vinhos, criando portefólios à medida e de acordo com vários tipos de risco. Gere uma carteira de 190 milhões de euros e tem clientes de todo o mundo. Nesta entrevista à PROTESTE INVESTE, revela as regiões mais célebres e apetecidas, e explica porque os vinhos portugueses ainda não atingiram o estatuto de investimento.
Quais são as melhores razões para investir em vinhos?
A maioria das pessoas e dos nossos clientes que investem em vinho fazem-no por uma questão de diversificação. A razão pela qual o vinho funciona tão bem como uma ferramenta de diversificação é porque, historicamente, a performance do vinho, nos últimos 30 anos, não tem uma relação muito próxima com os mercados financeiros globais.
Isso ficou provado em 2020 e este ano, com a pandemia, e também em 2008 com a crise financeira. Nas duas ocasiões, em que percecionámos uma elevada volatilidade e incerteza, o vinho de topo (fine) foi muito resiliente e teve uma correlação negativa com a bolsa.
Penso que são estas as características fundamentais que atraem as pessoas. Olham para o vinho quase como um ativo competitivo como o ouro, num portefólio. Historicamente, o ouro é visto como uma forma de preservar capital, funciona como um ativo defensivo e como forma de equilibrar uma carteira mais agressiva. Nestes termos, o vinho é uma classe de ativos interessante para considerar, porque, tal como o ouro, é físico, existe, é um produto que se pode consumir, o que o torna ainda mais atrativo do que o ouro.
Além disso, quanto mais garrafas de vinho raro se abrirem numa ocasião especial, menos ficam no mundo. Se olharmos para os vinhos mais famosos do mundo, como os da Borgonha ou Bordéus, como o Château Lafite Rothschild, sabemos que, daqui a algum tempo, haverá cada vez menos garrafas. Ou seja, há um equilíbrio único. Por um lado, com o passar do tempo, a oferta vai diminuindo, mas, simultaneamente, a procura vai aumentando, porque se tornam mais raros.
Na verdade, os vinhos melhoram com a idade. Apesar de ser cada vez mais um ativo para diversificar o portefólio, temos imensos clientes que adoram vinho. Comprar e investir em vinho é uma paixão para eles. Se fizerem um dinheiro extra, melhor. Além de poderem fazer uma grande coleção de vinho, podem expô-la, visitar produtores e adegas, aprender história, ter experiências. Por outro lado, temos clientes que estão apenas focados nos benefícios financeiros proporcionados pelo investimento e não tanto pelo vinho. Este é apenas um ativo.
Ao longo dos anos, o vinho provou ser resiliente em alturas de stresse económico e é isso que atrai os investidores. É um ativo físico e seguro a longo prazo. Quando se investe no mercado de capitais, por uma razão ou outra, uma empresa pode desvalorizar 50% num ápice. É muito pouco provável isso acontecer com uma garrafa de vinho.
Que tipo de clientes predomina na Cult Wines?
A razão pela qual a Cult Wines existe é porque sentimos que não havia no mercado empresas focadas no vinho como um ativo e com uma abordagem profissional de gestão de portefólio. Antes de a Cult Wines existir, podia comprar-se vinhos através de uma corretora, de um distribuidor, num leilão, mas não havia quem pensasse no vinho numa perspetiva de diversificação da carteira, de forma a proporcionar a melhor rentabilidade.
Quando começámos, queríamos ser os melhores gestores de portefólio em vinho. Ou seja, queríamos elevar o vinho a uma classe de ativos e levá-la a uma nova audiência de forma a tornar o vinho acessível a quem nele quisesse investir. Essa foi a principal razão. Talvez por isso tenhamos atraído desde o início mais pessoas interessados no vinho como um puro investimento.
Se está interessado no vinho como uma paixão, pode ir a um leilão ou a um produtor comprar. Se pretende investir, essa é a nossa função. Nos últimos anos, temos tentado reunir as duas facetas: a paixão e a rentabilidade do investimento. Não tem de ser uma ou outra, podem ser as duas. Pode investir em vinho e ter o retorno, bem como, simultaneamente, apreciar o produto. Fazemos eventos, organizamos visitas, provas de vinhos, entrevistas com enólogos e acesso exclusivo a produtores.
Tem diferentes portefólios de acordo com o perfil de risco do investidor?
Sim, tal e qual um gestor de investimentos. Temos um diretor e um comité de investimento, e fazemos uma alocação estratégica de ativos. Criámos bases de dados e uma espécie de benchmark para um portefólio estratégico. O portefólio é constituído, por exemplo, por 35% de Bordeaux, 25% de Borgonha, 10% de Itália.
Temos gestores de clientes. Todos os clientes são diferentes. Podemos ter um cliente que gosta de arriscar com o objetivo de ter um retorno maior, apostando em produtores mais especulativos ou novos nomes. Se investir num Bordeaux que tem 100 anos é um investimento seguro, é como investir numa ação blue ship, mas o retorno que consegue não é estratosférico.
Um investimento sólido proporciona 7% ou 8% por ano, a volatilidade é relativamente baixa, a liquidez é elevada. Ou seja, a relação risco/rentabilidade é boa. Em alternativa, se investir num produtor português, ou num espanhol, ou ainda num projeto novo na América do Sul, ou num champanhe novo, com boas credenciais, a um preço baixo – cerca de 15 euros a garrafa - e conseguir atrair a atenção do mercado pelo seu potencial, tornar-se-á famoso e bastante conhecido. Neste caso, o preço pode subir significativamente, para 150 euros. O potencial de rentabilidade é maior, mas não é garantido.
Por isso, gostamos de definir o perfil de risco de cada cliente, para saber qual a expectativa quanto à rentabilidade. Se aparecer um cliente que prefere investir 100 mil dólares e assumir algum risco, visitar alguns produtores, faremos certamente um portefólio diferente do de um cliente que quer investir 100 mil dólares a longo prazo, sem risco e baixa volatilidade, para deixar de herança para os filhos, ficando satisfeito com um retorno de 8% ao ano. Neste caso, sugerimos alguns Bordeaux, produtores italianos, os melhores nomes de champanhe na Califórnia.
De que forma a pandemia afetou o investimento em vinhos, a atividade da Cult Wines em particular?
Para ser honesto, a minha primeira reação em março do ano passado foi pensar que a pandemia ia ter um impacto negativo no mercado do vinho, porque os restaurantes e os hotéis fecharam, as pessoas deixaram de viajar, não gastariam dinheiro, o desemprego subiria, podia haver um crash da economia. Tal como eu, a maioria das pessoas estava pessimista.
Este sentimento teve um impacto negativo nos mercados financeiros. No vinho, houve uma queda de 5% no vinho em março de 2020, mas quando os governos de todo o mundo decidiram aprovar pacotes de apoio para suportar a economia e as pessoas, assistimos a uma proliferação do consumo do vinho em casa.
No último ano, o mercado do vinho beneficiou enormemente da pandemia. Como as pessoas trabalhavam a partir de casa e não podiam sair para ir a restaurantes ou de férias, ficaram com mais dinheiro disponível e começaram a comprar online e a apreciar vinho em casa. Não foi apenas em Inglaterra, mas no resto da Europa, nos EUA, na Ásia. Ou seja, houve um aumento significativo de consumo de vinho, e isso teve um impacto positivo no mercado do vinho como investimento.
Nos últimos 12 meses, o mercado cresceu 6% a 8%. Ninguém previu o impacto que podia ter em vários setores. Um dos efeitos foi acelerar a digitalização. Por exemplo, um Bordeaux “en primeur” costumava ser provado pelas pessoas antes de ser lançado. Agora isso não é possível e é preciso pensar como se envia as amostras às pessoas. Esta pandemia obrigou a repensar a forma como se faz negócio, a criar estratégias para potencializar a comercialização de vinho, por exemplo, através de provas virtuais de vinho.
Hoje, há mais pessoas interessadas em aprender sobre vinho. Já não querem apenas receber seis garrafas em casa, mas sim ter mais informação sobre o produtor, como é feito o vinho, se é orgânico ou não. Tudo isso é muito bom. Fala-se de todas as indústrias que têm beneficiado da pandemia e pensa-se como será no pós-pandemia, quando a economia recuperar. É difícil saber. Acredito que tenha acontecido uma grande mudança na indústria de vinho e que será permanente. Quem demorou a alterar a forma como trabalha, será forçado a acelerar.
Quais são as regiões e os vinhos que mais se destacam entre os investidores entusiastas nos últimos anos?
As duas regiões que, nos últimos anos, têm atraído a atenção dos colecionadores e investidores são o norte de Itália, onde é produzido o vinho Barolo de Piemonte, e a Toscânia. Os vinhos tornaram-se mundialmente conhecidos e os preços têm vindo a subir de forma consistente. Sassicaia é, provavelmente, uma das cinco marcas mais fortes da Itália. Nos últimos doze meses, cada vez mais investidores procuram o value for money.
Uma coisa é comprar um Bordeaux, como um Petrus, ou um vinho da Califórnia de topo que pode custar desde quinhentos a milhares de dólares por garrafa. É muito caro. Outra coisa é comprar um vinho italiano com grande prestígio e reconhecido no mercado, como o Sassicaia, Tignanello, Brunello Di, que custam cerca de 150 dólares. São ótimos vinhos, com grande qualidade e reputação e processos avançados de produção.
Beneficiaram também da medida de Donald Trump, que decidiu introduzir uma tarifa de 15% sobre os bens provenientes da União Europeia, incluindo os vinhos franceses, mas com exceção dos italianos! Considerando que os EUA são talvez o maior mercado do mundo, deixaram de importar tantos vinhos franceses e viraram-se para os italianos, que já produzem há muito tempo vinhos incríveis.
Por exemplo, o Barolo é único e só se produz naquela região de Piemonte. Ou seja, têm vinhos similares ao Pinot Noir da Borgonha, que tem preços estratosfericamente altos, mas a valores muito mais acessíveis. Portanto, para quem olha para o value, o norte de Itália, em particular, o vinho Barolo, pode ser adquirido a preços mais acessíveis.
Outra tendência são os “growths” (crus) champanhes, produzidos de forma tradicional por pequenos viticultores com uma longa reputação, que tentam produzir o melhor vinho num reduzido pedaço de terra. Tem havido um grande entusiasmo em torno destes produtores, bem como o champanhe tem atraído um novo público. Há também um aumento da procura por vinhos naturais (orgânicos).
Alguns dos mais conhecidos atingiram preços muito elevados. Há cinco anos, podia comprar-se uma garrafa por 20 ou 30 euros. Agora custam à volta de 150 euros. Por causa da forma do processo de produção, produzem pequenas quantidades. São muito difíceis de encontrar. Desaparecem rapidamente do mercado. Se se tornarem cada vez mais falados, os preços irão subir. Há alguns famosos na Borgonha. É o caso do Prieuré-Roch e do do Bizot. Este custava, há cinco anos, 8 euros, agora vale 80. São reverenciados pelos colecionadores. Há um grupo pequeno determinado a comprar todas as garrafas. É fácil perceber como os preços subiram tanto.
Os vinhos portugueses podem ser considerados um investimento?
O mercado tem colecionadores, sobretudo, de Vinho do Porto. É comum serem licitados em leiloeiras. O problema do Vinho do Porto tem que ver com uma questão geracional. Quem bebe estes vinhos, especialmente na Europa, é a geração mais velha. Os vinhos doces de Bordeaux têm um problema similar ao do Vinho do Porto. Acredito que os produtores têm de trabalhar mais no sentido de captar as jovens gerações.
A razão pela qual os vinhos em geral se tornaram mais populares é porque temos assistido a uma mudança significativa de gerações que consomem vinho. Têm entre 30 e 45 anos. Não admira também que os vinhos orgânicos se tenham tornado tão populares nos últimos anos. As pessoas estão mais preocupadas com a saúde e com o que está dentro da garrafa. O que me parece excitante em relação a Portugal é que alguns dos vinhos tintos de topo produzido no vosso país são bons.
No futuro, têm potencial de atrair colecionadores, como aconteceu na América do Sul, Nova Zelândia e África do Sul. Todos estes países fazem grandes vinhos para o retalho, mas para conseguirem atingir o estatuto de colecionáveis têm de passar para o nível seguinte. Não me surpreenderia ver alguns produtores portugueses a emergir nos próximos anos.
É uma questão de marketing, de imagem?
Para um vinho ter um score alto na qualidade e passar do retalho para um grande vinho de investimento tem muito que ver com o reconhecimento da marca e a distribuição a nível mundial. Tem de conseguir atrair na Ásia, como na Europa e nos Estados Unidos. Se uma marca conseguir encontrar canais de distribuição nestes continentes e países, é a chave.
Portanto, mudar a mentalidade e pensar numa estratégia global pode ser a solução. Mas isso leva tempo. Por exemplo, os Bordeaux, a marca mais conhecida e mais transacionada a nível mundial, se tiver um grand cru classé e o quiser vender, a oferta será restrita. Haverá muitos vendedores e compradores.
Investir em vinho não é só comprar uma garrafa a 50 euros e vendê-la a 100 passado uns anos. Mesmo que ela esteja a 100 numa loja ao pé de si, não encontrará facilmente comprador. Provavelmente, irão oferecer-lhe apenas 70 euros. Mesmo que a margem seja 30 euros, teve gastos com o armazenamento, os seguros, custos de transação, etc. Ao contrário, se comprar um Bordeaux, sabe que encontra facilmente compradores.
Esse é o ponto-chave. Se eu recomendar a compra de um vinho, sou responsável por revendê-lo a seguir. Uma pessoa pode chegar ao pé de mim e dizer que está disposta a assumir um determinado risco num vinho português, mas quer ter a certeza de vai ter um bom retorno. Portanto, é preciso haver mercado para ele. É um risco adicional.
Que conselhos daria a um investidor normal que nada percebe do mercado dos vinhos?
Essa é precisamente a razão porque a Cult Wines existe. Vimos que havia uma oportunidade no mercado. Não havia ninguém com a capacidade de aconselhar sobre o investimento em vinhos a pessoas que não têm conhecimentos, nem tempo para estudar o setor. Existimos para tornar o vinho mais acessível. Providenciamos portefólios a partir de 10 mil libras (cerca de 11 500 euros). Os clientes confiam na nossa expertise sobre o que comprar, o que vender.
Fazemos isto há 12 anos, gerimos uma carteira de 165 milhões de libras e clientes de todo o mundo. Providenciamos todas as infraestruturas, desde depósitos tax free, seguros para garrafeiras, temos uma plataforma digital, onde o cada investidor pode acompanhar o seu portefólio e acompanhar diariamente o preço dos vinhos. Tornamos a experiência tão acessível quanto outros produtos de investimento.
Entrevista de Myriam Gaspar
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