O que é o crowdfunding?
O crowdfunding, ou financiamento colaborativo, é uma forma de financiamento coletivo em que várias pessoas contribuem com pequenas quantias de dinheiro para apoiar projetos, empresas ou causas. Esta prática tem vindo a crescer significativamente nos últimos anos, principalmente devido à democratização da Internet e das plataformas digitais, que facilitam a ligação entre os promotores de projetos e potenciais financiadores.
Quando se fala na perspetiva das empresas que buscam financiamentos, denomina-se crowdfunding, mas na perspetiva dos investidores individuais a prática é crowdlending, pois são estes quem empresta o dinheiro, não quem pede emprestado.
Existem quatro modelos principais de crowdfunding:
Doação (Donation-based): Os financiadores não recebem qualquer retorno material ou financeiro. Apoiam o projeto por solidariedade, filantropia ou interesse pessoal.
Recompensa (Reward-based): Os apoiantes recebem uma recompensa não financeira (como produtos, serviços, experiências ou agradecimentos).
Capital (Equity-based): Os financiadores tornam-se acionistas ou sócios da empresa, partilhando os lucros e os riscos.
Empréstimo (Lending-based): Também conhecido como peer-to-peer lending, os investidores emprestam dinheiro a indivíduos ou empresas e recebem juros em troca.
As plataformas de Crowdlending têm vindo a ganhar popularidade enquanto alternativa de investimento. Através delas, investidores individuais podem financiar projetos de terceiros – sejam empresas ou iniciativas sustentáveis – em troca de juros previamente definidos. Mas será que vale mesmo a pena investir?
A Raize a GoParity e a Maclear são três dos principais exemplos deste modelo em Portugal. A Raize foca-se no financiamento de pequenas e médias empresas (PMEs) nacionais, enquanto a GoParity canaliza capital para projetos de impacto social e ambiental positivo, ligados ao desenvolvimento sustentável.
Por outro lado, a Maclear destina-se mais a investimentos em empresas impactantes quer em termos de sustentabilidade quer em inovação.
Estas plataformas funcionam como intermediárias: angariam capital de pequenos investidores para financiar projetos de terceiros, prometendo retorno financeiro com base em taxas de juro previamente acordadas no momento da subscrição do empréstimo.
Raize: Ajudar as PMEs pode não compensar o risco
A Raize surgiu com um modelo de negócio apelativo: cobrava comissões apenas às empresas financiadas, preservando a rentabilidade dos investidores. No entanto, a empresa alterou a sua política e passou a cobrar comissões também aos investidores, entre 10% e 12% sobre os juros brutos recebidos.
O impacto desta mudança foi retroativo, afetando inclusive investimentos realizados antes da alteração, o que comprometeu a confiança dos investidores e levantou dúvidas quanto à fiabilidade da plataforma a longo prazo.
Apesar de alguns projetos oferecerem uma taxa de juro bruta de cerca de 6% ao ano, quando somamos os custos com comissões e impostos, a rentabilidade líquida efetiva desce para valores na ordem dos 3,7% anuais. Este retorno é modesto, sobretudo se considerarmos o nível de risco associado.
Mas afinal, porque é que o risco é tão elevado?
As empresas financiadas pela Raize são, em grande parte, PMEs. Estas entidades tendem a ter menor capacidade de absorção de choques económicos, menor acesso a crédito bancário e maior exposição a ciclos económicos adversos, quando comparadas com grandes corporações.
Ainda que a Raize aplique critérios de avaliação na seleção das empresas que entram na plataforma, não existe qualquer garantia de que estas não venham a enfrentar dificuldades financeiras ou até mesmo entrar em incumprimento.
O risco sistémico também deve ser considerado. Com uma possível recessão económica na Europa no horizonte, o cenário torna-se mais incerto. Dados da agência Moody’s indicam que, em contextos económicos estáveis, as taxas de incumprimento de dívida de alto risco na Europa variam entre 1,5% e 3%, mas em períodos de recessão podem ultrapassar os 12%.
Como medida de mitigação de risco, a Raize implementou um mecanismo de diversificação automática, Tracker, que impede que mais de 5% da carteira de um investidor seja alocado a uma única empresa.
Este mecanismo é, em teoria, positivo, especialmente em épocas de maior rentabilidade bruta e isenção de comissões. No entanto, com as atuais condições — rentabilidades líquidas mais baixas e aumento do risco económico —, a diversificação por si só já não garante uma relação risco/retorno vantajosa.
Goparity: Investimento com Impacto Sustentável
A Goparity posiciona-se no mercado como uma plataforma de financiamento colaborativo orientada para projetos com impacto ambiental e social. Os investidores podem aplicar o seu capital em cinco categorias principais: “Uso sustentável da terra”, “Água e economia azul”, “Economia social”, “Negócios em transição” e “Energia sustentável”.
As taxas de juro brutas variam, em geral, entre 4% e 8% ao ano, embora a maioria dos projetos se situe na faixa dos 4% a 6%. A grande vantagem competitiva da Goparity é que não cobra qualquer comissão aos investidores, o que significa que as taxas efetivas líquidas podem ser bastante próximas das nominais. A empresa cobra comissões apenas aos promotores dos projetos: uma taxa de setup e uma taxa contínua sobre o montante em dívida.
Para facilitar a análise de risco, a Goparity atribui uma classificação de crédito própria aos projetos, numa escala de A+ (menor risco) a D (risco mais elevado). No entanto, essa classificação é feita internamente e não tem equivalência direta com os ratings de agências reconhecidas como a Moody’s ou a Standard & Poor’s.
Ou seja, os investidores devem considerar esta avaliação como uma referência, mas não como uma garantia de segurança. Não existe nenhuma entidade independente que audite ou valide a classificação de risco atribuída pela Goparity.
Por outro lado, a plataforma apresenta bastante informação sobre cada projeto, incluindo objetivos ambientais, estimativas de impacto e planos de amortização, o que facilita uma análise mais aprofundada por parte do investidor.
Ainda assim, a decisão de investir deve ser feita com base numa análise crítica. O investidor deve avaliar se o retorno oferecido compensa o risco assumido e se o perfil do projeto se adequa aos seus objetivos financeiros e tolerância ao risco.
Maclear: Rentabilidade atrativa, mas com riscos relevantes
A Maclear é uma plataforma de crowdlending sediada na Suíça, especializada no financiamento de pequenas e médias empresas (PMEs) europeias. Com um modelo de negócio centrado na maximização da rentabilidade dos investidores, a Maclear afirma, assim como a GoParity, não cobrar comissões diretas aos utilizadores que emprestam dinheiro através da plataforma.
Em termos de rentabilidade bruta, os projetos apresentados variam geralmente entre 12% e 16,5% ao ano, valores significativamente superiores aos praticados por plataformas concorrentes como a Raize ou a Goparity.
Ao contrário da Raize, que passou a aplicar uma comissão entre 10% e 12% sobre os juros brutos recebidos pelos investidores, a Maclear mantém a política de isenção de comissões para os mesmos, cobrando apenas aos promotores dos projetos (as empresas financiadas) uma taxa de entrada e uma comissão contínua sobre o valor do empréstimo.
A única exceção são algumas taxas operacionais específicas, como a comissão de 0,5% em levantamentos e até 2,5% em operações no mercado secundário, caso o investidor decida vender antecipadamente a sua posição. Esta estrutura permite que as taxas líquidas recebidas pelos investidores se mantenham bastante próximas das taxas nominais anunciadas.
Contudo, a atratividade das taxas oferecidas deve ser analisada com cautela. O elevado retorno anunciado reflete, em grande parte, o risco associado ao tipo de empresas financiadas.
Tal como sucede com a Raize, a Maclear concentra-se em PMEs, que por natureza apresentam maior exposição a choques económicos, menor robustez financeira e menor acesso ao crédito bancário. Estas características tornam-nas particularmente vulneráveis em contextos recessivos ou de incerteza económica.
Apesar de a Maclear implementar um Fundo de Provisão, financiado por 2% do montante de cada empréstimo, esse mecanismo apenas cobre pequenos atrasos nos pagamentos e não representa uma garantia de capital. Caso o fundo seja insuficiente para responder a uma vaga de incumprimentos simultâneos, os investidores podem não recuperar parte do seu capital.
Adicionalmente, a plataforma não possui qualquer tipo de seguro de depósitos, nem auditorias públicas regulares com certificação de entidades independentes. Embora tenha anunciado que pretende publicar um relatório auditado referente ao exercício de 2023, este ainda não está disponível.
A Maclear também não oferece, até ao momento, um sistema de diversificação automática como o Tracker da Raize, que limita a exposição do investidor a uma única empresa. Isso obriga cada utilizador a fazer manualmente a alocação do seu capital projeto a projeto, dificultando a dispersão do risco e aumentando a probabilidade de exposição excessiva a empresas individuais.
A funcionalidade de mercado secundário está disponível, mas carece de flexibilidade e implica custos adicionais. A ausência de uma app móvel e de ferramentas de gestão automática são também fatores a considerar na comparação com outras plataformas mais maduras.
A reputação da Maclear entre investidores ainda está em formação, dado que a plataforma foi lançada apenas em maio de 2023. Embora até ao momento não se tenham verificado incumprimentos públicos, a curta existência e o reduzido número de projetos financiados limitam a fiabilidade estatística sobre o seu desempenho a longo prazo.
Em suma, a Maclear apresenta-se como uma alternativa de investimento com rentabilidades atrativas e comissões muito reduzidas para os investidores, o que pode parecer vantajoso num primeiro olhar. No entanto, o risco associado é elevado, tanto pelas características das empresas financiadas como pela juventude e opacidade relativa da plataforma.
A ausência de diversificação automática e a limitada supervisão externa reforçam a necessidade de uma análise crítica e cuidadosa por parte do investidor, que deverá ponderar se o retorno oferecido compensa o grau de risco assumido.
Mantenha a Racionalidade
Ambas as plataformas exploram, de forma legítima, a componente emocional do investimento: a Raize apela ao espírito de solidariedade com as PMEs portuguesas; a Goparity promove a ideia de que o seu dinheiro pode ter um impacto positivo no planeta.
Contudo, no final das contas, é fundamental lembrar que o objetivo principal de qualquer investimento é gerar retorno financeiro de forma consistente e sustentável.
Combinar a obtenção de um rendimento com impacto social pode ser uma mais-valia, mas não deve ser a prioridade, sobretudo se isso implicar comprometer a segurança financeira pessoal, caso contrário, convém considerar esses investimentos maioritariamente como atos de solidariedade.
Além disso, deve-se ter em consideração a falta de liquidez destes investimentos. Em ambos os casos, o capital fica imobilizado até ao vencimento do empréstimo, o que reduz a flexibilidade do investidor caso precise de resgatar o dinheiro antecipadamente. Comparando com depósitos a prazo a liquidez é bastante reduzida.
Outro ponto importante é a ausência de cobertura de capital garantido ou qualquer tipo de proteção por parte do Estado ou de um fundo de garantia, ao contrário dos depósitos bancários, logo, se procura algo mais seguro, os depósitos a prazo, onde está protegido pelo fundo de garantia de depósitos e tem elevada liquidez, pode ser uma melhor opção para si do que investimentos em crowdlending, onde pode não receber a totalidade do seu investimento.
Por isso, mesmo que decida avançar com este tipo de investimento, faça-o de forma prudente e diversificada. Uma boa prática é não expor mais de 10% da sua carteira de investimentos a plataformas de Crowdlending, distribuindo o restante por ativos com diferentes perfis de risco e liquidez. E claro... só fazer isto tudo depois, e apenas depois, de ter o seu fundo de emergência.
Conclusão
O Crowdlending é uma alternativa interessante, mas que deve ser analisada com cautela. Embora ofereça oportunidades de retorno e impacto, o risco não é negligenciável, e as condições atuais do mercado não são as mais favoráveis para este tipo de investimento.
Contudo, para investidores com perfil moderado a arrojado, o crowdlending pode integrar uma estratégia de diversificação, desde que se tenha plena consciência dos riscos envolvidos. É essencial analisar cada projeto, verificar o historial dos promotores e compreender bem os termos do investimento.
A transparência da plataforma, as comissões aplicadas e os mecanismos de mitigação de risco — como a diversificação automática — devem ser criteriosamente avaliados.
E também, não se deve basear apenas nos indicadores e estimativas de uma só plataforma. Antes de investir numa empresa ou determinado projeto, faça um estudo comparativo das diferentes cotações de risco e indicadores económicos que as melhores e mais reconhecidas agências ou empresas definem.
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