No mundo atual é racional aplicar tarifas? Quem poderá ser mais afetado por elas, dentro e fora dos EUA?
Não. A forma como os EUA têm aplicado estas tarifas não segue qualquer lógica económica nem se baseia em evidência empírica. É completamente errática — como o próprio Trump já admitiu. É verdade que existem estudos económicos sobre tarifas ótimas para países como os EUA, e a tarifa ótima não é necessariamente zero.
Podem existir argumentos económicos ou estratégicos para aplicar tarifas, por exemplo, para proteger certos setores ou beneficiar determinados eleitores. Outros países ou blocos económicos também podem ter razões semelhantes. Aliás, a Organização Mundial do Comércio foi bem-sucedida durante muitos anos precisamente por permitir gerir estes conflitos. Criou um sistema em que as tarifas são possíveis, mas sujeitas a retaliação por parte de outros países. Isso eleva os custos de aplicar tarifas e faz com que só seja racional impô-las quando realmente necessárias — não como decisão unilateral isolada.
A política atual dos EUA, no entanto, não segue esse enquadramento. A aplicação tem sido arbitrária e não corresponde a nenhum destes critérios. Quanto aos efeitos, a experiência de 2018 com as tarifas sobre a China é clara: os preços nos EUA subiram quase exatamente pelo valor das tarifas. Ou seja, quem pagou foram os consumidores americanos. Os preços dos exportadores chineses pouco mudaram. Os produtores chineses exportaram menos para os EUA, mas foram menos afetados.
Agora, em 2025, os efeitos são mais incertos. Mas é provável que ambos os lados — os EUA e os países visados — fiquem prejudicados. E pior ainda: quando os países retaliam, acabam também por penalizar as suas próprias economias, além da americana. A investigação económica mostra que, mesmo que uma tarifa unilateral gerasse algum ganho para os EUA, esse ganho desaparece com a retaliação. No final, ninguém ganha. Todos perdem.
Perante a pressão de tarifas, a presidente do México terá dito que os mexicanos se iriam virar para produtos nacionais equivalentes aos produzidos nos EUA. Esta decisão tem aplicabilidade? Seria uma boa estratégia a seguir por outros países, nomeadamente os europeus?
"Fechar as portas" é uma expressão forte. Há uma grande diferença entre encerrar o comércio com os Estados Unidos — através de tarifas proibitivas ou restrições — e fazer uma campanha para promover o consumo de produtos nacionais.
Fechar a fronteira ou aplicar tarifas muito elevadas seria uma péssima ideia. O custo económico para o México seria significativo, dado o grau de integração comercial com os EUA. Por outro lado, campanhas de substituição de importações — do tipo “compre nacional” — podem parecer atraentes do ponto de vista político, mas têm pouco efeito económico. São simbólicas. A experiência mostra que estes boicotes raramente têm impacto relevante.
Para a Europa, não faz sentido nenhum. A Europa tem tudo a ganhar com comércio o mais livre possível. Para alguns sectores estratégicos pode fazer sentido mas fechar as portas não é uma boa ideia.
A DECO PROteste fez um inquérito junto de alguns consumidores a propósito deste tema. Os consumidores temem que os preços de produtos e serviços subam, e esperam retaliações por parte da Europa. Que comentários lhe sugerem estes resultados?
Os resultados mostram algo importante: a maioria dos consumidores espera que haja retaliação. Se os EUA aplicarem tarifas e a União Europeia não responder — o que pode acontecer no caso de tarifas moderadas — o impacto direto sobre os preços em Portugal pode ser limitado. Os preços dos bens americanos podem subir um pouco, mas os fluxos comerciais entre os EUA e a Europa não mudam muito, e o efeito sobre os preços cá seria reduzido. Portugal até pode beneficiar porque exporta muitos serviços que não têm tarifas.
Mas se houver retaliação, o cenário muda. Entramos numa escalada. Aumentam os custos das importações — tanto de produtos dos EUA como de produtos europeus que usam bens intermédios americanos. Isso pode gerar aumentos de preços e pressões inflacionistas em Portugal e no resto da Europa.
Os efeitos económicos apontados pelos consumidores parecem corretos e mostram que este tipo de política não é uma boa ideia. Políticos que defendam abordagens protecionistas têm pouco a ganhar em Portugal.
Entrevista de Ricardo Nabais e Fátima Ramos.
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