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“Mais tarifas será um desastre”

William Lazonick,

William Lazonick, professor emérito de Economia na Universidade de Massachussets e presidente do Academic-Industry Research Network

Publicado em: 15 janeiro 2025
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William Lazonick,

William Lazonick, professor emérito de Economia na Universidade de Massachussets e presidente do Academic-Industry Research Network

Para William Lazonick, presidente do Academic-Industry Research Network, as políticas de Trump põem em risco a globalização e as relações comerciais.

Trump é o 47º presidente dos EUA. Ficou surpreendido com a sua eleição? 

Fiquei surpreendido com a margem com que ele ganhou a eleição. Os Republicanos conseguiram o Senado e a Câmara dos Representantes! Isso revela que os Democratas não souberam lidar com as questões fundamentais.

Creio que um terço do eleitorado gosta de Donald Trump pela figura que é, o que é bastante triste em si. Quanto ao restante eleitorado que votou nele, são pessoas que enfrentam muita insegurança, provavelmente sem razão aparente. Não fiz uma pesquisa sobre o assunto, mas pode ser uma das razões.

Há um problema que se arrasta há algum tempo e de que tenho vindo a falar. Antes da pandemia, as pessoas não conseguiam manter os empregos estáveis, mas durante o surto da Covid-19 foram aprovados diversos programas de apoio que permitiram às famílias receber dinheiro do Governo, para lidar com o impacto da crise económica e social.

Houve três rondas de subsídios, os benefícios de desemprego foram estendidos e aumentados, bem como os apoios a quem tinha filhos [Child Tax Credit]. Alguns deles foram atribuídos por Trump, outros por Biden, mas, em 2022, cessaram.

Ao mesmo tempo, disparou a inflação, devido, sobretudo, a problemas nas cadeias de abastecimento e aumento da energia. As pessoas dizem, agora, que a inflação era um problema, mas eu acho que, para muitas pessoas, a pandemia, ironicamente, gerou um pouco mais de segurança para quem sobreviveu.

Contudo, com o fim dos subsídios, regressou a insegurança, e as pessoas culpam Biden por isso, e, por causa da inflação, têm menos dinheiro para gastar. Podem ter o mesmo dinheiro que anteriormente à pandemia, mas ocorreu esta alteração. Não vi muita gente a falar sobre isso.

A inflação é um problema que afeta diretamente a carteira das pessoas. 

Sim, mas não é só a inflação. O facto é que a pouca segurança que tinham, com todos aqueles programas aprovados durante a pandemia, se desvaneceu numa altura em que os preços subiram. Não houve uma transição.

Portanto, acho que isso levou as pessoas a votarem em Trump. Se ouvissem realmente o que diz Donald Trump, não votariam nele.

Em resumo, as pessoas votaram na mudança. 

Exatamente. As pessoas só querem mudar.

Uma das medidas anunciadas por Trump é a introdução de mais taxas alfandegárias. É o fim da globalização, como a conhecemos? 

Sim! Se introduzirem mais tarifas, será um desastre. A China é central para a globalização, e as relações económicas entre empresas chinesas e americanas é enorme. Por exemplo, será um problema para muitas empresas de tecnologia nos EUA. Primeiro, elas empregam muitas pessoas da China. Provavelmente, regressarão ao seu país.

Uma grande proporção da indústria de tecnologia tem uma força de trabalho asiática. Trump é tão idiota ao dizer que a China vai pagar as tarifas. Ele não entende o básico das tarifas! Vais ser um problema!

Não é a primeira vez que os Estados Unidos enfrentam competição internacional, em particular dos japoneses. Inicialmente, colocaram-se restrições alfandegárias às importações do EUA. Mas, na última metade dos anos 1980, os japoneses começaram a produzir nos EUA.

Desta vez, porém, a situação com a China é diferente, porque há uma oposição política a que a China produza nos Estados Unidos. Com o conflito na Ucrânia e no Médio Oriente, é um grande problema cortar essas relações.  

Acredita que Trump baixará os impostos? 

Ele tentará. Ele e as pessoas ao seu redor não se importam com nada, exceto enriquecer. A menos que ele recue nas políticas que pretende implementar, não melhorará a vida de ninguém. 

Os Estados Unidos são um mercado importante para a Europa. Nesse momento, a balança comercial pesa a favor da Europa, que exporta mais do que importa. De que forma estas tarifas podem afetar os países europeus? 

É realmente um desafio para a Europa, especialmente neste momento, porque a Alemanha tem problemas políticos e económicos. Sem contar com o aumento do preço da energia nos últimos dois anos.

O mundo tornou-se dependente do fluxo de recursos. No entanto, acho que o problema da economia não é por causa deste fluxo. Por exemplo, as empresas nos Estados Unidos deveriam ter investido para serem os principais líderes globais na indústria da tecnologia. Contudo, não o fizeram.

Ainda podem, mas, apesar de serem empresas muito dominantes, estão no fundo, não só investindo nas suas empresas, mas também garantindo que os Estados Unidos possam investir na força de trabalho.

Em parte, é porque têm acesso a trabalhadores asiáticos qualificados, que recebem uma grande experiência de trabalho nos EUA. Isso é extremamente importante para as empresas de tecnologia. As pessoas que se identificam como asiáticos são cerca de 7% da população dos EUA, mas representam 40% a 45% dos profissionais das tech.

É imenso! 

Sim, é. A China é uma fonte importante, a Índia é uma fonte importante. Mas se os EUA fecharem as fronteiras à imigração, terá impacto no setor.

A Europa tem um problema que é uma excessiva regulamentação. Impede as empresas de evoluírem. Concorda? 

É o oposto dos Estados Unidos. O que é marcante na Europa é que, apesar de ter a União Europeia, os sistemas são muito diferentes. Mudam muito de um país para o outro.

Mesmo entre, digamos, Suécia e Dinamarca, são sistemas totalmente diferentes. Não sei sobre o espanhol e o português, mas imagino que também sejam bastante distintos.

Sim, todos os países são muito diferentes e há grandes discrepâncias entre o norte e o sul da Europa. 

É pena. As economias podiam ser mais bem geridas e, no entanto, estão em queda por causa da ganância e da legitimação do valor dos acionistas. Na Europa, há mais restrições.

Estive muito tempo no INSEAD, em França, nos anos 90, e notei isso em diferentes contextos. Trabalhei muito na Suécia, Noruega e noutros países. É mais restrito, mas quem tem dinheiro tenta sempre fazer mais dinheiro.

A Alemanha, uma das cinco maiores economias do mundo e a mais importante da Europa, enfrenta uma crise económica e política. De que forma afetará a União Europeia? 

A Alemanha e a União Europeia estão a enfrentar uma crise resultante de investimento insuficiente na revolução digital, um mundo em que a China está a emergir como a principal economia industrial e os Estados Unidos estão nas garras do sistema financeiro.

Para competir na economia global, a Alemanha e a Europa, de modo mais geral, precisam se comprometer com o que eu chamo de “criação de valor progressiva” numa série de indústrias-chave.

Segundo as suas pesquisas, a maioria das empresas não usa os lucros para financiar a inovação, mas sim para distribuir aos acionistas na forma de dividendos e recompra de ações. O que é mais importante: criar valor ou extraí-lo? 

Os agentes económicos só podem extrair valor se esse valor tiver sido gerado pela produção de bens e serviços, que as pessoas desejam ou precisam, a preços que estejam dispostas ou sejam capazes de pagar. A questão é se aqueles que extraem valor são os que contribuíram para a criação de valor.

A minha pesquisa revela que os acionistas pouco ou nada contribuem para a criação de valor. No entanto, especialmente nos Estados Unidos, os acionistas têm extraído uma parcela desproporcionalmente grande desse valor – o que eu chamo de “extração predatória de valor” –, deixando empregados e contribuintes com muito pouco.

Na sua opinião, os mercados financeiros frequentemente priorizam objetivos de curto prazo.  

Como referi, os acionistas usam as empresas para extrair valor, não para criar valor. Se a empresa inovar e recompensar as pessoas, o governo que apoia a sua inovação e, principalmente as pessoas que trabalham para si e outros, como fornecedores, ao invés dos acionistas, que deveriam ser os últimos, todos esses lucros, durante quatro ou cinco anos, não estão disponíveis para os investidores.

O mercado ações será mais reduzido. Mas isso é bom. Eu acho que se pagar melhor às pessoas, terão mais dinheiro e poderão entrar na bolsa, recebendo também dividendos. Isso é uma estratégia de longo prazo, porque não se está constantemente a transacionar ações.  

Então, a culpa é do sistema financeiro?  

Não só, mas também das próprias empresas. Os lucros resultam da produção de bens que queremos e precisamos. É, sobretudo, um problema de governança, eu diria, dessas empresas.

Há uma grande discrepância entre o rendimentos dos CEO das empresas cotadas em bolsa e dos funcionários, que tem vindo a acentuar-se nos últimos anos. É iníqua esta diferença? 

Bem, sim é muito grande, mas quase todos os números que lê estão errados, porque medem mal os rendimentos dos CEO. Por exemplo, se um executivo receber este ano stock options como prémio, ser-lhes-á atribuído um determinado valor. Mas este valor não é o que o CEO realmente recebe como pagamento.

Será pago quando o preço das stock options subir o suficiente para que se verifiquem os critérios definidos nos warrants. Portanto, a diferença entre o que os executivos realmente recebem, quando essas opções de pagamento são exercidas – é nesse momento que o dinheiro é taxado - e o valor inicial é enorme.

Vou dar um exemplo extremo. Em 2021, Elon Musk foi o CEO mais bem pago - 23,5 mil milhões de dólares – devido às stock options que recebeu em 2012. Naquela época, os 5% de stock options da Tesla que detinha valiam 78 milhões.

O New York Times, o Wall Street Journal, jornais progressistas, consideraram que o seu pagamento em 2021 foi zero, porque não recebeu stock options. Mas quando exerceu as stock options que tinha porque estavam a expirar, foi taxado sobre 23,5 mil milhões de dólares.

O objetivo das Stock Options é servirem de stock awards [prémio], incentivarem os executivos. Não é só a forma como são calculadas que está errada, mas há uma profunda ignorância nos Estados Unidos sobre o papel dos mercados financeiros no pagamento de incentivos aos CEO. É isso que eu critico.

Também é um grande crítico das stock buyback (recompra de ações pelas próprias empresas) Porquê? 

A recompra de ações realizada no mercado aberto é o principal modo de extração predatória de valor. Os acionistas recebem dividendos quando a empresa retém uma quantidade substancial de lucros.

A recompra de ações, ao aumentar o valor das ações existentes, beneficia principalmente os acionistas, incluindo os próprios executivos. As pessoas argumentam que o dinheiro vai para outra parte da economia.

Sim, vai! Torna os ricos ainda mais ricos. É o caso, por exemplo, de Warren Buffett, que todos já ouviram falar, e da sua empresa Berkshire Hathaway, que emprega quase 400 mil pessoas e tem cerca de 70 empresas sob a sua alçada. Ele fez imenso dinheiro em stock buyback.

Entre 2016 e 2022, investiu cerca de 39 bilhões de dólares na Apple. Isso é imenso dinheiro. Mas, mesmo depois de receber esse dinheiro de volta, ele fez um adicional de 158 mil milhões. Nenhum desse dinheiro foi para a Apple. Limitou-se a transacionar ações.

Este é, também, um exemplo extremo. Buffett não pretende adquirir empresas, talvez por causa da sua idade ou algo assim. Basicamente, as pessoas que estão a fazer dinheiro com dinheiro são as mesmas que se intitulam defensoras de impostos mais baixos.

Desde a década de 1980, executivos de empresas americanas defendem que, em prol da eficiência económica, uma empresa deve ser administrada de forma a “maximizar o valor dos acionistas”. Na sua perspetiva, o que há de errado com essa ideologia? 

O argumento de que uma empresa deve “maximizar o valor para os acionistas” pressupõe que são apenas os acionistas que assumem riscos ao fazer investimentos nas capacidades produtivas de uma empresa.

Na verdade, os acionistas assumem pouco ou nenhum risco porque, por regra, não investem na capacidade produtiva. Apenas compram, mantêm e vendem ações com liquidez no mercado.

Quando as famílias, como contribuintes, financiam o conhecimento e a infraestrutura que as empresas utilizam, elas correm o risco de não obter retorno se as empresas não gerarem lucros e pagarem impostos.

Quando os funcionários permitem que a empresa gere a próxima rodada de impostos inovadores, correm o risco de serem demitidos em vez de participar dos ganhos de valor por meio da continuidade do emprego.

Em suma, a ideologia do valor para o acionista baseia-se em suposições que não compreendem as características básicas do processo de criação de valor.

É hora de acabar com o culto do valor para o acionista? 

Sim.

O que um CEO como Tim Cook, por exemplo, faria com o dinheiro que suas empresas estão a lucrar? 

No caso da Apple, Tom Cook poderia ter investido numa fábrica de semicondutores em vez de terceirizar para a Samsung Electronics e depois para a TSMC.

Poderia também ter investido em baterias recarregáveis em vez de recorrer a empresas chinesas. A Apple poderia ter pago a sua quota-parte justa de impostos em vez de ter um departamento a trabalhar para encontrar formas de evitar impostos.

O que é mais importante: economia financeira ou produtiva? 

A economia produtiva precisa de financiamento para ser produtiva. O sistema financeiro precisa de uma economia produtiva para obter retornos sustentados sobre os investimentos financeiros.

Mas as empresas produtivas de sucesso têm as suas próprias fontes de financiamento comprometido na forma de lucros retidos – se não desperdiçarem o dinheiro em distribuição de dividendos aos acionistas. 

Entrevista de Myriam Gaspar

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