Em setembro de 1999, F.B. começou a dar aulas num agrupamento de escolas em Felgueiras, onde permaneceu até ao final de agosto de 2006. No ano letivo seguinte de 2006/2007, retomou a atividade letiva, celebrando contrato com duas escolas distintas. Numa iniciou aulas a 20 de setembro, noutra a 18 de outubro.
A professora, que sempre fizera contribuições para a Caixa Geral de Aposentações, foi inscrita, a partir de setembro de 2006, na Segurança Social. O agrupamento de escolas onde começou a lecionar entendeu que se aplicava a Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro, que introduziu uma distinção entre os funcionários públicos admitidos até 31 de dezembro de 2005 e os contratados após esta data, para efeitos de descontos para os sistemas de previdência.
Inconformada por ficar sob a alçada das regras da Segurança Social, a professora interpôs uma ação no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que reconheceu o seu direito a continuar inscrita na Caixa Geral de Aposentações. A sentença mencionava ainda que esse direito tinha efeitos retroativos. Ou seja, a professora deveria regressar à Caixa Geral de Aposentações a partir de 20 de setembro de 2006.
Não satisfeita com a decisão do tribunal, a Caixa Geral de Aposentações recorreu. Alegou que não era suficiente ter existido um vínculo à função pública antes de 31 de dezembro de 2005. “É necessário existir uma continuidade temporal entre vínculos com a administração pública!” Ou seja, a professora não deveria ter interrompido a carreira docente.
A professora contestou. Os hiatos temporais ocorridos entre os contratos não dependiam de si, pois resultavam do desequilíbrio entre o número de vagas e o número de candidatos nos concursos para professores. Isso levou a que não obtivesse colocação logo no primeiro dia do ano letivo, mas semanas depois. F.B. argumentou ainda que os concursos de recrutamento de docentes são da responsabilidade do ministério da Educação. Portanto, alheios à sua vontade.
Em fevereiro deste ano, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel confirmou a sentença do Tribunal do Porto. Este entendeu que era irrelevante ter havido interrupções temporais entre contratos, quer se tratasse de uma interrupção de dias ou anos do exercício de funções públicas docentes.
Neste mesmo mês, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel voltou a pronunciar-se a favor de P.M., outro professor, que deu aulas de 2004 até 2005, tendo voltado à docência no ano letivo de 2021/2022.
O Ministério Público recorreu da decisão, mas o Tribunal Constitucional proferiu um acordão, segundo o qual a Lei interpretativa que proíbe a reinscrição na Caixa Geral de Aposentações é inconstitucional. Trata-se, no seu entender, de "uma lesão arbitrária em direitos legais e legítimos titulados por particulares, lesiva do princípio da confiança e por isso proibida pelo princípio constitucional de Estado de Direito."
O Tribunal acrescenta ainda que a Lei n.º 45/2024 não é uma norma interpretativa, mas "um quadro normativo inovador", que agrava "fortemente os requisitos para a reinscrição de trabalhadores regressados ao serviço e reforçando de forma intensa os casos de sujeição ao regime comum da Segurança Social."
Jurisprudência a favor dos professores
Este é um diferendo que se prolonga há vários anos nos tribunais portugueses. Segundo a FENPROF, “entre decisões jurídicas e validação de reinscrições, foram acima de 12 000 os que regularizaram a situação, dos quais mais de 9000 são docentes.”
Sistematicamente, “a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a norma do n.º 2 do artº 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, apenas proíbe a inscrição de novos subscritores que, efetivamente, [começam] ex novo funções públicas”. De facto, “a interpretação seguida é a de que a norma em causa visa impedir a entrada de novos subscritores no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo”, esclarece o acordão de Penafiel.
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo já se havia pronunciado em 2014 e em 2020. A subscrição de um funcionário na CGA só pode se eliminada se cessar definitivamente o cargo ou função que tinha anteriormente a 2006. Não é o caso de muitos docentes inscritos na CGA antes desta data que voltaram a dar aulas.
Em resumo, as três instâncias judiciais administrativas têm-se pronunciado a favor dos professores.
Perante a avalanche de processos contra a CGA, foi aprovada, no ano passado, uma norma interpretativa. O objetivo desta norma é clarificar o n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, que estabelece mecanismos de convergência entre o regime de proteção social da função pública e o regime geral da segurança social, no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.
A Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro, abrange os subscritores que cessaram o seu vínculo na administração pública após 1 de janeiro de 2006 e que voltam a estabelecer novo vínculo de emprego público em condições que, antes da entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, conferiam direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações.
Esta norma interpretativa não se aplica, diz o diploma, aos funcionários que demonstrem que, apesar da cessação do vínculo de emprego público, constituem um novo vínculo de emprego público com a mesma ou com outra entidade pública, desde que:
- Não exista qualquer descontinuidade temporal; ou
- Existindo descontinuidade temporal, se comprove que tenha sido involuntária, limitada no tempo e justificada pelas especificidades próprias da carreira, e desde que o funcionário não tenha exercido atividade remunerada durante o período em que interrompeu o vínculo público.
Apesar desta lei interpretativa, várias decisões judiciais confirmaram, este ano, o direito de docentes a reinscreverem-se na CGA.
Ainda assim, para que não restassem dúvidas sobre a aplicação da lei interpretativa, a CGA emitiu, a 10 de fevereiro, o ofício-circular n.º 1/2025, com instruções para os serviços.
O ofício esclarece que é permitida a reinscrição dos funcionários que a tenham solicitado, mas cabe ao empregador, isto é, às escolas entregar o formulário CGA11. Além disso, a reinscrição após 28 de fevereiro de 2025 só tem efeitos a partir do dia 1 do mês seguinte à data de receção do pedido. Ou seja, só tem efeitos para o futuro e não efeitos retroativos.
De acordo com os sindicatos, este ofício impede a reinscrição na CGA de muitos docentes. Em outubro de 2024, a FENPROF havia apelado ao Presidente da República, ao Parlamento e à Provedoria da Justiça que pedissem a fiscalização preventiva da constitucionalidade da Lei nº 45/2024. Em fevereiro, insistiu junto do Provedor de Justiça.
O Acordão do Tribunal Constitucional não tem, por enquanto, força obrigatória geral. Para tal, será necessário que a norma ou interpretação seja julgada inconstitucional em três casos concretos. Esta foi a primeira decisão sobre a matéria, mas outros 12 casos aguardam desfecho, o que vem abrir portas para que a norma seja declarada inconstitucional. Qualquer funcionário público, que tenha saído depois de 2006 da Administração Pública e voltado antes de 27 de outubro de 2024, poderá, assim, reinscrever-se na Caixa Geral de Aposentações, não sendo obrigado a descontar para a Segurança Social.
Principais diferenças entre a Caixa Geral de Aposentações e a Segurança Social
Até 31 de dezembro de 2005, os funcionários da Administração Pública eram obrigatoriamente inscritos na Caixa Geral de Aposentações, permanecendo neste sistema até cessarem, a título definitivo, as funções. A partir de 1 de janeiro de 2006, os trabalhadores admitidos pelo Estado passaram a ser inscritos no regime geral da Segurança Social. A Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
O sistema atingiu uma situação de insustentabilidade que, segundo os líderes políticos, não podia continuar. Assim, criaram-se mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social.
Em dezembro de 2005, foram também revistos os regimes que consagravam certos direitos para alguns subscritores da CGA. Em causa estavam condições de atribuição e montante das prestações, bem como as regras de acesso à aposentação antecipada e a bonificação de tempo de serviço. O decreto-lei n.º 229/2005 não visava, explicava o seu preâmbulo, a igualização de todos os regimes, mas a sua harmonização, com um único objetivo: promover a sustentabilidade dos sistemas de previdência.
Por exemplo, foram revogadas várias normas de um diploma de 1990 (Decreto-Lei n.º 139-A/90) que concedia aos docentes que, no decurso do ano escolar não derem faltas, ainda que justificadas, fosse concedida uma bonificação anual de tempo de serviço de 30 dias, para efeitos de aposentação. No total, não podia ser superior a dois anos.
Também os docentes da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, em regime de monodocência, com, pelo menos, 55 anos de idade e 30 anos de serviço tinham direito à aposentação voluntária, com pensão por inteiro.
Neste momento, os educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência podem aposentar-se desde que tenham, pelo menos, 57 anos de idade e 34 anos de serviço. Por cada ano de serviço além dos 34 anos, a contagem da idade mínima para aposentação é bonificada em 6 meses, até ao máximo de 2 anos.
Como se pode concluir, os professores inscritos antes de 2006 tinham um regime de aposentação mais favorável através da CGA, regime esse que sofreu alterações e eliminou certas vantagens. Já os inscritos a partir de 2006 estão sujeitos às regras mais rigorosas da Segurança Social, com reformas geralmente mais tardias e menos vantajosas.
Os tribunais entendem, no entanto, que o objetivo do legislador, em 2005, “foi não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores.” A proposta de Lei nº 38/X, salientava que essa convergência não devia fazer-se, porém, “nem à custa do sacrifício das expectativas daqueles que, no quadro do regime actualmente em vigor, já reúnem condições para se aposentarem. Nem de rupturas fracturantes, optando-se antes por um modelo de transição gradual”.
Valor das quotas
O montante da quota mensal para a CGA corresponde a 11%, sendo 8% para aposentação e 3% para a pensão de sobrevivência. Incide sobre todas as retribuições, sejam fixas ou variáveis, permanentes ou acidentais. Se o subscritor acumular cargos, a quota é devida pelo cargo com remuneração mais alta. Já no regime de SS não há distinção. O desconto é 11% sobre a remuneração auferida pelo trabalhador.
A CGA prevê, ainda, que os subscritores cujas pensões são calculadas com base nas últimas remunerações mensais beneficiem de isenção de quotas sobre trabalho extraordinário, prémios por sugestões, senhas de presença e de subsídios de transporte, de renda de casa e outros de natureza semelhante.
Os trabalhadores que, por qualquer motivo, saiam da função pública, mantêm os direitos correspondentes aos períodos em que fizeram descontos para a CGA.
Período de garantia
O direito de aposentação na CGA requer um mínimo de 5 anos de serviço, ou 3, no caso de incapacidade absoluta geral. O período mínimo de garantia para que seja concedida a aposentação é de 15 anos, tal como na SS.
Contudo, há uma diferença entre os dois regimes no que respeita às normas sobre as carreiras muito longas. Na CGA, a idade pessoal de acesso à pensão de velhice reduz 7 meses por cada ano completo de serviço além de 40 anos, desde que tenha 60 ou mais anos. Na SS, a idade pessoal para ter direito à pensão é reduzida em apenas quatro meses por cada ano à medida que a carreira contributiva aumenta além dos 40 anos.
Cálculo da pensão
Para efeitos do cálculo da pensão de aposentação, a CGA considera oito grupos se subscritores (de A a H):
- Grupo A. Subscritores inscritos até 31 de agosto de 1993, com condições de aposentação até 31 de dezembro de 2005;
- Grupo B: Subscritores inscritos até 31 de agosto de 1993, com condições para aposentação entre 1 de janeiro de 2006 e 31 de dezembro de 2007;
- Grupo C: Subscritores inscritos até 31 de agosto de 1993, com condições de aposentação até 31 de dezembro de 2007;
- Grupo D: Subscritores inscritos entre 1 de setembro de 1993 e 31 de dezembro de 2005;
- Grupo E: Subscritores inscritos entre 1 de setembro de 1993 e 31 de dezembro de 2001 com condições para aposentação entre 1 de janeiro de 2006 e 31 de dezembro de 2007;
- Grupo F: Subscritores inscritos entre 1 de setembro de 1993 e 31 de dezembro de 2001 sem condições para aposentação até 31 de dezembro de 2007;
- Grupo G: Subscritores inscritos após 31 de dezembro de 2001, com condições para aposentação até 31 de dezembro de 2005 (salvaguarda de direitos de 2005) ou com condições para aposentação entre 31 de dezembro de 2006 e 31 de dezembro de 2007;
- Grupo H: Subscritores inscritos após 31 de dezembro de 2001 sem condições para aposentação até 31 de dezembro de 2007.
Na SS, o cálculo da pensão baseia-se na carreira contributiva:
- Inscritos antes de 1994: consideram-se os 10 melhores anos (não consecutivos);
- Inscritos depois de 1994: considera-se a média das remunerações.
Reforma antecipada
No que se refere à reforma antecipada, também, há diferenças. A CGA permite a aposentação aos funcionários dos grupos A, D e G que contam, pelo menos, com 36 anos de serviço em 31 de dezembro de 2005. A penalização é de 4,5% do valor da pensão por cada ano ou fração de antecipação em relação à idade legal.
Por exemplo, se lhe faltarem 3 anos e 1 dia para completar 66 anos e 7 meses, a penalização será correspondente a 4 anos (18% do valor da pensão). Se lhe faltar 1 dia para completar os 66 anos e 7 meses, a penalização será correspondente a 1 ano (4,5%).
Por cada 3 anos de tempo de serviço que excede os 36 anos é antecipado 1 ano de aposentação. Esta bonificação aplica-se aos subscritores dos grupos A, D e G que tenham a pensão calculada de acordo com as regras em vigor em 2005-12-31.
Os restantes subscritores não beneficiam de qualquer mecanismo de despenalização.
Aos funcionários dos grupos C, F e H que ainda não tenha atingido a idade de acesso à pensão é ainda aplicado o fator de sustentabilidade.
O regime da SS é menos favorável para quem pretende a reforma antecipada: 0,5% por cada ano de antecipação em relação à idade pessoal da reforma. Acresce ainda o fator de sustentabilidade.
Texto de Myriam Gaspar.
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