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Fusão da CPAS com a Segurança Social: o que pode mudar para os advogados?

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Muitos profissionais argumentam que a CPAS não tem a mesma diversidade de prestações familiares e sociais que a Segurança Social.

Publicado em: 30 setembro 2025
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Muitos profissionais argumentam que a CPAS não tem a mesma diversidade de prestações familiares e sociais que a Segurança Social.

Muitos advogados contestam a inscrição obrigatória na CPAS e defendem o direito de livre opção pela Segurança Social. Saiba o que está em causa.

Há cerca de um ano, foi criada uma comissão de avaliação para estudar o futuro da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Presidida pelo economista Carlos Tavares, a comissão deverá propor ao Governo e ao Parlamento modelos alternativos ao existente. A fusão da CPAS com a Segurança Social é um debate antigo, mas está de novo em cima da mesa.

Todos os advogados, solicitadores e agentes de execução que exerçam atividade são obrigados à inscrição na CPAS, exceto os advogados estagiários. No topo das dificuldades no exercício da profissão estão, precisamente, os custos com as contribuições para a CPAS. 

Segundo um inquérito publicado em abril, 52,5% dos inquiridos pela Ordem dos Advogados admitiram que têm muitas dificuldades em suportar os descontos. Há, por isso, um apoio crescente à transição para o regime da Segurança Social. Face a 2003, mais do que duplicou a percentagem de advogados que defende que a CPAS deveria acabar.

Em 2021, a Ordem dos Advogados já havia realizado um referendo para auscultar as preferências dos seus membros. Meses antes, houve uma votação semelhante para o fim da inscrição obrigatória na CPAS. Esta contestou, alegando que "o sistema propugnado não é possível ou viável, para além de ilegal e inconstitucional". Na altura, a direção liderada então por Carlos Pinto de Abreu defendia que os advogados deveriam “continuar a ter um sistema de previdência próprio.” 

O que é a CPAS?

A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) é um dos últimos sistemas contributivos de caráter privado que sobrevive financiado pelos seus beneficiários. Foi criada em 1947 com o fim de conceder pensões de reforma por invalidez ou por velhice aos seus beneficiários e subsídios por morte às respetivas famílias. Na altura, pretendia, também, assegurar a independência dos advogados que litigavam contra o Estado. 

CPAS ou Segurança Social: principais diferenças

Apesar do leque de benefícios atribuídos, muitos profissionais da área de Direito argumentam que a CPAS não tem a mesma diversidade de prestações familiares e sociais que a Segurança Social. É o caso de rendimento social de Inserção, abono de família e subsídio de desemprego. 

Reclamam também do baixo valor das pensões de reforma, das elevadas contribuições e de benefícios menores do que o esperado, sobretudo aos membros mais desfavorecidos, como ficou patente durante a pandemia. Neste período, advogados, solicitadores e agentes de execução não receberam qualquer tipo de apoio do Governo. 

Os profissionais, sobretudo os que trabalham individualmente ou em pequenos escritórios, queixam-se da obrigatoriedade de descontar para a CPAS mesmo que tenham rendimentos baixos. A contribuição é fixa, segundo escalões, e não depende do rendimento declarado à Autoridade Tributária. Há um escalão mínimo obrigatório - 5º escalão – que obriga a contribuir mensalmente com 288,65 euros para a CPAS. Na Segurança Social, a contribuição é baseada no rendimento, sendo a taxa contributiva para independentes de 21,4 por cento. Se não houver rendimentos, pode não haver obrigação de contribuição. 

A atribuição do subsídio de desemprego na Segurança Social, no caso dos profissionais liberais, depende, no entanto, de alguns requisitos. Por exemplo, a maior parte dos rendimentos tem de provir de uma única entidade (mais de 50% do valor anual), e a perda da atividade de trabalho tem de ter sido involuntária e não por iniciativa do próprio trabalhador.  

Nos últimos anos, as críticas subiram de tom, em especial por parte da anterior bastonária da Ordem dos Advogados. Para Fernanda de Almeida Pinheiro, o valor fixo de contribuição, independentemente dos rendimentos, é inconstitucional, por ferir o princípio da capacidade contributiva. Além disso, é da opinião que a CPAS “não cumpre os requisitos da Constituição” em matéria de assistência. 

Face às críticas da Ordem dos Advogados, a CPAS emitiu, em janeiro deste ano, um esclarecimento sobre “a campanha de desinformação” que leva “os beneficiários a não exercer e requerer plenamente os direitos que lhes são assegurados.”

Em entrevista à DECO PROteste Investe, o presidente da Caixa dos Advogados e Solicitadores, Victor Alves Coelho, defende a manutenção da CPAS: “O nosso sistema e o da Segurança Social são diferentes. Eu não posso dizer que o da CPAS é melhor do que a Segurança Social, assim como não aceito em termos de opinião pessoal que se diga que a Segurança Social é melhor que a CPAS. São diferentes e nós achamos que o nosso adapta-se às nossas profissões liberais. O Estado tem uma obrigação de solidariedade e de proteção aos mais desfavorecidos, que não se verifica num sistema como o nosso, que é fechado e que não tem ajudas e apoios do Orçamento do Estado.” 

Admite que antes de 2015, data da reforma do sistema, “a CPAS era o sistema de previdência, de concessão de pensões que era provavelmente o melhor do mundo. Concedia pensões que eram ótimas. As pessoas descontavam, contribuíam, não estavam preocupados com questões assistenciais e, quando chegavam à altura da reforma, pediam a sua reforma e ficavam contentíssimos. Todos os anos havia o costume de enviar um documento que tinha no seu verso uma simulação da carreira contributiva e a expectativa do que iam receber.” Com 60 anos de idade e 36 anos de contribuições era possível pedir a reforma. 

A evolução dos advogados e solicitadores sofreu, de facto, alterações significativas desde o início do novo milénio. Em 2001, havia um rácio de 17 660 beneficiários ativos para 1992 pensionistas. Em 2013, este equilíbrio alterou-se, passando a haver 28 730 beneficiários ativos e 4609 pensionistas. Ou seja, houve uma redução de contribuintes ativos e um aumento do número de pensões em pagamento, obrigando a um equilíbrio entre o esforço contributivo e o valor das reformas. 

O valor das contribuições efetuadas pelo pensionista era, em média, suficiente para financiar apenas dois a três anos da sua pensão. Uma pesada fatura para as gerações futuras de contribuintes ativos.

O aumento da esperança de vida e a sustentabilidade do sistema obrigaram, assim, a uma profunda reforma do sistema. Em 2012, foi aprovado a alteração do Regulamento das CPAS, que entrou em vigor em 1 de julho de 2015 (Decreto-Lei n.º 119/2015). O mesmo ano em que o regime da Segurança Social sofreu também mudanças significativas.

Foi eliminada a possibilidade de requerer o resgate das contribuições em caso de cancelamento da inscrição na CPAS, e a reforma passou a ser concedida apenas aos 65 anos. Todavia, o período mínimo de descontos reduziu de 15 para 10 anos. 

Por ser manifestamente insuficiente face ao valor das pensões e subsídios de invalidez atribuídos, houve ainda um aumento progressivo da taxa contributiva de 17% para 24% (aplicada a partir do ano de 2020, com um fator de correção de 8%) e o alargamento do leque de escalões contributivos. 

A modificação das regras de cálculo foi talvez a mais significativa. “A alteração da fórmula em 2015 levou a que todos aqueles que estavam já perto dos 50 anos de idade, mais coisa, menos coisa, fossem penalizados. As expectativas que, para a generalidade dos beneficiários, decorria do tal documento que recebiam todos os anos foram completamente fraudadas”, admite Victor Alves Coelho.

O descontentamento subiu de tom a partir daí.

Três cenários possíveis 

Em fevereiro deste ano, ficou concluída a auditoria da Inspeção-Geral de Finanças à CPAS para apurar o património, encargos e responsabilidades futuras com vista a uma de três soluções:

  1. A plena integração dos beneficiários da CPAS na segurança social;
  2. A criação de um regime optativo em que os beneficiários possam escolher entre a integração na segurança social ou na CPAS;
  3. A manutenção da CPAS, com melhoramentos decorrentes das possibilidades reveladas no relatório do grupo técnico que está a avaliar o sistema.

A hipótese de livre opção por um dos sistemas de previdência já foi recusada duas vezes pela Assembleia da República, em duas legislaturas. Encontra-se agendada nova votação de uma proposta de lei para discutir uma vez mais esta matéria.

De acordo com Victor Alves Coelho, a livre opção levanta problemas técnicos que não estão minimamente estudados. “Decorrem do facto de estarmos na presença de regimes de repartição, o que significa que as pensões (Velhice, Invalidez e Sobrevivência) são pagas com as contribuições dos beneficiários ativos.” 

Se, por hipótese teórica, deixassem de entrar novos beneficiários para a CPAS, esta deixaria de poder pagar as pensões, porque as contribuições deixariam de ser suficientes para o efeito, alerta.

O presidente da CPAS levanta ainda um conjunto de questões: “A livre opção seria apenas para aqueles que viessem a entrar para o sistema depois de a lei entrar em vigor, ou seria também para quem já está no sistema? Neste último caso, a opção seria definitiva? O beneficiário que optasse por mudar de regime começaria uma nova carreira contributiva? E as suas contribuições já tinham sido utilizadas para pagar pensões e não haveria uma sua conta para transferir? Nesse caso, iria ter direito a duas pensões, atribuídas por cada um dos regimes?”

Na sua opinião, “a concessão aos beneficiários da CPAS desse direito de opção entre o regime da CPAS e o regime dos trabalhadores independentes da Segurança Social deveria, em termos de reciprocidade e de igualdade, permitir o mesmo direito de opção aos trabalhadores independentes da Segurança Social.”

Em resumo, Victor Alves Coelho não acredita na fusão entre os dois sistemas porque pesaria nas contas do Estado: “O Governo teria de provisionar o valor das pensões em pagamento daqueles que estão reformados. Isto é, 1800 milhões de euros. Quanto às pensões em formação, o valor é de 6000 milhões. O nosso património é cerca de 600 milhões. Ou seja, o Estado teria de assumir nas contas do Estado um défice de 7200 milhões.”

Alguns escritórios grandes de advogados resistem igualmente à ideia de integração total e preferem manter o regime da CPAS, principalmente porque isso poderia levar a contribuições mais elevadas para quem ganha mais, dado que o regime geral da Segurança Social é redistributivo.

Embora reconheça problemas no regime da CPAS, o atual bastonário da Ordem dos Advogados não acredita que a integração total seja a melhor solução. João Massano prefere a reavaliação do sistema. “Não creio que a solução para os advogados seja a Segurança Social. Acredito que seja necessário outra solução. Não deve ser pior do que a Segurança Social, tem de ser melhor. Acho que uma reforma no sentido mutualista pode dar melhores condições”, assinalou numa entrevista ao Público, em julho.

Também nesse mês, o Tribunal Constitucional deu razão a uma advogada que propôs, em 2017, uma ação administrativa contra a CPAS por ter recusado calcular a contribuição mensal com base no rendimento efetivo. Pronunciando-se sobre o modelo de contribuição da CPAS, o Tribunal julgou inconstitucionais duas normas do regulamento da CPAS por violação do princípio da proporcionalidade. 

Apesar de a decisão do Tribunal Constitucional sobre este caso concreto ter sido baseada numa legislação que já não está em vigor desde 1 de janeiro de 2019, João Massano destaca que se houver três sentenças favoráveis a advogados proferidas pelo Tribunal, com base na lei atual, poderá ser criada uma jurisprudência. "O facto de a sentença não abrir precedentes em relação à CPAS, não significa que devemos preservar a forma como a Caixa existe. Devemos buscar um paradigma diferente."

Num comunicado publicado no final de julho, deixou claro que nem a Ordem dos Advogados nem o Bastonário têm competência para decidir unilateralmente sobre a integração da CPAS na Segurança Social — isso é da competência da Assembleia da República. “Enquanto o grupo de trabalho não chega a conclusões e a AR não toma a decisão definitiva, compete ao CG procurar encontrar formas de melhorar a previdência dos Advogados.” João Massano revelou que está em negociações com a CPAS para explorar soluções de melhoria. É o caso, por exemplo, da criação de um “escalão de salvaguarda” para quem, de forma comprovada e transitória, não consegue pagar o escalão mínimo contributivo.

A comissão de avaliação que está a estudar a fusão deveria ter terminado os seus trabalhos em julho. Aguardam-se as conclusões. 

Como preparar e complementar a reforma?

Tendo em consideração que as magras pensões, quer na SS, quer na CPAS, não satisfazem muitos profissionais, é essencial construir um complemento de reforma que permita manter o nível de vida desejado. 

Quanto mais cedo começar a poupar, mais beneficia do efeito dos juros compostos. Por exemplo, se começar aos 30 anos a investir 100 euros por mês terá, no fim da carreira, um montante muito superior do que se começar aos 45 anos e poupar 200 euros por mês.

No mercado, há uma grande diversidade de produtos disponíveis:

Todos proporcionam benefícios fiscais, o que os torna mais atrativos quando comparados com outros produtos.  

Texto de Myriam Gaspar

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