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‘Carry trade’ impacta bolsas

Publicado em:  26 agosto 2024
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Na recente turbulência dos mercados houve o denominado “carry trade”. Em que consiste? Porque é importante para os investidores globais?

O carry trade consiste em pedir emprestado a taxas de juro reduzidas e reinvestir o dinheiro noutros mercados onde os rendimentos (yields) são mais elevados, gerando assim um lucro considerável para os investidores. 

Com uma política de taxas nulas há décadas, o Japão sempre foi o mercado ideal para contrair empréstimos. No resto do mundo, mesmo depois dos cortes de juros após a crise financeira de 2008 e a pandemia, as taxas eram normalmente mais elevadas, pelo que o carry trade compensava. 

No entanto, com o disparo da inflação no período pós-covid, a maioria dos grandes bancos centrais aumentou drasticamente as taxas diretoras, num curto espaço de tempo. Um movimento que o Banco do Japão não seguiu e que, por isso, conduziu a um elevado diferencial de juros do Japão face ao Ocidente. Como resultado, o iene tornou-se ainda mais moeda de referência para o carry trade e uma enorme fonte de liquidez para os mercados financeiros.

Há alguns meses, era possível pedir emprestado em ienes a taxa zero, vendê-los imediatamente e investir em dívida norte-americana com um rendimento superior a 5% ou apostar nas bolsas. Além disso, quanto mais popular era o carry trade, mais o iene era vendido e se depreciava face ao dólar norte-americano, tornando a operação ainda mais atrativa. 

Surpresa monetária?

A 31 de julho, o Banco do Japão aumentou as taxas diretoras pela segunda vez em 17 anos, fixando-as em 0,25%. Só por isso, esta decisão não reduziria consideravelmente o apelo do carry trade pois o diferencial de juros ainda permanece elevado. Contudo, o governador do Banco do Japão declarou estar aberto a novas subidas de taxas.

Esta afirmação surpreendeu os investidores, que não esperavam uma política consistente de subida de taxas no Japão, e que seria diametralmente oposta à esperada política da Reserva Federal norte-americana. 

Esse cenário teria graves consequências para o carry trade e, por conseguinte, para os mercados financeiros. Por outras palavras, o anúncio de futuras subidas das taxas de juro pelo Banco do Japão lançou areia na engrenagem.

Por um lado, o diferencial de taxas diminuiria mais rapidamente do que o esperado, reduzindo a janela de oportunidade para o carry trade. Por outro lado, lançou as bases para uma apreciação do iene, o que significa que no futuro seriam necessários mais dólares ou euros para reembolsar o empréstimo inicial. O carry trade tornou-se, de um momento para o outro, menos rentável e mais arriscado. 

Impacto 

Perante a mudança das condições e os sinais de apreciação do iene, no início de agosto, os investidores apressaram-se a fechar as suas posições. Nas bolsas, implicou a venda de ações para obter dinheiro para pagar rapidamente os empréstimos em ienes. Estas movimentações foram amplificadas por terem ocorrido em pleno mês de agosto.

Devido às férias no hemisfério norte, este período do ano é marcado por volumes de transações reduzidos e pela ausência de muitos participantes, logo estes movimentos de venda foram mais do que suficientes para provocar fortes quedas das bolsas.

Numa única sessão, a 5 de agosto, o índice de referência da bolsa de Tóquio perdeu 12%, um desempenho comparável à segunda-feira negra que marcou o crash de outubro de 1987 (-14,9%). O índice Kospi da bolsa coreana perdeu 8%. Nos EUA e na Europa, os recuos foram menores, em torno de 2,5% a 3,5%. 

A situação não se agravou porque o Banco do Japão se apressou a clarificar as declarações. Em suma, assegurou que, no estado atual dos mercados, novas subidas das taxas diretoras não estavam previstas. A liquidez continuará abundante, graças a Tóquio, e o carry trade pode retomar o seu curso. Foi o suficiente para os mercados recuperarem de forma igualmente impressionante. 

Conclusão

Forte, mas passageira, a tempestade de agosto foi um alerta para os investidores. De facto, o carry trade não foi o único fator a espoletar a reação. Os dados do mercado de trabalho norte-americano têm sido menos favoráveis. Em julho, a criação de emprego diminuiu significativamente e a taxa de desemprego aumentou para 4,3%.

De repente, os investidores preocuparam-se com a possibilidade real de uma recessão económica nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a holding de Warren Buffett, Berkshire Hathaway, anunciou que tinha vendido quase metade da sua posição na Apple, isto é, mais de 75 mil milhões de dólares no segundo trimestre. Será que o oráculo de Omaha antecipa uma correção no mercado? 

Para já, os mercados acionistas continuam a apresentar boas valorizações em 2024. A expectativa de cortes das taxas diretoras, sobretudo, nos Estados Unidos e a euforia em torno da Inteligência Artificial têm sido os principais catalisadores.

Contudo, sem um bom dinamismo económico que permita um crescimento salutar dos resultados na maioria dos setores, o nível das valorizações estará sempre mais fragilizado. Diversifique a sua carteira! 

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