Como caracteriza o ano que está agora a finalizar?
Além da guerra, a subida do custo do dinheiro foi, em termos económicos, a tendência que marcou 2023. Após um longo período, de cerca de uma década, com taxas de juro próximas de zero por cento, houve uma mudança de ciclo. Na sequência da alteração das políticas monetárias dos bancos centrais das principais economias, a época do dinheiro barato terminou, e as taxas de juro subiram de forma significativa. Nos Estados Unidos, o movimento iniciou-se em março de 2022. Desde então, a taxa diretora subiu 525 pontos base para os 5,5 por cento. No Velho Continente, o Banco Central Europeu apenas começou a subir as taxas em julho de 2022. Desde essa data, aumentaram 450 pontos base para 4,5 por cento.
Recordo que, no final de 2022, reinava algum pessimismo em relação a 2023, havendo fortes receios de recessão. No final, e apesar da subida das taxas, a situação foi menos má do que o esperado. A maior surpresa veio dos Estados Unidos, onde foi evitada uma recessão, apesar do forte aumento da taxa de juros da Reserva Federal norte-americana. O presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, está no caminho certo para uma aterragem suave da economia do país. O consumo das famílias manteve-se dinâmico, ao longo do ano, graças ao pleno emprego, que conduziu a salários mais elevados. Depois de um crescimento de 1,9% em 2022, os EUA irão registar um crescimento de cerca de 2%, em 2023.
Na zona euro, apesar de a economia ter permanecido estagnada ao longo de 2023, a situação é, digamos, mista. A subida das taxas de juro, as dificuldades da China e as tensões internacionais estão, finalmente, a afetar as empresas europeias, cujas carteiras de encomendas estão perder o dinamismo do início do ano. Na reta final, a inflação diminuiu acentuadamente, embora ainda permaneça acima da meta de 2% do BCE.
É possível a inflação baixar até aos 2% ambicionados pelo BCE, sem que a Europa entre em recessão?
Após terem persistido durante muito tempo, as pressões inflacionistas diminuíram acentuadamente nos últimos meses. Nos Estados Unidos, a inflação fixou-se em 3,2% em outubro, metade comparativamente à do início do ano. Na zona euro, diminuiu substancialmente de 8,6% para 2,4 por cento. No nosso país, a média mensal está agora em 5,9%, muito abaixo dos 8,1% registados no ano passado. A queda dos preços da energia é a principal razão. O preço de referência do petróleo do Mar do Norte, que atingiu o pico em abril do ano passado (120 dólares), desceu agora para cerca de 80 dólares.
A descida da inflação deve-se ainda ao abrandamento da economia mundial, sobretudo, na zona euro, onde o consumo das famílias está a meio mastro. A fraca procura interna chinesa tem também implicações nos preços mundiais ao enfraquecer o preço das matérias-primas e incentivar a queda dos preços industriais.
Em resumo, a inflação continuará a descer em 2024, mas apenas se não deflagrarem mais acidentes graves ao nível da geopolítica. A subida das taxas de juro em 2023 está a ser gradualmente repercutida, tanto nos consumidores como nas empresas. O nosso cenário central para a zona euro é que o crescimento económico continuará próximo de zero nos próximos trimestres, ou haja mesmo uma ligeira recessão. A questão que se coloca é a intensidade e duração da mesma. Caso o PIB recue neste último trimestre como recuou no anterior, estaremos perante o que se designa de recessão técnica, ou seja, dois trimestres consecutivos de queda.
Para 2024, estimamos uma progressão muito ténue que não deverá exceder 1 por cento. Portanto, nada comparável à gravidade do que aconteceu em 2020, quando o PIB da zona euro caiu 8,3 por cento.
E as bolsas, como se comportaram em 2023?
Depois da queda de 2022, este ano foi bastante favorável para os mercados acionistas, que registaram ganhos significativos. Nos Estados Unidos, o S&P 500 valorizou, até ao dia 4 de dezembro, 17,5%, medidos em euros, enquanto o índice com maior peso tecnológico, o Nasdaq, ganhou 33,7 por cento. Na Europa, menos rica em tecnologia e mais forte em ações de bens de consumo e do setor financeiro, o Stoxx Europe 600 arrebatou um ganho de 9,6 por cento.
Por cá, o PSI ganhou 14,8% e superou os 11,2% do índice mundial. Já a China, destacou-se pela negativa, com uma queda de 12,6 por cento. Acusou a saída de muitos investidores ocidentais que não queriam correr mais riscos e, por isso, abandonaram as empresas chinesas. Em suma, o ano 2023 foi favorável para quem investiu em ações.
As taxas de juro permanecem altas. O que podemos esperar dos mercados, em 2024?
A evolução das taxas de juro, em ambos os lados do Atlântico, será central nos debates dos próximos meses. A nossa expectativa é que as taxas diretoras desçam em 2024. Será o ano em que deverá haver um primeiro corte pelos bancos centrais, para apoiar as economias. O cenário macroeconómico dos EUA continuará a dar sinais de abrandamento. Haverá uma desaceleração da economia, economia essa que ainda está em expansão graças aos gastos dos consumidores. Os salários continuam a subir ligeiramente e a inflação a descer, o que favorecerá o poder de compra das famílias.
O debate que vai monopolizar os observadores será o do timing da redução das taxas de juro pela Reserva Federal. Esperamos uma primeira descida no segundo semestre de 2024. Para já, os indicadores económicos que apontam para o abrandamento são bem recebidos pelos investidores. Isso permitirá que as taxas de longo prazo continuem a diminuir e os mercados bolsistas subam. No entanto, uma desaceleração económica mais brusca ou duradoura pode forçar as empresas a cortar as suas previsões de lucros para 2024 (ou mesmo 2025), o que seria punido pelos investidores. É provável que os mercados bolsistas sejam bastante voláteis a curto prazo.
Outros riscos estarão também presentes e não podemos descartar a possibilidade de um eventual agravamento das tensões geopolíticas, nomeadamente entre os Estados Unidos e a China, em torno da questão de Taiwan. A guerra na Ucrânia e o risco de escalada do conflito no Médio Oriente, que colocaria muita pressão no abastecimento de petróleo, poderia pôr em causa a descida da inflação e a inflexão da política monetária dos bancos centrais. Acresce ainda a incerteza em torno das eleições presidenciais americanas que ocorrerão em novembro de 2024.
Por sua vez, a China deve gerir o abrandamento da sua economia, mas continua com um crescimento mais vigoroso do que outras regiões. Mantém um bom potencial e aposta no crescimento a longo prazo (educação, I&D, etc.). Continua, porém, a ser prejudicada pela crise imobiliária.
Por outro lado, ao invés da globalização, assistiremos cada vez mais à tendência de fragmentação dos mercados com a preferência pela localização das unidades produtivas estratégicas mais perto dos grandes mercados de consumo. Por isso, o México continuará a beneficiar da sua proximidade com os EUA. O tema da transição energética manter-se-á presente, e essas empresas poderão usufruir da tendência de descida das taxas de juro.
A inteligência artificial progredirá, assim como a digitalização. Ações de tecnologia (ganhos futuros passam a ser descontados a uma taxa mais baixa) e ações cíclicas (antecipação da recuperação económica) podem beneficiar. Sugiro ver as recomendações no portal da PROTESTE INVESTE.
Em termos de ações, a nossa preferência vai mais para o mercado dos Estados Unidos. Apesar de ter uma valorização ligeiramente mais elevada do que o mercado de ações europeias - o rácio de cotação sobre o lucro esperado por ação ou PER é 19 versus 12 -, acreditamos que o seu potencial é maior. Tem uma forte presença nos setores mais dinâmicos, energia mais barata, etc.
Acredita que este aumento das taxas das obrigações é uma boa oportunidade para investir? São incontornáveis numa carteira equilibrada?
Depois de um longo período em que as taxas de juro estiveram muito baixas, próximas de zero e até negativas em termos reais, as taxas de juro subiram bastante e colocaram o rendimento das obrigações num nível muito atrativo. É o caso, por exemplo, das taxas de juro da dívida soberana dos Estados Unidos a 10 anos, que estão agora em torno de 4,3 por cento. Em outubro, chegaram a atingir os 5%, tornando mais atrativo este ativo considerado de refúgio. Uma diferença significativa comparativamente ao rendimento de 2,3% dos títulos de dívida soberana da zona euro. Embora esta disparidade deva atenuar ao longo do próximo ano, o retorno deveras atrativo não é o único trunfo, pois o dólar, moeda de referência global, deverá manter-se forte.
Na delicada situação económica e geopolítica que vivemos, a dívida soberana norte-americana é um porto seguro e um ativo incontornável que deve estar presente numa carteira de investimentos diversificada.
Numa perspetiva de médio e longo prazo, faz sentido apostar numa redução das taxas diretoras. Isto tem várias implicações para o investidor. Ao nível das obrigações, as taxas de juro já atingiram, provavelmente, um pico. Portanto, é um bom momento para adicioná-las a uma carteira de investimentos. As obrigações permitem atenuar o risco global de uma carteira de investimentos porque, em regra, os mercados obrigacionistas evoluem de forma diferente e até aos mercados acionistas. Estes mercados são concorrentes entre si para atraírem os investidores. Portanto, são incontornáveis.
Assim, na nossa estratégia equilibrada de fundos, dedicamos 50% às ações e s 50 % às obrigações. Os altos rendimentos das obrigações soberanas nos Estados Unidos e até na Europa tornam essa componente atrativa para a diversificação da carteira. O investidor pode complementar a carteira de fundos com ações individuais ou fundos temáticos, dependendo da direção que deseja tomar.
Entrevista de Myriam Gaspar.
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