Esta iniciativa surge após anos de experimentação da SWIFT com blockchain e tokenização, numa resposta estratégica às pressões crescentes de ativos digitais, particularmente stablecoins, que ameaçam tornar obsoletos os sistemas tradicionais de pagamentos transfronteiriços.
Parceria tecnológica e desenvolvimento
A SWIFT está a colaborar com um grupo de mais de 30 instituições financeiras para criar este novo livro-razão, que permitirá pagamentos internacionais ininterruptos, disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana. O desenvolvimento baseia-se num protótipo criado pela Consensys, empresa de desenvolvimento focada no ecossistema Ethereum.
A organização explicou que "o livro-razão estenderá a função de comunicação financeira da SWIFT para um ambiente digital, facilitando a movimentação de valor tokenizado regulamentado pelos bancos em ecossistemas digitais".
Funcionalidades e arquitetura técnica
O livro-razão foi concebido para atuar como um registo em tempo real de transações entre instituições financeiras. As suas principais capacidades incluem o registo, sequenciação e validação de transações, com a aplicação automática de regras através de contratos inteligentes.
Esta abordagem representa uma evolução significativa do atual modelo de mensagens da SWIFT, que coordena transferências mas não mantém um registo distribuído centralizado das operações. A integração de blockchain permitirá maior transparência, rastreabilidade e eficiência operacional nas transações internacionais.
Disponibilidade constante e impacto operacional
Uma das inovações mais relevantes é a capacidade de processamento ininterrupto. Ao contrário dos sistemas tradicionais que dependem de horários bancários e fusos horários, o novo livro-razão funcionará continuamente, eliminando atrasos causados por diferenças horárias entre mercados e reduzindo significativamente os tempos de liquidação.
Esta transformação responde a uma necessidade crescente do mercado global por liquidez instantânea e disponibilidade permanente, características que os sistemas de criptomoedas já oferecem há anos.
Contexto competitivo e ameaças ao modelo tradicional
A SWIFT enfrenta desafios crescentes de tecnologias descentralizadas. As stablecoins, em particular, têm sido apresentadas como alternativas viáveis aos sistemas de pagamento tradicionais, oferecendo transferências rápidas, custos reduzidos e disponibilidade permanente sem intermediários bancários tradicionais.
Reconhecendo esta ameaça existencial, a organização tem vindo a explorar ativamente a tecnologia blockchain e processos de tokenização nos últimos anos, procurando incorporar as vantagens dos ativos digitais enquanto mantém a conformidade regulamentar e a confiança institucional que caracterizam o seu modelo de negócio.
Tokenização e integração de ativos digitais regulamentados
A iniciativa não se limita a melhorar a infraestrutura de mensagens existente. A SWIFT está a posicionar-se para facilitar a circulação de "valor tokenizado regulamentado", permitindo que bancos e instituições financeiras tradicionais operem em ecossistemas digitais emergentes sem abandonar os quadros regulamentares estabelecidos.
Saiba mais sobre o regulamento da União Europeia MiCA.
Esta ponte entre finanças tradicionais (TradFi) e finanças descentralizadas (DeFi) poderá acelerar a adoção institucional de ativos digitais, mantendo os padrões de compliance e supervisão exigidos pelos reguladores globais.
Participação institucional e validação do mercado
O envolvimento de mais de 30 instituições financeiras no desenvolvimento demonstra interesse significativo do setor bancário tradicional em soluções híbridas que combinem eficiência tecnológica com conformidade regulamentar.
Esta colaboração sugere que os bancos reconhecem a inevitabilidade da transformação digital e preferem moldar essa evolução através de infraestruturas estabelecidas como a SWIFT, em vez de serem substituídos por alternativas descentralizadas.
Oportunidades, riscos e implicações futuras
Modernização infraestrutural: A adoção de blockchain pela SWIFT legitima a tecnologia no setor financeiro tradicional e pode acelerar investimentos institucionais em infraestrutura distribuída.
- Competitividade renovada: Ao incorporar capacidades de processamento contínuo e contratos inteligentes, a SWIFT procura manter relevância face a soluções cripto nativas.
- Custos e eficiência: A redução de intermediários através de validação automatizada por contratos inteligentes poderá diminuir custos operacionais e aumentar velocidade de liquidação.
- Desafios de interoperabilidade: A integração entre sistemas legados e nova infraestrutura blockchain apresenta complexidades técnicas significativas que poderão atrasar implementação completa.
- Resistência institucional: Bancos mais conservadores podem hesitar em adotar sistemas baseados em tecnologias originalmente associadas a criptomoedas não regulamentadas.
- Vantagem regulamentar: Ao contrário de soluções completamente descentralizadas, a abordagem da SWIFT mantém pontos de controlo que facilitam a supervisão regulamentar e cumprimento de normas anti-branqueamento de capitais.
O desenvolvimento de um livro-razão baseado em blockchain pela SWIFT marca uma viragem estratégica fundamental na evolução dos sistemas de pagamento internacionais.
Confrontada com a possibilidade real de obsolescência perante o avanço dos ativos digitais, a organização está a apostar numa transformação tecnológica que preserve a sua posição central na infraestrutura financeira global.
A iniciativa representa um reconhecimento explícito de que a tecnologia blockchain não é apenas uma tendência passageira, mas uma evolução inevitável na forma como o valor é transferido globalmente.
Ao incorporar esta tecnologia mantendo conformidade regulamentar e envolvimento institucional, a SWIFT procura oferecer o melhor de ambos os mundos: eficiência tecnológica das soluções cripto com segurança e supervisão das finanças tradicionais.
O sucesso desta transformação dependerá da capacidade da SWIFT em executar a integração técnica, convencer instituições conservadoras a adotar o novo sistema e demonstrar vantagens competitivas suficientes face a alternativas descentralizadas. A colaboração com a Consensys e o envolvimento de dezenas de instituições financeiras sugerem que existe apetite do mercado para esta evolução híbrida.
Nos próximos anos, a concretização deste projeto poderá redefinir o equilíbrio entre sistemas financeiros tradicionais e descentralizados, potencialmente criando uma terceira via que combine governação centralizada com infraestrutura distribuída — um modelo que poderá tornar-se padrão para a próxima geração de sistemas de pagamento global.
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