Vallourec inicia movimento de recuperação na bolsa
Publicado em: 09 setembro 2024Autor: Análise da equipa internacional de analistas da Euroconsumers
Autor: Análise da equipa internacional de analistas da Euroconsumers
Num passado já distante, a Vallourec chegou a ser uma ação muito popular. Contudo, a empresa atravessou um longo e difícil período, do qual só recentemente está a sair.
Com efeito, a ação enceta uma recuperação que poucos anteviam. Com uma nova administração, o regresso aos lucros e o controlo da dívida já foram alcançados.
A Vallourec é uma empresa francesa com presença comercial em mais de 20 países. Em 2023, alcançou um volume de negócios de 5,1 mil milhões de euros e conta com 15 mil colaboradores espalhados por 35 unidades de produção, situadas principalmente nas Américas e no hemisfério oriental, incluindo a Ásia. Mais de dois terços do volume de negócios são realizados no continente americano.
– Cerca de 93% do volume de negócios provém da atividade principal da Vallourec, a produção de tubos de aço sem costuras de soldagem. Estes produtos destinam-se a três grandes mercados: exploração e produção de hidrocarbonetos (82% das receitas da divisão), indústria (automóvel, construção, mecânica, etc.) e novas energias (hidrogénio, geotermia, captura de CO2).
– Os 7% restantes das receitas da Vallourec advêm da exploração de uma floresta de eucaliptos e de uma mina de ferro no Brasil.
Há cerca de 20 anos, a Vallourec beneficiou de um período favorável ao setor dos hidrocarbonetos.
Depois a empresa foi fortemente impactada pela crise financeira espoletada em 2008-2009. Com uma atividade muito cíclica, produtos de baixo valor acrescentado e unidades de produção maioritariamente na Europa, a Vallourec sofreu perdas recorrentes ao longo dos anos.
Ao mesmo tempo que suportava custos mais elevados, os seus clientes (as grandes petrolíferas) reduziram os investimentos, devido ao baixo preço do petróleo que se seguiu à crise. A administração mostrou-se hesitante e tomou medidas pouco ambiciosas (reduções progressivas de pessoal). Em 2020, a perda operacional atingiu mais de 1000 milhões de euros, colocando a empresa numa situação crítica, com o elevado nível de dívida a ameaçar a própria sobrevivência da Vallourec.
2021 marcou o resgate financeiro da Vallourec. Dois fundos especializados em reestruturações de empresas, a Apollo e o SVP Global, tornaram-se os principais acionistas, detendo juntos 40,8% do capital.
Parte da dívida (1,8 mil milhões de euros) foi convertida em capital próprio e, ao mesmo tempo, foi realizado um aumento de capital de 300 milhões de euros.
Em 2022, Philippe Guillemot, um engenheiro com uma vasta experiência em reestruturações industriais, assumiu o cargo de CEO da empresa. Com decisões rápidas e radicais, Guillemot procedeu à venda e encerramento de fábricas do grupo em França e na Alemanha, reduzindo significativamente a produção da Vallourec na Europa e redirecionando-a para o Brasil, Estados Unidos, Arábia Saudita e Ásia, as regiões próximas dos seus principais clientes.
Simultaneamente, a Vallourec abandonou a sua anterior estratégia baseada em volume, passando a focar-se mais em produtos de maior valor acrescentado, como aqueles que são utilizados pelas petrolíferas na exploração de campos de extração de hidrocarbonetos em condições extremas. Esta mudança permitiu aumentar a rentabilidade e também reduzir de uma forma significativa a elevada exposição da empresa aos ciclos económicos, reafirmando a sua posição de liderança no setor.
No final de 2022, já se observavam melhorias nos resultados apresentados pela empresa, mas os números de 2023 é que já mostram claramente os primeiros efeitos da transformação da Vallourec. Com efeito, no ano passado, os preços médios de venda da empresa aumentaram 20%, compensando a queda de 14% dos volumes vendidos, e o EBITDA aumentou 67%. Esta é uma melhoria muito importante e significativa dos resultados da Vallourec, que permitem antever um futuro promissor com um regresso sustentável aos lucros.
Atualmente, a sobrevivência da empresa deixou de estar em causa. O fundo SVP saiu do capital em 2022 e agora o Apollo está a vender a sua participação na Vallourec a 14,64 euros por ação à ArcelorMittal, que se torna o principal acionista, com 28,4% do capital.
No primeiro semestre de 2024, apesar da fraqueza do mercado norte-americano e dos custos de reestruturação, a Vallourec obteve um lucro por ação de 0,90 euros.
Estimamos um lucro por ação de 1,70 euros em 2024, 2,30 euros em 2025 e 2,70 euros em 2026. A liquidez gerada já permitiu reduzir a dívida líquida para metade em 2023, e o objetivo é eliminá-la completamente até 2025. Quanto ao dividendo, ausente desde 2014, poderá ser reintroduzido no exercício de 2024 (0,30 euros).
Num contexto de transição energética, será sensato basear o futuro da atividade na produção de tubos para o setor petrolífero e de gás? A resposta é afirmativa pelos vários motivos que passamos a explicar em seguida.
– Primeiro, e tendo ainda presente a atual conjuntura internacional, marcada pela guerra na Ucrânia e o conflito no Médio Oriente, a noção de transição energética deve ser relativizada. Atualmente, 80% da energia mundial ainda é de origem fóssil (50% em petróleo e gás), uma proporção elevada que se mantém relativamente estável há 25 anos. As energias renováveis, apesar do rápido crescimento, ainda não conseguem reduzir esse peso, já que a procura de energia continua a aumentar (crescimento demográfico, maior procura dos países emergentes, e novos usos intensivos em energia, como a inteligência artificial).
– Em segundo lugar, se a indústria petrolífera e de gás não investisse na manutenção dos seus meios de produção, iria perder 4% da capacidade de produção por cada ano, o que seria impensável. Além disso, novos locais de extração de hidrocarbonetos em águas muito profundas tornaram-se tecnicamente viáveis em boas condições ambientais, o que permitiu à Vallourec, que é especialista nesse domínio, assinar contratos muito lucrativos com a TotalEnergies, a Exxon Mobil e a Wintershall Dea.
– Por último, a Vallourec já conseguiu introduzir no seu perfil alguma diversificação das suas atividades. Além dos investimentos em indústrias fora do setor energético, o grupo está também a investir na transição energética (hidrogénio, energia geotérmica, captura de CO2). Um exemplo notável é o recente sucesso tecnológico do armazenamento vertical de hidrogénio (sistema Delphy). Até 2030, o objetivo da empresa é que estas novas energias representem entre 10% e 15% do EBITDA.
Investir numa empresa que está a sair de uma crise existencial é sempre arriscado. Por um lado, os resultados da reestruturação, em termos de volume de negócios e de lucros, podem demorar a aparecer. Por outro, a bolsa tende a reagir de forma excessivamente entusiástica. Modificar profundamente a cultura de uma organização é sempre arriscado, mas a Vallourec tem os seus trunfos e algumas das suas características são bastante interessantes.
– As medidas enérgicas implementadas afastaram o perigo de falência e também já produziram resultados concretos, nomeadamente bons sinais de sustentabilidade.
– Os investimentos nas “energias futuras” têm potencial para atrair jovens quadros e engenheiros talentosos.
– O mercado não está ainda demasiado otimista. A cotação atual é apenas cerca de 6 vezes o lucro por ação esperado para 2025 (2,30 euros). Apesar do caráter cíclico das atividades, agora atenuado, o baixo nível da cotação funcionará como amortecedor em caso de uma recessão económica mundial que possa afetar o setor energético (pouco provável).
– Esperamos uma melhoria nos resultados da Vallourec que poderá ser tão evidente que a ação volte a atrair a atenção dos investidores. Além disso, não se pode excluir a possibilidade que a ArcelorMittal, o novo acionista de referência, venha a lançar uma oferta de compra sobre a Vallourec. E com ela uma possível boa valorização do título face à sua cotação atual. Recomendamos a compra mas apenas para quem aceite um nível de risco mais elevado.