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- Valores refúgio: o que são e como investir

Jorge
Duarte
Analista financeiro independente registado na CMVM.
Licenciado em Economia pelo ISEG.
Membro da Ordem dos Economistas.

Em colaboração
com:
Euroconsumers
Valores refúgio: o que são e como investir
Há um mês - 3 de maio de 2022
Jorge
Duarte
Analista financeiro independente registado na CMVM.
Licenciado em Economia pelo ISEG.
Membro da Ordem dos Economistas.

Em colaboração
com:
Euroconsumers
Quando ocorre um evento inesperado, muitos investidores cedem ao sentimento de pânico, desencadeando fluxos de capital (previsíveis). Nesse caso, retiram o dinheiro dos ativos de maior risco, nomeadamente das ações e das obrigações de empresas menos sólidas, canalizando-o para investimentos considerados seguros.
É caso do ouro e dos títulos de dívida soberana de “maior qualidade” e denominados em moedas de referência. Tipicamente, o dólar norte-americano e o iene japonês são as divisas preferidas, à frente do euro e do franco suíço.
Regista-se igualmente que, em caso de crise, certos setores registam quedas em bolsa inferiores à média. Tradicionalmente, são os setores mais cruciais para uma “vida normal” e também conhecidos por defensivos por serem menos sensíveis à conjuntura económica: saúde, utilities (serviços públicos: água e energia), telecomunicações e alimentação.
O quadro seguinte mostra o desempenho de alguns tradicionais valores refúgio, durante o primeiro mês, após o espoletar da pandemia do coronavírus no Ocidente e o início da guerra na Ucrânia.
Este período de tempo permite captar o choque inicial dos investidores até poderem começar a digerir mais racionalmente as consequências reais da crise. Sob este prisma, como se pode ver no quadro, os refúgios não protegem totalmente de todas as tempestades. E nem sempre são um refúgio. É o caso do iene na recente crise, pois está a ser penalizado por outros fatores (diferencial crescente das taxas de juros face ao dólar). Também o setor alimentar está a ser atingido pelos aumentos nos mercados das matérias-primas e a ressaca da pandemia.
Acima de tudo, investir em alguns portos seguros serve para limitar os estragos globais.
Crises e “cisnes negros”
Na linguagem económica, o termo "cisne negro" é usado para descrever um acontecimento imprevisível e raro mas com consequências de grande alcance.
Ao ser totalmente imprevisível, não é incorporado nas previsões dos modelos económicos. O "cisne negro" até pode, muitas vezes, ser explicado logicamente a posteriori e, de facto, poderia ter sido antecipado. Mas depois do leite derramado, essa constatação serve de muito pouco.
Na quadro seguinte encontra alguns cisnes negros que tiveram um impacto considerável e por vezes prolongado nos mercados financeiros.
A designação de cisne negro também pode não ser consensual. Os atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos, o acidente nuclear de Fukushima, no Japão e a covid-19 foram, de facto, imprevisíveis e externos aos mercados financeiros. Ao invés, a bolha das dotcom e do subprime foram geradas pelos próprios mercados.
Seja como for, os cisnes negros estão a tornar-se menos raros.
Os investidores preferem lidar com certezas pelo que dispensariam de bom grado os cisnes negros.
Infelizmente, nos últimos anos, foram brindados com mais. Ainda não estavam completamente livres do coronavírus quando surge a guerra na Ucrânia.
Vencedores e vencidos
Quando uma crise atinge os mercados financeiros, não demora muito para que os fluxos de capitais convirjam rapidamente para portos seguros. A duração deste fenómeno é incerta e depende das condições do mercado.
Mas cada crise é diferente para os mercados financeiros. Não existem semelhanças entre as causas e as consequências da crise financeira de 2008 e, por exemplo, o impacto do atual conflito militar na Ucrânia.
E os vários valores de refúgio têm características intrínsecas diferentes. As obrigações soberanas em dólares serão sempre um baluarte mais sólido do que as ações defensivas. Estas últimas permitirão, à partida, apenas sofrer menos do que a média dos mercados.
Os setores mais bem sucedidos de hoje são a Defesa e a Energia (petróleo). No entanto, estiveram entre os que mais ficaram para trás durante a pandemia. As ações de tecnologia, recorde-se, reinaram durante a pandemia. Agora, o seu desempenho em bolsa tem estado aquém da média.
Na prática e além dos “cisnes negros”
Nas últimas semanas, os mercados registaram uma ligeira recuperação mas os problemas não estão resolvidos. Pelo contrário. Uma escalada na guerra na Ucrânia, distúrbios sociais causados pelos elevados preços da energia e dos alimentos em alguns países, uma nova onda de contágios de covid (como se assiste na China, perturbando as cadeias de abastecimento), uma queda nos lucros das empresas, entre outros, tudo pode desestabilizar seriamente a confiança dos investidores... e reanimar a procura por refúgios seguros tradicionais.
Já para não falar dos riscos previsíveis. Embora não seja o cenário que estimamos ser o mais provável, podemos assistir a uma situação de estagflação: forte e duradouro aumento da inflação associado à recessão das economias no ocidente e, em particular, na Europa.
Cada carteira deve ter uma componente de refúgio mesmo sem contar com os “cisnes negros”. O peso ideal dependerá da sensibilidade ao risco. Quanto mais quiser evitar oscilações no valor do património, maior deverá ser o peso da componente defensiva. No entanto, é preciso estar consciente que essa opção retira algum potencial de valorização a longo prazo. É o preço a pagar por jogar mais pelo seguro.
- Nas carteiras de fundos incluímos 5% de obrigações em dólares e 10% em títulos denominados em ienes. No total pesam cerca de 15% nas três carteiras de investimento (defensiva, equilibrada e agressiva). Embora tenham, de momento, o mesmo peso nos 3 perfis é preciso ter em conta que se enquadram com outros ativos pelo que a sua influência é diferente. Por exemplo, na agressiva contrastam com a aposta de 70% em ações, enquanto na defensiva têm de amortecer uma componente acionista de apenas 25%.
- Também pode dar um caráter mais defensivo a uma carteira de ações. As ações defensivas caracterizam-se por se focarem em setores menos sensíveis às crises conjunturais (alimentação, utilities, saúde). Outras destacam-se por apresentar um histórico de resultados bons e regulares (ex: Microsoft nas tecnológicas) e outras por terem uma atividade previsível devido a contratos públicos de longa duração (Defesa).
- Por fim, o ouro é a opção tradicional para enfrentar crises e o disparo da inflação. Como referimos com frequência, deve evitar comprar diretamente ouro físico porque os custos de transação são muito pesados e corroem possíveis ganhos. A melhor via é investir através de um ETF, a menos que preveja um conflito militar global e o colapso completo das economias… Aconselhamos um máximo de 5% a 10% da carteira alocada ao ouro. Mais do que isso implica prescindir em demasia do potencial de valorização de outros ativos.
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