Iniciada nos Estados Unidos pela falência do Silicon Valley Bank, e as preocupações com bancos regionais norte-americanos, a nova crise bancária atravessou rapidamente o Atlântico. Na Europa, atingiu o Credit Suisse, uma instituição com mais de 160 anos. É certo que o banco suíço nunca tinha recuperado verdadeiramente da crise financeira de 2008-2009 e esteve envolvido em vários escândalos nos últimos anos, mas continuava a ser um dos gigantes da banca europeia.
Com o seu resgate, as autoridades helvéticas esperam restaurar a confiança no setor, cujos problemas penalizam os mercados financeiros. Um objetivo atingido no imediato, mas a incerteza permanece no espírito dos investidores.
Obrigações pagam o resgate
Um dos aspetos mais surpreendentes do resgate (ou aquisição) do Credit Suisse pelo UBS, o rival de longa data, foi a repartição das perdas. Os acionistas do Credit disseram adeus a cerca de 3 mil milhões de euros, mas os detentores de obrigações do tipo AT-1 do Credit perderam tudo, num total de cerca de 16 mil milhões de euros.
Os títulos de dívida AT-1 têm características especiais. Emitidos pelos bancos para reforçar o capital, desaparecem automaticamente quando os rácios de capitalização estão sob forte pressão. Para compensar este risco acrescido, oferecem uma taxa de juro mais elevada do que a chamada dívida sénior, mais segura.
A priori, a dívida é considerada menos arriscada do que as ações. Em caso de problema grave, primeiro “sofrem” os acionistas e só depois os detentores da dívida, seja ela qual for.
Esta lógica foi invertida pelas autoridades suíças, que correm o risco de serem confrontadas com ações coletivas por parte dos detentores deste tipo de dívida. Aliás, a inversão da hierarquia de risco é problemática para todo o setor bancário, que utiliza frequentemente obrigações AT-1 para reforçar o capital. Este mercado, que vale cerca de 240 mil milhões de euros, ficou sob forte pressão, com os investidores a aperceberem-se que os ativos que detêm são, em última análise, mais arriscados do que pensavam.
Numa tentativa de tranquilizar os mercados, o Banco Central Europeu anunciou que, na zona euro, essa “nova” hierarquia não seria aplicada num resgate. Porém, o precedente suíço coloca em causa um dos canais de financiamento dos bancos europeus e contribui para o nervosismo em todo o setor.
Subida das taxas cria mais riscos
Embora o tratamento das obrigações AT-1 seja problemático, o maior risco para o setor bancário advém da subida das taxas de juro. Uma vez que os bancos, que são obrigados a deter ativos considerados seguros, possuem uma grande quantidade de dívida soberana. Uma componente cujo valor tem sofrido com as políticas dos bancos centrais.
Perante a inflação, os bancos centrais tiveram de aumentar drasticamente as taxas diretoras, o que teve um impacto muito significativo nas yields das obrigações.
Automaticamente juros mais altos traduzem-se em perdas significativas no valor das carteiras de obrigações dos bancos. Desde o início de 2021, a dívida soberana europeia com prazos de 7-10 anos perdeu cerca de 18% do seu valor. Em prazos superiores a 10 anos, as perdas aproximam-se dos 30%.
Assim, os bancos estão com enormes perdas potenciais nas carteiras obrigacionistas. À partida não é problemático para os resultados porque esses ativos são mantidos numa lógica de preço-to-maturity, ou seja, assumindo que são mantidos até ao vencimento (reembolsados pelo valor nominal e não pela cotação) e continuarão a gerar cupões (pagar juros) até essa data.
No entanto, quando os bancos ficam sem liquidez têm de vender esses ativos e assumir imediatamente as perdas. Se forem elevadas, podem forçar a aumentos de capital, um sinal claro de fraqueza aos olhos dos investidores. Foi o que aconteceu ao SVB e que acabou por provocar as intervenções das autoridades.
Há receios de que outros bancos caminhem para o mesmo destino porque, além da continuação das taxas diretoras em níveis elevados, os bancos centrais estão a sair do mercado da dívida. Ao deixarem de intervir, há uma menor procura destes ativos e caberá a outros financiar a dívida soberana, elevando as taxas de juro. E quanto mais elevadas forem as taxas, maiores serão as perdas nas obrigações detidas nas carteiras para negociação dos bancos.
Ainda mais porque grande parte das compras foram realizadas quando as taxas de juro eram muito mais baixas ou mesmo negativas.
Em suma, taxas de juro persistentemente elevadas causam uma forte pressão sobre o setor e, quanto mais tempo esta situação se prolongar, maiores são as hipóteses de alguns intervenientes falharem. É por isso que se receiam crises de confiança e corridas aos bancos. Para evitar esse cenário, as autoridades continuam a repetir que o sistema está bem capitalizado, muito mais seguro do que durante a crise financeira de 2008-2009 e que a liquidez continua a ser injetada.
Bancos centrais também são afetados
Embora os bancos comerciais sejam os mais atingidos por estes riscos, uma vez que têm depositantes para tranquilizar, outras instituições são também vítimas de perdas significativas nas carteiras de obrigações. Entre elas, seguradoras e fundos de pensões, mas também bancos centrais.
Desde 2015, o Bundesbank comprou cerca de 1 bilião de euros de dívida soberana, principalmente alemã, um ativo considerado o suprassumo da segurança. Mas, com a subida das taxas de juro, sofreu, em 2022, a primeira perda desde 1979.
E é apenas o começo: na próxima década, as perdas na carteira de obrigações poderão aproximar-se dos 200 mil milhões, enquanto os lucros obtidos na última década (e pagos ao Estado alemão) foram de 22 mil milhões.
O Bundesbank está enfraquecido e está longe de ser um caso isolado. Em toda a Europa, os bancos centrais são afetados por este mesmo fenómeno. É, portanto, o grande pilar do sistema financeiro que está sob pressão.
Perante esta realidade, a turbulência no setor bancário não terminou e as elevadas taxas de juro são um verdadeiro teste de stress para o setor. Em alguns casos, irão revelar fragilidades escondidas em balanços de enorme complexidade. Por isso, a correção nas cotações não é uma oportunidade de compra e não alteramos os conselhos na nossa seleção de bancos e seguradoras europeias.
Aposta diversificada
A crise financeira de 2008-2009 provou que qualquer banco pode falhar e os respetivos acionistas perderem tudo, mas os Estados não olham a meios para garantir a sustentabilidade global do setor.
E sabem que quanto mais cedo intervierem mais rápido evitam uma crise. Os riscos não podem ser ignorados e a volatilidade irá permanecer, mas o nível mais elevado dos juros traz grandes vantagens para as margens financeiras dos bancos mais sólidos e rendimentos mais consistentes para as carteiras das seguradoras.
Não recomendamos novos investimentos, mas se já tem, pode manter os ETF do setor.
Xtrackers MSCI World Financials UCITS ETF 1C
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