Os dividendos e as compras de ações próprias baseiam-se na mesma lógica. Trata-se de uma decisão “orçamental”. É melhor usar os lucros para reduzir a dívida? Investir na atividade? Ou devolver dinheiro aos acionistas? Na maioria das vezes é uma combinação das três, em proporções diferentes.
A rápida recuperação das bolsas após o choque inicial da pandemia levou as empresas a devolver rapidamente dinheiro aos acionistas. Além de generosos dividendos decidiram realizar colossais compras de ações próprias (1,31 biliões de dólares em 2022).
Dada a crise sanitária e social da altura, esta prática foi bastante polémica e levou os governos de países como os Estados Unidos e a França a anunciarem medidas para tributar mais este expediente.
Dinheiro que sai da empresa
Quando um dividendo é distribuído, a cotação, na ausência de outras notícias, diminui pelo valor desse dividendo porque o dinheiro sai dos “cofres” da empresa. Esta fica mais pobre e o acionista não fica mais rico. Por exemplo, para uma ação cotada a 100 euros, o acionista recebe um dividendo de 3 euros (sobre o qual pagará imposto) e continuará a deter a ação, mas agora cotada a 97 euros.
A compra de ações próprias, a menos que seja utilizada para distribuir ações a trabalhadores, implica que a empresa “destrói” as ações adquiridas e reduz o número total de ações em circulação.
Os acionistas que venderam as ações nesta ocasião encaixaram todo o dinheiro distribuído. E os que não venderam, partilham agora, através das suas participações, uma parte maior de um bolo idêntico. Ou quase… pois quando compra as suas próprias ações, a empresa gasta recursos que não poderá encaminhar para desenvolver a atividade. No final, o bolo não é bem do mesmo tamanho…
Sinais positivos
Então, dividendos e compras de ações não teriam utilidade? Nem por isso. O facto de uma empresa devolver dinheiro aos acionistas é visto, quase sempre, como um sinal positivo e suporta a cotação. Um dividendo elevado reforça a credibilidade dos resultados publicados. E se aumenta de forma constante é considerado um sinal de confiança no futuro.
Quanto às compras de ações próprias, são interpretadas como um sinal de que a ação está barata. No entanto, se excessivas, podem ser feitas em detrimento do investimento ou servir de expediente para aumentar o lucro por ação no curto prazo e o cálculo do bónus da administração...
Petrolíferas generosas e caso português
Nos últimos dois anos, o setor petrolífero tem sido muito generoso. Aproveitando o aumento dos preços dos hidrocarbonetos, as empresas encaminharam muito do dinheiro gerado para os acionistas. Desta forma, também revelam que preferem devolver dinheiro aos acionistas, em vez de embarcar em mais projetos de exploração, às vezes com rentabilidade muito incerta.
Os investidores permanecem atentos. No início de maio, a cotação da BP foi castigada pelo anúncio da redução da quantidade de compras de ações próprias (perspetivas mais incertas para o preço do barril). Por outro lado, os aumentos das operações impulsionaram a cotação da Exxon e da Chevron.
Entre as empresas nacionais, esta prática começa também a ser mais usada, embora não possam deter mais de 10% do seu capital social. Foi o caso da Novabase que chegou a lançar uma oferta pública de compra sobre os seus títulos com a subsequente redução de capital.
Que futuro?
Independentemente da polémica, as empresas são livres de aplicar os seus lucros. Em última análise, os acionistas só ficam realmente mais ricos se as empresas investirem de forma sensata e não desperdiçarem recursos em projetos não rentáveis. E o dinheiro devolvido pelas empresas aos acionistas, de uma forma ou de outra, regressa à economia, ao consumo e ao investimento.
A verdade é que um abrandamento da compra de ações não virá da polémica, mas de outras fontes. Os gigantes como a Apple e a Microsoft ainda dispõem de enormes quantidades de dinheiro e devem continuar a distribuí-lo, mas não surpreenderia se mais empresas de média dimensão desacelerassem as compras de ações próprias devido ao aumento do custo do crédito e do risco de recessão económica.
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