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André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.
Auxílio financeiro salva obrigações TAP?
Há 2 anos - 2 de julho de 2020
André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.

A maioria da frota da TAP está em terra devido à pandemia.
Os meios de comunicação social dão conta hoje (2 de julho) que estará terminado o braço de ferro entre o Governo e os acionistas privados quanto ao auxílio financeiro à TAP. O empresário David Neeleman sai da Atlantic Gateway, o consórcio criado com o empresário português Humberto Pedrosa (grupo Barraqueiro).
Recordemos o que estava em causa. Após a aprovação pela Comissão Europeia da intervenção do Estado na TAP, faltava a aprovação do conselho de administração da empresa. Contudo, ao que se sabe, David Neeleman não terá concordado com as condições propostas. Os pontos da discórdia seriam os empréstimos feitos pelos sócios privados à TAP desde a privatização (cerca de 217 milhões de euros), que o Estado pretendia que fossem convertidos em ações da transportadora aérea. Além disso, existia também um empréstimo de 90 milhões de euros da Azul (detida por Neeleman). Perante a resposta negativa do acionista privado, o Governo ameaçava com a nacionalização da companhia aérea, um cenário que poderia ter consequências imprevisíveis.
De acordo com informação veiculada pelos meios de comunicação social, David Neeleman sairá da Atlantic Gateway, vendendo a sua posição, abrindo assim caminho a um acordo.
Contudo, o nosso conselho não se altera, pois este acordo apenas recoloca a situação no ponto em que estava a 10 de junho, quando a Comissão Europeia deu o OK ao empréstimo do Estado . Pelo contrário, este “calafrio” que os investidores sentiram (as obrigações recuaram até 84% do valor nominal, a 23 de junho) apenas realça os riscos de deter estas obrigações.
A TAP reportou um prejuízo de 395 milhões de euros nos primeiros três meses do ano, e certamente que o segundo trimestre será ainda pior, dada a paralisia das operações. Parece-nos possível que novas injeções de capital sejam necessárias no futuro próximo. Apesar do compromisso político demonstrado pelo atual governo para com a TAP, voltamos a perguntar: será que o governo continuará disponível e com capacidade financeira para continuar a apoiar a TAP, no contexto recessionário que se avizinha, de uma forma que não belisque os obrigacionistas?
Consideramos melhor não arriscar. As obrigações recuperaram ao longo da semana e, no momento em que escrevemos, cotam a 92% do valor nominal na Euronext, o que implica uma perda de 8% para quem subscreveu na oferta pública. É uma perda ainda considerável, num contexto em que a situação da TAP parece (temporariamente) estabilizada. Mas esteja atento à evolução e caso seja possível vender mais perto do valor nominal (95% ou mais), o melhor será aproveitar para sair do investimento sem grandes perdas.
Auxílio da TAP tem luz verde da Comissão Europeia
A TAP havia anunciado, no passado dia 10 de junho, que a Comissão Europeia tinha aprovado o auxílio do Estado português à TAP SGPS, considerando que seria compatível com as regras europeias sobre concorrência e auxílios dos Estados. O pedido do governo português previa que o auxílio fosse concedido sob a forma de um empréstimo que poderia chegar a 1,2 mil milhões de euros, para satisfazer necessidades de liquidez imediatas. No entanto, os detalhes das condições do acordo não são públicas.
O passo seguinte seria a aprovação pelas administrações do grupo, processo que esbarrou no desacordo entre os acionistas privados e o governo. Após o empréstimo, a TAP terá seis meses para reembolsar o empréstimo (o que é praticamente impossível) ou apresentar um plano de viabilidade a longo prazo.
É um desenvolvimento muito significativo para quem possui as obrigações TAP com reembolso em 2023 (ISIN PTTAPBOM0007). Recordamos que não recomendámos o investimento nestes títulos.
Obrigações recuperam 30% em bolsa
Em março, no pico dos receios sobre os efeitos da pandemia em termos sanitários e também económicos, as obrigações da TAP caíram a pique em bolsa, tendo atingido o seu mínimo de 68% do valor nominal a 17 de março, na Euronext Lisboa (contudo, muita negociação de obrigações decorre fora de bolsa).
É de recordar que as obrigações são cotadas em percentagem do seu valor nominal (o valor sobre o qual são calculados os juros e que será reembolsado, regra geral). O preço de 68%, por exemplo, significa que podia comprar 1000 euros de obrigações (em valor nominal) por 680 euros.
Não desapareceu todo o risco
Quando analisámos as emissões de obrigações da TAP, frisámos a “péssima situação financeira” da transportadora aérea, que a deixava vulnerável a uma crise económica. Por ironia do destino, a crise originada pela pandemia do coronavírus atingiu em cheio o setor do transporte aéreo. Temos poucas dúvidas que, sem o auxílio financeiro do Estado, a insolvência seria praticamente inevitável.
Os obrigacionistas podem respirar de alívio, mas será que o risco de incumprimento nas obrigações está agora totalmente afastado? Consideramos que não.
Por um lado, não são conhecidos ainda os termos da ajuda estatal. As declarações dos responsáveis políticos, nomeadamente o Ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos e do Primeiro Ministro António Costa, sugerem que impor perdas aos obrigacionistas não está em cima da mesa, mas o empréstimo do Estado representa um considerável aumento da dívida da empresa (no final de 2019, os empréstimos da empresa, deduzidos da liquidez em caixa, eram de 932 milhões de euros; se considerarmos também as locações – aeronaves, sobretudo – o endividamento sobe para 3,2 mil milhões de euros). E é possível que o acordo imponha condições desvantajosas para os obrigacionistas, como o empréstimo do Estado ter prioridade no reembolso em relação à restante dívida.
Por outro, e mais importante, esta ajuda permitirá à TAP fazer face às suas necessidades de liquidez a curto prazo, mas está longe de resolver todos os problemas da companhia aérea. Em 2019, a TAP apresentou algumas melhorias do ponto de vista operacional, com o EBITDAR (EBITDA acrescido das rendas relativas às aeronaves) a mais que duplicar face a 2018. Mas, sobretudo devido ao acréscimo de custos financeiros e renovação da frota, os prejuízos aumentaram de 58 para 95 milhões de euros. Infelizmente, a TAP realizou um forte investimento de expansão mesmo antes da maior crise do setor das últimas décadas.
2020 será um ano excecionalmente difícil, obviamente. Mas será que de 2021 em diante, teremos “business as usual”? Temos sérias dúvidas. Mesmo supondo uma recuperação da economia, há diversos fatores que podem manter o tráfego aéreo baixo e manter a TAP sobre pressão financeira. Desde logo, o risco de as limitações ao transporte aéreo se prolongarem mais do que o previsto. Mesmo que os voos possam realizar-se sem limitações de capacidade, os receios de novos surtos e os incómodos das medidas de segurança adicionais poderão dissuadir alguns turistas, enquanto as empresas poderão reduzir os seus orçamentos para viagens, após a vulgarização das reuniões à distância dos últimos meses. Este último ponto é muito importante pois a classe Executiva é tipicamente mais rentável.
Em suma, o setor está em grande crise e embora muitas companhias aéreas possam não sobreviver, ainda assim, a oferta continuará claramente excedentária face à procura nos tempos mais próximos. Estará o Estado disponível para novas injeções de capital nos próximos anos? Terá capacidade para isso?
Esta recuperação é uma excelente ocasião para vender os títulos, ou pelo menos reduzir a sua posição, com perdas mínimas se vender próximo do valor nominal. Um investimento em obrigações high yield / alto risco em regra não deve representar mais de 5% da sua carteira. No caso da TAP aconselhamos fortemente a respeitar esse limite. E investidores que não tolerem o risco elevado devem mesmo considerar a possibilidade de alienar completamente o investimento.
Para quem não detém os títulos, recomendamos que se mantenha afastado, a ligeira desvalorização não compensa o risco.
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