Análise

Porto SAD quer suspender reembolso de obrigações

Publicado em:  14 maio 2020
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Autor:  André Gouveia, CFA

A FC Porto SAD convocou uma assembleia de obrigacionistas para adiar por 12 meses o reembolso das suas obrigações com data prevista para 9 de junho. Saiba o que fazer.

A pandemia do novo coronavírus afeta toda a economia, mas o desporto está a ser um dos setores mais prejudicados. Competições suspensas, estádios vazios e agora operadores de televisão a suspender pagamento dos direitos de transmissão, estão a deixar os clubes de futebol profissional à mingua de receitas.

Infelizmente, a situação financeira da maioria das SAD já não era boa antes da crise. Muito endividadas, dependiam da venda regular de jogadores para equilibrar as contas. Temos sempre alertado para esta incapacidade para enfrentar uma crise, portanto é com uma sensação de quase inevitabilidade que vemos surgir esta proposta da FC Porto SAD para adiar um ano, para 9 de junho de 2021, o reembolso das suas obrigações de código ISIN PTFCPJOM0003. O clube assegura, contudo, que continuará a pagar os juros durante esse período (a taxa de cupão mantém-se em 3,1% líquidos), e a proposta inclui uma opção de reembolso antecipado por parte da SAD, que se compromete a usá-la se as condições assim o permitirem.

À data de emissão desta obrigação da FCP SAD, em maio de 2017, já não recomendámos a subscrição devido à situação financeira difícil do clube "azul e branco", que agora se agravou.

Situação financeira difícil mesmo sem pandemia

Nas contas semestrais, reportadas a 31 de dezembro de 2019 (o exercício encerra a 30 de junho), o panorama era mau: prejuízos elevados (52 milhões de euros) e capitais próprios profundamente no vermelho (-145 milhões de euros, eram -63 milhões aquando da emissão em 2017) que tornam irrelevantes os rácios de endividamento. 

O resultado operacional semestral foi negativo, pois sofreu um grande impacto pela ausência da Liga dos Campeões e pela inexistência de mais-valias significativas na alienação de jogadores. Logo, as operações não geraram liquidez para cobrir as despesas operacionais, quanto mais para cobrir os encargos da dívida. 

Recorde-se que estes valores não refletem nenhum impacto relacionado com o coronavírus. Em resumo, a FC Porto SAD estava cada vez mais dependente da venda de jogadores para a sua sobrevivência.

O que votar?

Os obrigacionistas estão perante uma escolha pouco invejável. A SAD tem a reembolsar 35 milhões de euros em obrigações, mas no início do ano dispunha apenas de 15 milhões de euros em caixa, sofreu grandes quebras nas receitas, não realizou grandes vendas de jogadores (e no atual contexto dificilmente o conseguirá no próximo mês), assim como terá dificuldades em obter financiamentos alternativos.

Se os obrigacionistas recusarem esta proposta, há o risco sério de um default, e aí as consequências serão bem piores do que prolongar o investimento 12 meses, à mesma taxa.

Em nossa opinião, aceitar a proposta é o mal menor pois maximiza a possibilidade de receber o capital investido por inteiro. E dado a maioria dos obrigacionistas ser provavelmente simpatizante do clube, tenderá a fazer pesar a balança no sentido da aprovação da proposta.

Vender ou manter as obrigações?

Os investidores mais otimistas podem considerar que, esperando-se que as competições sejam retomadas nas próximas semanas, a normalidade será retomada e portanto não há razão para mais preocupações. Mas a debilidade das contas da SAD deixam-na exposta a inúmeros ameaças que podem surgir. Novos surtos da pandemia podem obrigar a interromper novamente as competições. Os problemas financeiros dos clubes europeus (e o adiamento do Europeu de futebol) podem limitar as possibilidades de vender jogadores e os montantes envolvidos. O próprio modelo que as SAD têm vindo a seguir, de emitir continuamente novas obrigações para financiar as que se vencem, está também colocado em causa.

Se não seguiu o nosso conselho de se manter afastado desta obrigação, o mal já está feito. Ao tentar vender as obrigações a todo o custo, arrisca-se a perder capital. Desde que representem apenas uma pequena parte da sua carteira, o melhor será manter os títulos para evitar perdas.

Na Euronext Lisboa, a cotação não evidencia uma situação de stress, rondando os 96% do valor de reembolso. Vender a esta cotação representaria uma perda de 4% para quem foi à subscrição, acrescida da comissão de venda.
Portanto, se o valor é significativo para si e/ou necessita do capital, tem aparentemente a possibilidade de reduzir o seu investimento com perdas mínimas. 

No entanto, e ao contrário do que estamos habituados nas ações das principais cotadas, estas cotações não são necessariamente representativas do que pode obter se tentar vender, especialmente se for um lote grande. Nas últimas 10 sessões de abril, em média não se chegou às 3 transações por dia e o volume médio também foi inferior a 1000 euros. 

A estratégia que recomendamos para este último caso é colocar uma ordem com limite de preço ligeiramente abaixo do valor nominal. Quanto mais baixo maior será a perda, mas mais provável será conseguir vender. Não recomendamos uma ordem ao melhor, dada a pouca liquidez e o contexto a cotação pode cair bruscamente e arrisca-se a grandes perdas.

CMVM recomenda assembleias à distância

Alguns dos nossos subscritores questionaram o facto de ser necessário votar previamente à data da Assembleia, inutilizando a interação entre os vários obrigacionistas e entre estes e o emitente, na Assembleia.

No entanto, é um facto que, dada a pandemia que atravessamos, é a própria CMVM que aponta as assembleias não presenciais como uma “solução altamente recomendável e aquela que, de entre as possibilidades disponíveis, assegura uma maior compatibilização dos interesses em apreço.” Sobre o voto por correspondência, recomenda ainda a CMVM “o exercício do direito de voto […] por correspondência eletrónica, evitando os riscos de contágio e os possíveis atrasos inerentes à comunicação postal.”

Perante o argumento do risco de saúde, bem como tendo presentes as recomendações do regulador, é difícil argumentar contra os moldes em que a assembleia é convocada.

Poderia apontar-se o dedo aos prazos, mas verificamos que a convocatória e as propostas para a assembleia foram divulgadas com mais de 15 dias úteis de antecedência face à data em que se realizará a mesma.

Com a colaboração de Magda Moura Canas.

 

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