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André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.
Portugal é paraíso fiscal para as criptomoedas
Há um ano - 2 de fevereiro de 2022
André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.

Portugal e Malta são os únicos países europeus onde é claro que os ganhos com vendas de criptomoedas não são taxados.
No início de dezembro de 2021, Changpeng Zhao, CEO da Binance, uma das maiores corretoras cripto, assumiu, numa entrevista, que “as políticas fiscais de Portugal são amigáveis”, prometendo novidades para breve. Não é caso para menos. Ao contrário de outros países que já aprovaram regimes fiscais para os ativos virtuais, Portugal é presença assídua nas listas dos “paraísos fiscais” cripto.
Este vazio fiscal encanta Changpeng Zhao. Neste momento, ao que nos foi possível apurar, Portugal e Malta são os únicos países europeus onde é claro que os ganhos com vendas de criptomoedas não são taxados, havendo um conjunto de outros países em que a tributação pode ser nula.
Por exemplo, aplicando regras gerais do código fiscal, a Alemanha isenta de ganhos se os ativos forem detidos por mais de 12 meses. De facto, a tendência a nível global é caminhar para a tributação.
Fisco ignora criptomoedas
Apesar de já decorridos vários anos, e com a evolução que ocorreu no setor das criptomoedas, a posição da Autoridade Tributária não se alterou desde 2016, ano em que uma informação vinculativa esclareceu que os rendimentos com criptomoedas não podem ser caracterizados como mais-valias (acréscimos patrimoniais), nem como rendimentos de capitais.
Assim sendo, não são tributáveis face ao ordenamento fiscal português, exceto se “pela sua habitualidade constitua uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte, caso em que será tributado na categoria B”.
Pareceres contraditórios
Não obstante o que publicou e o que referimos, é sabido que a Autoridade Tributária emitiu já no passado pareceres contraditórios, ainda que não tenham tido caráter oficial ou vinculativo. Isto sugere que não existe consenso no Fisco num assunto tão particular como o dos criptoativos.
Recomendamos, por isso, que mantenha um registo das transações efetuadas. Quanto mais não seja pelo risco de poder entrar nas chamadas “manifestações de fortuna” e ter de explicar à Autoridade Tributária a proveniência do dinheiro.
Atividade profissional
Podem surgir dúvidas quando a transação de criptoativos constitui uma atividade profissional ou empresarial, sendo por essa via sujeita a tributação. Um dos principais critérios usados pelo Fisco é o caráter regular das transações que faz. Se a atividade não tem caráter recorrente, com elevada probabilidade o contribuinte não tem de se preocupar com esse cenário.
No entanto, o seguro morreu de velho. São vários os critérios empregues, pelo que determinar se estes rendimentos têm caráter profissional ou empresarial só é possível no contexto de toda a atividade profissional (e pessoal) do contribuinte.
Exigimos tratamento igual
Desde 2018, temos defendido a tributação dos ganhos com criptomoedas, à semelhança do que acontece com praticamente todos os ativos. Contudo, com a Autoridade Tributária a entender que não são tributáveis no atual enquadramento fiscal, será necessário aguardar pela formação de novo governo para perceber quais as intenções nesta matéria.
Devemos esclarecer um equívoco que alguns proponentes das criptomoedas têm avançado (ironicamente, de forma similar à indústria financeira tradicional): ser um paraíso fiscal é apoiar a inovação nesta área.
Consideramos este argumento falacioso a vários níveis. Desde logo, como vimos, quem se dedicar profissionalmente a atividades com criptomoedas não está isento de tributação em Portugal. Quem, de facto, vier para Portugal criar empresas e desenvolver atividades relacionadas com blockchain será tributado, ao contrário de quem simplesmente adquire e vende algumas criptomoedas.
Depois, temos a constatação básica de que, à volta do mundo e ao longo da história, os pequenos países que se tornaram paraísos fiscais não se transformaram mais tarde em centros financeiros. Mesmo nos raros casos que poderiam ser apresentados como exceções, por exemplo a Suíça, verificamos que sempre existiu uma indústria financeira sofisticada, o que não é manifestamente o caso português, quer na vertente financeira, quer tecnológica.
Finalmente, lembrar que a blockchain é uma tecnologia de que as criptomoedas são apenas uma aplicação (ainda que importante), e isentar de impostos os lucros de quem especula sobre criptomoedas não terá assim tanto impacto na atração de empresas e desenvolvimento na blockchain.
Há quem defenda a situação atual com o argumento de ser uma espécie de “visto gold” numa versão cripto, ao atrair investidores endinheirados. Consideramos que isso não é defensável e até mesmo a própria prática dos vistos gold tem os seus problemas, uma discussão que ultrapassa o âmbito deste artigo, mas que merece, e deve, ter discussão pública.
Produtos financeiros sobre criptoativos
- Nos últimos meses, surgiram no mercado produtos financeiros que facilitam o investimento em criptomoedas, como ETF sobre bitcoin cotados em mercados de primeira linha. A fiscalidades dos ETF é semelhante à das ações. As vendas devem ser obrigatoriamente declaradas no anexo J da declaração Modelo 3 do IRS (não existem ainda ETF ou fundos nacionais sobre criptomoedas). O saldo das mais-valias que eventualmente venha a existir no cômputo do ano será tributado à taxa autónoma de 28%, a menos que o investidor opte pelo englobamento.
- Há também CFD sobre criptomoedas em diversos intermediários financeiros, como a XTB ou Banco Carregosa. Estes oferecem a possibilidade de apostar tanto na queda como na subida dos criptoativos. Contudo, convém não esquecer que os CFD são produtos em que os investidores tendem a assumir riscos demasiado elevados. Isso é ainda mais verdade no caso dos CFD sobre criptomoedas. O tratamento fiscal dos CFD é análogo ao dos ETF: devem ser declarados no mesmo anexo, aplicando-se a taxa autónoma de 28 por cento. O código, porém, é diferente: produtos financeiros derivados.
Em conclusão, independentemente dos méritos e desvantagens enquanto veículos de investimento, do ponto de vista fiscal estão em desvantagem quando comparados ao investimento direto, pois são tributados como produtos financeiros sobre outros ativos.
Por surpreendente que possa parecer, existem alguns precedentes para esta situação, como o tratamento fiscal do ouro, em que as mais-valias não estão sujeitas a imposto, mas o mesmo não acontece nos produtos financeiros que têm o ouro como referência.
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