Temos sido contactados, ao longo dos últimos anos, por dezenas de investidores que não sabem o que fazer com as ações do BES e do Banif. Aconselhámos os lesados a procurar fazer uma venda fora da bolsa (por exemplo, passar as ações para um amigo que já tivesse uma carteira de títulos), ou a transferir os títulos para um intermediário financeiro, que não cobrasse custos pela custódia.
Porém, esta solução não está isenta de percalços ou de custos. Após analisar os preçários de 16 intermediários financeiros, concluímos que os encargos pela transferência de uma carteira só com uma espécie de títulos variam, na maioria dos casos, entre 25 e 31 euros. Ainda que não seja gratuita, esta é uma opção claramente mais vantajosa do que suportar custos de custódia de títulos durante anos.
BES e Banif: cronologia de uma queda
A 1 de agosto de 2014, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) suspendeu as ações do BES após caírem quase 50%, para um mínimo histórico de 10 cêntimos. No dia anterior, tinham fechado a perder 42%, na sequência da apresentação dos resultados semestrais: o banco tivera um prejuízo de 3577 milhões de euros. Fora também anunciado mais um aumento de capital, mas ainda não se sabia se teria o aval do Banco de Portugal.
A queda na bolsa acentuou-se, porém, depois de o Goldman Sachs anunciar a redução da sua participação no banco português, que adquirira há menos de duas semanas e fizera disparar as ações cerca de 20 por cento. A incerteza em torno do futuro do BES fez o colosso norte-americano recuar, deixando os investidores nervosos. O pânico instalou-se na bolsa.
Era a quarta vez, desde maio, que a CMVM suspendia a negociação. A 3 de agosto, o Banco de Portugal anunciou a resolução ao BES, e, no dia seguinte, a CMVM comprometeu-se a levantar a suspensão logo que houvesse informação suficiente. Isso nunca aconteceu.
Nos meses seguintes, prorrogou-a sucessivamente, excluindo definitivamente os títulos de negociação a 1 de fevereiro de 2016, pouco mais de um mês após o Banco de Portugal anunciar o início do processo judicial de liquidação do BES.
Os acionistas do antigo Banco Espírito Santo são um grupo numeroso, mas não estão sozinhos. A 17 de dezembro de 2015, foi a vez de as ações do Banif serem suspensas na Euronext Lisbon. A 4 de janeiro de 2016, o regulador deliberou a exclusão da negociação. Apesar de estas ações não estarem cotadas e estarem desprovidas de valor comercial, milhares de acionistas continuam a suportar custos com a guarda de títulos e encargos associados à conta à ordem, que podem ultrapassar dezenas de euros por ano.
Segundo o nosso estudo anual, os intermediários financeiros cobram, em média, uma custódia de 32,60 euros por ano. Contudo, nos intermediários e canais menos competitivos, os valores podem ultrapassar os 100 euros, de acordo com dados da própria CMVM.
Custos da custódia e da transferência de ações
Banco | Custos anuais com guarda de títulos (€) | Custos de transferência (€) | Aceita receber transferência de ações? |
ActivoBank | 24,60 | 25 | sim |
Banco BPI | isento para as ações do BES e do Banif | 25 | sim |
Banco Carregosa | isento (serviço GoBulling Pro) | 25 (isento protocolo Proteste Investe) | análise caso a caso |
Banco Invest | 59,04 | 20 | sim |
BBVA | 24,60 | 13 | sim |
Best | 29,52 | 30 | sim |
BIG Online | isento para as ações do BES e do Banif | 25 | não |
Caixa Geral de Depósitos | 46,74 (carteiras acima de 500 euros) | isenção no caso de empresas insolventes, falidas ou extintas | análise caso a caso |
Crédito Agrícola | isenção decidida caso a caso | 20 | sim |
Millennium BCP | 29,52 | 25 | não respondeu |
Montepio | isento | 25 | sim |
Novo Banco | 49,20 (isento para ações do BES) | 25 | não |
Santander Totta | 46,74 | 26,84 | não respondeu |
Obstáculos inesperados
Alguns intermediários financeiros com a custódia de títulos do BES têm, porém, avançado com argumentos de ordem técnica para não atenderem aos pedidos de transferência de títulos.
José Ferreira, por exemplo, deparou-se com dificuldades inesperadas na Caixa Geral de Depósitos, quando tentou transferir duas centenas de títulos do Espírito Santo Financial Group para o Best, onde já tinha uma carteira de ações pela qual estava isento da guarda de títulos. “Pedi autorização à Caixa Geral de Depósitos, preenchi os respetivos formulários quando fui confrontado com a impossibilidade de efetuar a operação de transferência”, recorda.
O banco alegou que, “devido a limitações do mercado, não seria possível transacionar os títulos entre centrais diferentes. Ou seja, a Caixa tem os fundos na central depositária Clearstream e o Banco Best pretende que a transferência seja feita pela Euroclear”. Até que ponto este argumento é inultrapassável? Existem mecanismos que possibilitam transações entre clientes das duas centrais custodiantes referidas. Questionámos a CGD, mas não obtivemos resposta.
Maria Antónia Goes não tem ações do Espírito Santo Financial Group, mas um lote de mil títulos do BES de que não se consegue desfazer. “Esta semana, tive de pagar mais uma comissão de 48 euros. Não me importo de doar as ações a quem quer que seja.” Recentemente, escreveu uma carta à comissão liquidatária do BES a sugerir a doação dos títulos, mas ainda não obteve resposta.
Comissões liquidatárias de mãos atadas
A PROTESTE INVESTE tentou indagar junto das comissões liquidatárias dos dois bancos se aceitam a doação de ações pelos detentores dos títulos, que estão disponíveis a cedê-las gratuitamente. Apenas a do Banif acedeu responder.
Apesar de considerar ser uma situação “muito penalizadora” para os acionistas terem de manter os valores nas suas carteiras de títulos junto de uma instituição de crédito que lhes cobra uma comissão, há “problemas legais e fiscais complexos que parecem desaconselhar a sua adoção”. De facto, a doação a título gratuito implica,
segundo a lei, o pagamento de imposto de selo por quem recebe as ações.
A comissão liquidatária alega, corretamente, que o seu dever consiste em “administrar o património do devedor de forma a garantir a maior recuperação dos créditos”. Não a defesa dos acionistas. Ao aceitar as ações, poderia ter de assumir custos que seriam repercutidos na esfera dos credores. Estes custos “extravasam o objeto estrito da liquidação (por se destinarem a proteger exclusivamente os interesses dos acionistas)”, justifica.
Esta sugere, no entanto, uma alternativa “que se poderia apresentar talvez como mais interessante”: transmitir as ações a favor da ALBOA, a associação de lesados do banco. Segundo a comissão, esta é uma “entidade na qual certamente os titulares de valores mobiliários do Banif confiam”.
Num tal cenário, as várias ações seriam agregadas numa única conta de custódia, sendo o custo associado ao seu registo muitíssimo inferior à soma dos custos individualmente incorridos atualmente por cada acionista. Esta solução permitiria “uma grande poupança aos acionistas”.
Questionado pela PROTESTE INVESTE, o presidente da ALBOA, Jacinto Silva, considera a sugestão da comissão “pertinente”. E acrescenta: “A questão não me parece desajustada e será colocada na próxima reunião de direção. Haverá uma resposta tão cedo quanto possível.” Independentemente desta opção, a comissão acredita que o desenlace do problema “terá de passar muito possivelmente por uma alteração legislativa que atenda à situação em que ficam os titulares de ações de entidades emitentes que sejam declaradas insolventes e bem assim aos interesses dos credores”. Até lá, continuará a “analisar a possibilidade de uma solução que seja jurídica e financeiramente aceitável” para os titulares de ações do Banif.”
Também a CMVM diz estar “atenta e a analisar possíveis soluções.” Mas até ao momento não avançou com nenhuma. Enquanto isso não acontece, José Ferreira continuará, como tantos outros acionistas, a pagar 52,85 euros de três em três meses. “São custos incompreensíveis. O que me irrita é não haver uma solução para ações que não têm valor”, conclui.
Para a PROTESTE INVESTE, o dever das comissões é salvaguardar o interesse dos credores, não o dos acionistas. Cabe ao legislador atuar e remover estes obstáculos. É da mais elementar justiça que seja encontrada uma solução, sobretudo para os pequenos acionistas lesados. Já questionámos a CMVM sobre esta questão. Aguardamos resposta.
Texto de Myriam Gaspar e Filipa Rendo
Dossiê técnico: André Gouveia