A queda das cotações dos grandes grupos elétricos europeus foi difícil de digerir, tendo sido particularmente acentuada entre 2008 e o primeiro semestre de 2012. Aquando da crise financeira, agravada pelo fraco crescimento económico registado na Europa, os investidores mostraram-se avessos a investir em empresas fortemente endividadas, como os grandes grupos de eletricidade. A produção de eletricidade tornou-se menos lucrativa devido à sobreprodução causada pelas fontes de energia renováveis. Agora o setor está novamente nos radares dos investidores: a recuperação das cotações ocorrida desde meados de fevereiro de 2016 (+21,3%) justifica-se e deverá continuar!
Um modelo em evolução
A queda nas tarifas de eletricidade, a menor utilização das centrais convencionais (a carvão ou gás) e a rejeição da energia nuclear (após o desastre de Fukushima no Japão) afetaram significativamente os resultados dos produtores europeus no período entre 2011 e 2016. A maioria deles, demasiado endividados, teve de reduzir ou suprimir o dividendo.
Essa crise sem precedentes obrigou a rever profundamente os modelos de negócio e levou a abandonar uma estratégia que usavam há décadas: presença em toda a cadeia de valor, desde a produção de todo o tipo de energia (gás, carvão e nuclear) até à distribuição. O grupo alemão E.ON vendeu as atividades de energia convencional (alojadas na sua subsidiária Uniper) à finlandesa Fortum para se concentrar nas energias renováveis e nas redes. Uma iniciativa adotada também pela francesa Engie que, para reduzir a exposição a atividades cíclicas, desfez-se das suas centrais térmicas nos Estados Unidos e na Ásia e do negócio de gás natural liquefeito (GNL).
Em 2017, estas empresas já começaram a colher os primeiros frutos desta reorganização da carteira de atividades e da redução de custos. Além disso, passados alguns meses beneficiaram da subida do preço da eletricidade, o que também favoreceu a recuperação. Graças a esta estabilização das condições do mercado de produção de eletricidade e ao crescimento das atividades de rede e serviços, o setor voltou a melhorar a rentabilidade em 2017.
Necessidade de consolidação
Para enfrentar os desafios da transição energética e para defenderem as suas margens, será preciso recorrer a aquisições ou fusões em grande escala, até porque o setor europeu ainda está muito fragmentado. Foi neste sentido que o grupo espanhol Gas Natural contactou a EDP, procurando entendimento para uma fusão que o tornaria a quarta maior utility europeia. Por sua vez, a francesa Engie e a alemã RWE estão a estudar a hipótese de fazerem uma mega-aliança. Uma possível aproximação poderia encorajar outras empresas, como a italiana Enel ou a espanhola Iberdrola. Contudo, tais alianças podem ser difíceis de concretizar porque poderão ser vistas, pelos Estados que ainda são acionistas, como uma perda de soberania em antigos monopólios.
Potencial permanece intacto
Apesar dos ganhos recentes, a recuperação bolsista do setor elétrico deverá continuar. Atualmente, o setor (na Europa) oferece um rendimento bruto do dividendo de 4,4% face a uma média de 2,9% das empresas que integram o índice Stoxx Europe 600. Além disso, em média, a relação entre cotação e lucro por ação é de 15,5, um valor significativamente inferior ao do índice bolsista do mercado europeu. Este desconto do setor face à média parece-nos demasiado elevado por vários motivos:
- As empresas elétricas estão hoje mais bem preparadas do que há alguns anos. Além de terem reduzido a dívida, melhoraram a capacidade para gerar liquidez, graças às alienações de ativos e às significativas reduções de custos.
- Os movimentos de fusões e aquisições poderão ter um impacto positivo nas cotações das empresas nos próximos meses ou até anos.
- As ações do setor são menos arriscadas do que a média do mercado pois as atividades reguladas geram mais de 50% das receitas dos produtores de eletricidade, o que lhes confere maior previsibilidade e estabilidade dos resultados.
- Graças à distribuição de dividendos generosos, o setor é apetecível para os investidores que procuram um rendimento regular dos seus investimentos.
Os nossos conselhos
Para continuar a beneficiar do potencial de valorização do setor elétrico europeu pode comprar um ETF (fundo cotado) dedicado ao setor. Para os investidores que preferem aplicar diretamente em ações temos seis conselhos de compra:
Engie: continua a implementar o seu plano de recuperação, que visa desenvolver os segmentos com baixa emissão de dióxido de carbono e tornar o grupo menos dependente das atividades cíclicas. Apesar da subida da cotação em 2017, a ação mantém potencial de valorização.
REN: gere a rede de transporte e armazenamento de gás e eletricidade em Portugal e é um título que tem um risco inferior à média devido ao caráter fortemente regulado da sua atividade e à pouca volatilidade da cotação em bolsa. A elevada estabilidade dos resultados permite-lhe distribuir bons dividendos.
EDP: a maior elétrica nacional também adotou uma estratégia de concentração em energias limpas para suportar o seu crescimento. As suas atividades apresentam uma boa diversificação geográfica e a empresa está mais empenhada no esforço de redução da dívida. A pressão regulatória tem pressionado um pouco a cotação, mas o título continua atrativo numa ótica de longo prazo.
National Grid: é proprietária e gere a rede da infraestrutura de energia do Reino Unido e tem adotado uma estratégia cautelosa de desenvolvimento da sua atividade. Ano após ano, tem apresentado uma subida constante dos resultados. Aproveite o recente declínio da cotação que, aos níveis atuais, oferece um rendimento do dividendo de 5,5%, um dos mais elevados do setor.
Enagas: o gestor do sistema de transporte de gás em Espanha é uma empresa sólida cuja atividade é muito regulada, o que confere estabilidade aos seus resultados e permite que o grupo distribua elevados dividendos. Em contrapartida, o crescimento dos lucros é modesto, apesar da presença na América latina dar maior visibilidade às suas perspetivas de crescimento.
Gas Natural: a empresa espanhola dedica-se à comercialização de gás e à produção e distribuição de eletricidade. Tem sido um pouco afetada pelas alterações regulatórias no seu mercado doméstico. Mas, a presença na América latina e na Ásia melhora as perspetivas de crescimento do grupo e as vendas de ativos menos rentáveis realizadas melhoraram a solidez financeira.