
Completou-se um ano desde que entrou em vigor o regulamento que estipula regras de qualidade mínimas para a prestação dos serviços de água, saneamento e resíduos junto das famílias. O círculo fechou-se em abril, quando as compensações para os consumidores, perante falhas das entidades gestoras, passaram também a ter força de lei.
Pedidos de contrato que excedam duas semanas de espera, ruturas na rede pública a que a entidade leve mais de quatro horas a acorrer ou cortes do serviço sem pré-aviso escrito são alguns contextos que justificam uma compensação, através da fatura, se o consumidor redigir uma reclamação nos 30 dias após o sucedido. Os valores são de 5, 10 ou 15 euros, conforme a gravidade da situação.
Para ajudar o consumidor a fazer valer os seus direitos, a DECO PROteste desenvolveu uma ferramenta intuitiva, alojada em www.reclamarcompensa.pt, que revela em que situações pode ser obtida a compensação e que fornece as cartas-tipo para reclamar.
Mas fez mais do que isso. No primeiro aniversário do regulamento, investigou se o direito dos consumidores a informação objetiva e transparente está a ser respeitado. As entidades gestoras são obrigadas a produzir um relatório anual com o balanço da sua atividade e os níveis de cumprimento dos critérios de qualidade, e a facultá-lo no site até ao final de março do ano seguinte.
Tendo o regulamento entrado em vigor em outubro de 2024, o relatório deve incluir dados sobre o último trimestre desse ano. Que informações? Por exemplo, na lista de requisitos a cumprir no âmbito de cada serviço, deve ser indicado sobre quais houve reclamações, e o seu número. O pagamento de compensações fica de fora deste primeiro relatório, dado que aquelas só entraram em vigor em abril de 2025.
A DECO PROteste fez uma incursão pelos sites das entidades gestoras, e analisou uma amostra de relatórios, para tomar o pulso ao cumprimento do dever de informação.
No serviço de abastecimento, a análise recaiu sobre 33 documentos, respeitantes a 65 municípios.
No saneamento, foram 32 os relatórios, com dados sobre 66 concelhos.
Já na gestão de resíduos, foram analisados 22, que cobrem 24 municípios.
Juntaram-se-lhes seis relatórios, referentes a 102 concelhos, com dados sobre a recolha multimaterial e a lavagem de contentores.
Conclusão? Informação incompleta e, por vezes, confusa é um traço comum à larga maioria dos documentos analisados.
Pouca informação para aferir o número de compensações ao consumidor
Os dados do quarto trimestre de 2024, reportados pelas entidades gestoras, são inconclusivos. Uma observação flagrante? Nem sempre é possível destrinçar os motivos das reclamações, se a entidade cumpriu os prazos previstos no regulamento para dar-lhes solução ou sequer se foram mesmo resolvidas.
A maioria dos relatórios limitam-se a indicar se as entidades gestoras implementaram ou não os requisitos de qualidade exigidos pelo regulamento. Outros referem uma percentagem de cumprimento de cada requisito. Trata-se de uma excessiva simplificação dos dados, que não demonstra o nível de cumprimento ou incumprimento.
Para cada requisito, e em cada serviço, deveria constar o número de reclamações e a indicação de que a entidade cumpriu ou não. Por exemplo, para a ligação do serviço de abastecimento, deveria ser reportado quantas reclamações houve e, destas, quantas levaram a incumprimento da entidade gestora.
Parece picuinhas? Ao provarem o nível de incumprimento, estes dados permitem aferir o número de compensações que a entidade teria de pagar ao consumidor. Ora, dos 33 relatórios referentes ao serviço de abastecimento analisados, apenas dez deixam fazer este cálculo. No saneamento, são também dez, mas em 32, enquanto, nos resíduos, o rácio é de apenas quatro em 22 relatórios. E, entre os seis relatórios com dados sobre lavagem de contentores e recolha multimaterial, nem isso. Nenhum permite aferir o número de compensações a pagar.
Mais: os relatórios de entidades cuja gestão incide sobre vários municípios não segmentam os dados para cada um deles. Como pode o consumidor avaliar a qualidade do serviço no seu concelho?
Perdidos na terminologia dos relatórios das entidades gestoras
A DECO PROteste notou ainda terminologias muito variadas, o que pode impedir a comparação de resultados. Um exemplo? Em muitos relatórios, a expressão "número de ocorrências" corresponde ao número de pedidos do serviço. Noutros, refere-se ao número de serviços prestados e, noutros ainda, traduz o número de reclamações.
O reporte do cumprimento dos requisitos também suscita confusão. Designações tão diversas quanto "Cumprido", "Implementado" ou "100%" podem ser usadas para indicar que determinado requisito foi cumprido. Já quando o foi apenas parcialmente, podem surgir expressões como "Em cumprimento" ou "Em desenvolvimento".
Mesmo a referência a reclamações carece de atenção. O consumidor só pode ser compensado se formalizar a reclamação por escrito. Deste modo, importa incluir no relatório as menções "reclamação escrita" e "outras reclamações", devidamente autonomizadas. Ainda assim, o ideal seria a introdução de compensações automáticas, sem reclamação escrita do consumidor, tal como sucede no setor da energia – uma velha reivindicação da DECO PROteste.
Barreiras à reclamação do consumidor por um serviço de melhor qualidade
Os dados nos relatórios referem-se apenas ao último trimestre de 2024. Pode ser esta a principal razão para o baixo número de reclamações reportado. Mas outros motivos podem concorrer para o resultado. O consumidor deve endereçar a reclamação escrita à entidade responsável pelo serviço. E, como abastecimento, saneamento e gestão de resíduos nem sempre são prestados pela mesma entidade, a ausência de informação clara, num único local, que deveria ser a fatura, será mais uma barreira.
A fatura mensal é um veículo de informação privilegiado, e as entidades gestoras sabem que são obrigadas a nela indicar os seus dados completos. O problema surge quando os três serviços não são prestados pela entidade que emite a fatura, o que acontece em 44% dos municípios do Continente.
Em fevereiro, a DECO PROteste questionou as entidades gestoras sobre os meios que facultam para apresentar reclamações escritas. Livro de Reclamações (físico ou digital), e-mail ou modo presencial foram as respostas. Indicaram ainda que a informação vinha na fatura.
A organização de consumidores quis saber se assim era, e analisou 70 faturas do período entre janeiro e fevereiro, enviadas por subscritores. E o que viu? O e-mail da entidade que procede à faturação (em regra, a que faz o abastecimento) está, de facto, presente. Mas, quando esta difere das que prestam os demais serviços, falta informação objetiva. Um claro desincentivo à reclamação e à legítima exigência de um serviço de qualidade.
Consumidores exigem informação clara no relatório anual e na fatura mensal
Informação anualsobre o nível de cumprimento da qualidade dos serviços é um direito do consumidor. Para garantir objetividade e transparência, os relatórios devem apresentar a informação desagregada para cada serviço, para cada requisito previsto no regulamento e para cada município, e não amalgamada, impedindo o consumidor de aceder aos dados.
E, para cada requisito de qualidade, deve ser indicado o número de cumprimentos e incumprimentos, assim como o volume de reclamações. A partir de 2025, devem ser mencionadas ainda as compensações resultantes de incumprimentos.
A fatura mensal é outro local privilegiado para divulgar informação. Os consumidores exigem a inclusão dos dados completos de cada entidade que presta o tríplice serviço, designadamente, nome, morada e correio eletrónico. Uma exigência cuja fiscalização cai dentro das responsabilidades da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR).
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