Guia para herdar e partilhar bens
Após a morte de um familiar, há que tratar da burocracia, formalizar a transmissão dos bens e fazer a partilha da herança. Descubra as regras a seguir, passo a passo.

É fácil sentir-se perdido perante a perda de um ente querido, numa altura em que há um conjunto de obrigações a cumprir. A primeira coisa a tratar é do registo de óbito. Qualquer pessoa pode tratar deste documento. Já a administração da herança cabe ao cabeça-de-casal.
Encontra muitas informações úteis sobre este tema no guia prático Testamentos e heranças. Caso não seja subscritor, aceda à versão digital, para ler em streaming.
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Em caso de falecimento, o médico que confirmou a morte emite um certificado. Este documento permitirá declarar o óbito, no prazo de 48 horas, algo que pode ser feito online ou em qualquer Conservatória do Registo Civil. O procedimento é gratuito, e muitas agências funerárias encarregam-se desta obrigação, em substituição dos familiares do falecido.
A certidão de óbito comprova o falecimento, a data, a hora e o local onde o mesmo ocorreu. Qualquer pessoa pode requerê-la. É possível pedir uma certidão de óbito em papel ou online. No primeiro caso, o pedido é feito numa Conservatória do Registo Civil, numa Loja de Cidadão ou num dos mais de 80 Espaços Registos, do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), existentes no País. Se estiver no estrangeiro, pode solicitar a certidão num consulado português. Custa 20 euros. Se tiver como finalidade requerer prestações sociais, o preço desce para metade.
Se não quiser ou não puder deslocar-se a um destes serviços, pode requerer uma versão online da certidão, que custa 10 euros. O pedido é feito na plataforma Civil Online. Deverá autenticar-se com a chave móvel digital. Pode, ainda, fazer o pedido sem autenticação. Segue-se o preenchimento do formulário com os dados necessários e o pagamento por multibanco ou com cartão de crédito. Durante seis meses, o documento fica disponível para consulta e tem os mesmos efeitos legais que a versão em papel.
Quem fica como cabeça-de-casal?
A administração da herança deixada pelo falecido é efetuada pelo cabeça-de-casal, até que os bens sejam partilhados. A pessoa chamada a assumir esta função será definida de acordo com a seguinte ordem:
- o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver direito a metade dos bens do casal (meação);
- se existir testamento, o testamenteiro, salvo declaração do falecido em contrário;
- os parentes, desde que herdeiros legais. A atribuição é feita ao mais próximo (filho, por exemplo). E, entre os mais próximos, ao que vivia com o falecido há, pelo menos, um ano;
- os herdeiros testamentários, ou seja, aqueles que são abrangidos pelo testamento, sendo dada preferência ao mais beneficiado e, em caso de igualdade, ao mais velho.
Se nenhum dos herdeiros quiser esta responsabilidade, é possível entregar a administração da herança a outra pessoa (mesmo que não seja herdeiro). Para tal, tem de haver acordo de todos os interessados. Na falta de acordo, a escolha pode ser feita pelos tribunais. Só em condições especiais o herdeiro designado poderá recusar o cargo. Por exemplo, se tiver mais de 70 anos; se tiver uma doença que impossibilite tais funções; ou se a função de cabeça-de-casal for incompatível com o exercício de um cargo público.
Caso um herdeiro se sinta lesado com a atuação do cabeça-de-casal e pretenda afastá-lo, poderá propor o seu afastamento, desde que comprove que ele:
- ocultou bens ou doações feitas pelo falecido e/ou indicou doações ou encargos inexistentes;
- administrou o património hereditário sem prudência nem zelo;
- se, no âmbito do inventário, não cumpriu os deveres impostos por lei;
- se revelar incompetente para o exercício do cargo.
Quem são os herdeiros?
Quando se pretende deixar a herança aos chamados herdeiros legitimários (cônjuge, descendentes e ascendentes), não é preciso fazer testamento. Mas, para beneficiar mais alguém, como a pessoa com quem vive em união de facto ou um irmão (no caso de o falecido deixar cônjuge, descendentes ou ascendentes), deve expressar a sua vontade por escrito. Este é também o meio adequado para reconhecer uma dívida, substituir um testamento anterior, perfilhar ou deserdar e nomear um tutor para um filho menor (substituto dos pais, caso estes morram), fixar legados ou indicar substitutos para os herdeiros, caso estes não possam ou não queiram aceitar a herança. O testamento permite ainda determinar o tipo de cerimónia fúnebre, entre outras.
O mais comum é não haver testamento e os bens serem divididos pelos herdeiros definidos pela lei, por esta ordem: cônjuge e descendentes, cônjuge e ascendentes, irmãos e seus descendentes, outros parentes na linha colateral até ao 4.º grau e o Estado.
Para calcular esta quota, há que ter em conta o valor dos bens na data do óbito e dos doados, as despesas sujeitas a colação (correspondem às doações feitas em vida a descendentes que sejam herdeiros – e somente a eles – sendo somadas ao quinhão da pessoa em causa) e as dívidas da herança. O capital proveniente de um seguro de vida é exceção a estas regras, pois qualquer pessoa pode ser beneficiária. É até possível que esse capital ultrapasse o valor do património deixado em herança.
Apurados todos os herdeiros, o cabeça-de-casal deve proceder à habilitação de herdeiros num cartório notarial ou Balcão de Heranças, ou num Espaço Óbito. Serve para identificar os herdeiros do falecido sem a qual não é possível fazer a partilha da herança. Só quem consta da habilitação de herdeiros tem direito a parte da herança.
Como funciona a partilha de bens
A partilha dos bens pode ser pedida por qualquer herdeiro. Se houver acordo entre todos, basta dirigirem-se a um cartório notarial ou ao Balcão de Heranças. Não havendo acordo, não sendo possível contar com a participação de, pelo menos, um dos herdeiros ou ainda em caso de incapacidade de um deles, procede-se ao inventário dos bens, que pode avançar num cartório notarial ou num tribunal. É necessário apresentar a certidão de óbito e a relação dos bens, bem como identificar todos os herdeiros. Também quando existam herdeiros menores, é natural que o Ministério Público, para salvaguarda dos interesses destes, requeira a abertura de inventário.
A partilha da herança pode ser impugnada, por exemplo, se incidiu sobre bens que não faziam parte da herança. Neste caso, o beneficiário a quem foram distribuídos os bens alheios é indemnizado pelos restantes na proporção dos quinhões recebidos.
Dívidas também são herdadas
Ninguém é obrigado a aceitar uma herança, mas, se a aceitar, tem de a receber por inteiro, incluindo eventuais dívidas. Ainda assim, as dívidas do falecido só têm de ser pagas até se esgotar o valor correspondente ao da herança, mas cabe ao herdeiro provar que já não há mais bens para saldá-las. Por isso, poderá ser interessante proceder a uma aceitação a benefício de inventário: só respondem pelas dívidas os bens que constem do inventário. Ao herdeiro está vedada a possibilidade de impor condições para a aceitação.
Se, após o falecimento, um herdeiro passou a utilizar os bens do falecido como se fossem seus ou a residir na casa dele, entende-se que aceitou a herança. Trata-se da “aceitação tácita”. Mas esta também pode ser “expressa”, quando o beneficiário declara por escrito que é essa a sua intenção. Para tal, basta enviar uma carta ao cabeça-de-casal. Este direito de aceitar ou repudiar os bens caduca dez anos após ter conhecimento de que é beneficiário da herança.
Já se o herdeiro quiser repudiar a herança, deve fazê-lo sempre por escrito e seguindo as regras para a alienação da herança. Por outras palavras, se a herança contiver bens imóveis, deve fazê-lo por escritura pública ou documento particular autenticado. O cônjuge do herdeiro tem de dar o consentimento, exceto se forem casados no regime de separação de bens. Do documento de repúdio deve constar se tem ou não descendentes. Estes podem querer aceitar a herança. Se os descendentes forem menores, os pais devem pedir autorização ao Ministério Público para repudiar. Para os bens móveis, basta assinar um documento particular. Recusada a herança, o quinhão vago será disputado pelos restantes herdeiros, privilegiando-se o “direito de representação”. Se, por exemplo, o pai repudiou a herança do avô, o neto é chamado a aceitá-la.
Animais não podem herdar
Apesar de os animais de companhia já não serem considerados "coisas", não têm capacidade sucessória. De acordo com o Código Civil, tal está reservado ao Estado e a todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão (ou seja, no momento da morte do seu autor). Também têm capacidade sucessória, por exemplo, as pessoas coletivas e as sociedades.
Assim, os animais de companhia não são herdeiros, logo não podem receber heranças. No entanto, nada impede que o dono deixe, por testamento, uma parte da herança a uma determinada pessoa, sob a condição de esta cuidar do seu animal de companhia (alimentar, levar ao veterinário, levar à tosquia, entre outros cuidados).
Relação de bens nas Finanças
O cabeça-de-casal tem até ao final do terceiro mês após a morte do familiar para participar a ocorrência ao serviço de Finanças, apresentando o modelo 1 do imposto do selo. A título de exemplo, se a pessoa faleceu em janeiro (independentemente do dia), a morte deve ser comunicada até 30 de abril. Este ato é gratuito.
Deverá apresentar a certidão de óbito e os documentos de identificação da pessoa falecida (cartão de cidadão ou bilhete de identidade e número de contribuinte), bem como o cartão de cidadão (ou bilhete de identidade e número de contribuinte) do cabeça-de-casal, assim como o nome completo e o número de contribuinte de cada um dos herdeiros. Se existir um testamento ou uma escritura de doação, estes terão de ser também apresentados. Simultaneamente, deve ser entregue o anexo 1, com uma listagem dos bens do falecido (relação de bens) e o respetivo valor. Conforme os bens da herança, poderá ser necessário apresentar outros documentos.
A relação de bens deve mencionar, por exemplo, as contas bancárias; fundos de investimento; ações e certificados de aforro; planos poupança-reforma, imóveis (casas, terrenos), etc. da pessoa falecida.
Por lei, a transmissão de bens para cônjuges e para descendentes ou ascendentes (filhos, pais, netos ou avós) é gratuita. O mesmo já não acontece quando os herdeiros são, por exemplo, irmãos ou sobrinhos do falecido. Neste caso, é cobrado imposto de selo à taxa de 10% sobre o valor total dos bens declarados.
O guia prático Testamentos e Heranças esclarece dúvidas sobre o papel dos herdeiros, os procedimentos a que estão obrigados e aquilo a que têm direito.