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Água, saneamento e resíduos: tarifa social nem sempre ajuda as famílias carenciadas

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Água e saneamento
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Seguem-se os anos, e sobe o número de municípios que aderem à tarifa social. Mas leituras simplistas não nos devem contentar. Num país onde a marcada diferença de preços entre municípios é a sílaba tónica que acentua a discriminação entre famílias, também a aplicação da tarifa social, cuja obrigatoriedade a lei não determina, obedece a critérios deixados à criatividade das entidades gestoras – ainda que a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) sugira métodos claros para a sua aplicação.

A prática de tarifas sociais, por si só, não traz alívio às contas das famílias, porque nem todas as entidades gestoras as anunciam com transparência. E, se as famílias as desconhecem, nunca poderão obter os descontos associados, mesmo que cumpram os critérios de elegibilidade.

Todavia, o anúncio inequívoco das tarifas sociais ainda não seria o bastante. Municípios há onde, após o desconto, os preços se mantêm acima da taxa de esforço aconselhada pelo regulador, que é de 1% do rendimento anual de referência, fixado nos 6272,64 euros. Levando em conta as majorações previstas, o valor passa a 15 681,60 euros por ano no caso de uma família de quatro. Para a acessibilidade económica ficar garantida, de acordo com os critérios da ERSAR, o desconto deve incidir sobre cada um dos serviços: água, saneamento e resíduos.

A DECO PROteste aplicou as tarifas sociais aos preços cobrados por consumos anuais de 120 e 180 metros cúbicos de água. E, para os três serviços, avaliou se o resultado superava ou não a taxa de esforço, considerando os dois níveis de rendimento anual.

A que conclusões chegou? Fraca divulgação pelas entidades gestoras, publicação nos sites sem o devido destaque e descontos de valor insuficiente, incapazes de nivelar um ponto de partida desigual, corporizado nas enormes diferenças tarifárias entre regiões, podem subtrair eficácia a um instrumento que se pretende de justiça social.

Saiba se há tarifa social no seu município

Muitas barreiras no acesso às tarifas sociais

Ao contrário do que sucede no setor da energia, os descontos não são automáticos, o que é mais uma barreira. A fim de minimizar este impacto, ao contratar o serviço, as famílias deveriam ter informação sobre a existência da tarifa social em cada um dos três serviços, os critérios de elegibilidade e a documentação necessária.

E, para facilitar os pedidos, deveria ser previsto um só ponto de contacto: a entidade responsável pela faturação. A existência de entidades gestoras diferentes para cada serviço pode ser fonte de confusão.

Mais: as tarifas sociais deveriam constar de um documento único, apenso ao tarifário geral, independentemente de existirem várias entidades responsáveis pelos três serviços.

Mais tarifa social, mais justiça?

Um elevado número de entidades gestoras, com diferentes modelos de gestão, dimensões e capacidades financeiras, entrelaça-se numa grande diversidade de municípios quanto a características geográficas, dimensão populacional e nível médio de rendimento, e o resultado é uma disparidade de preços, a que nem todas as famílias conseguem chegar.

As tarifas sociais visam introduzir um elemento de justiça, para que agregados com carência económica não fiquem para trás. Descontos especiais para idosos ou para desempregados, por meritórios que sejam, não se enquadram no conceito de tarifário social, pelo que não foram considerados no estudo da DECO PROteste.

Em junho de 2025, data da análise, a tarifa social era aplicada em 81% de concelhos no âmbito do abastecimento. O saneamento ficava um pouco abaixo, com 80%, sendo que 12 municípios não cobravam o serviço.

Nos resíduos sólidos, 72% previam o tarifário com desconto e quatro também nada cobravam. A melhoria foi discreta face a 2024, mas merece um sublinhado.

No abastecimento, passaram a contemplar tarifa social Ponte da Barca, Santa Cruz da Graciosa, Trofa e Vila Nova de Foz Côa.

No saneamento, juntaram-se ao grupo Ponte da Barca, Santa Cruz da Graciosa e Vila Nova de Foz Côa. Nos resíduos, estrearam-se Alpiarça, Avis, Ponte da Barca, Santa Cruz (Madeira), Santa Cruz da Graciosa, Torres Novas e Vagos.

Mais publicação, mais acesso à informação?

Para acederem à tarifa social, as famílias interessadas têm de instruir um pedido, juntando documentos que façam prova da sua vulnerabilidade económica. Face a esta falha do sistema, para que possam usufruir dos seus direitos, devem, pelo menos, receber informação por diversos meios: na fatura mensal, por afixação em local acessível, como a junta de freguesia ou a câmara municipal, ou por publicação no site das entidades gestoras.

Também aqui a DECO PROteste verificou uma evolução positiva face a 2024. São agora mais 13 os tarifários sociais de abastecimento de água publicados no site das entidades gestoras. No saneamento, somam-se 18, enquanto, nos resíduos, foram encontrados mais dezasseis.

Há, no entanto, que conter o entusiasmo. Embora publicados, muitos são de difícil deteção, perdidos nos menus dos sites, o que se ergue como mais uma barreira ao uso da tarifa social.

Tarifa social pouco eficaz para consumo e rendimento baixo

A ERSAR tem o entendimento de que a acessibilidade ao trio de serviços deve ficar assegurada apenas para um gasto anual que não exceda os 120 metros cúbicos de água. Argumenta que este limite introduz racionalidade no consumo e evita o desperdício de um bem essencial.

A DECO PROteste não contraria tais objetivos. Porém, tem-se batido pelo alargamento do raciocínio aos 180 metros cúbicos anuais, para agregados de quatro em situação de carência económica, tendo por base o cálculo da Organização Mundial da Saúde. A agência das Nações Unidas considera que se trata do volume certo para esta família suprir as suas necessidades. Como tal, não é possível afirmar que haja desperdício.

A organização de consumidores apurou que, mesmo para este gasto anual mais reduzido, de 120 metros cúbicos, muitos municípios não seguem o que diz a ERSAR, sobretudo quando é considerado o rendimento de referência, de 6272,64 euros – o mínimo dos mínimos. No abastecimento, nada menos do que 205 concelhos, do universo de 308, cobram acima da taxa de esforço, alguns mesmo depois de aplicarem a tarifa social. No saneamento, são 131 e, nos resíduos sólidos, elevam-se a 58 os que ficam acima da taxa de esforço.

Ao converter o valor de referência para uma família de quatro, com um rendimento anual elegível de 15 681,60 euros, o caso muda de figura. Todos os municípios praticam valores abaixo da taxa de esforço quando o serviço é o de resíduos. No abastecimento, o número de concelhos que não garantem a acessibilidade cai para 27, ao passo que, no saneamento, se fixa em dezanove.

Consumos mais elevados são demasiado penalizados

Quando o consumo anual aumenta para 180 metros cúbicos, o tal volume adequado a uma família de quatro elegível para a tarifa social, os preços podem descrever uma curva exponencial. Do total de 308 municípios, 233 praticam tarifários gerais que não garantem a acessibilidade no abastecimento de água, sendo que 199 facultam tarifa social. Aplicando os descontos, 154 concelhos passam a apresentar preços sustentáveis. Um bom exemplo é dado pelos municípios das Águas do Planalto, onde são praticadas das tarifas mais elevadas para gastos de 180 metros cúbicos anuais. Após um desconto de 61%, fica garantida a acessibilidade.

Já entre os 79 municípios que mantêm preços insustentáveis, Santa Maria da Feira lidera, com um custo anual de 434,19 euros. Não só tem os preços mais elevados do País para este nível de consumo, como também aumenta a fatura todos os anos, com frequência acima da inflação, e não pratica tarifa social. A taxa de esforço ascende a uns castigadores 2,77% do rendimento de uma família vulnerável. Os dois concelhos que fecham o pódio da menor acessibilidade – Marco de Canaveses e Carrazeda de Ansiães – partilham com o "líder" a ausência de tarifa social e taxas de esforço insustentáveis, na ordem dos 2 por cento. Ainda no abastecimento, vários municípios com preços elevados preveem tarifa social, mas o desconto não tem força para empurrar o valor cobrado para trás da linha de 1% do rendimento.

Aumentando o consumo, sobe também o volume de águas residuais a tratar ao abrigo do serviço de saneamento. São 147 os municípios cujo tarifário geral não garante a acessibilidade económica. Destes, 114 preveem tarifa social, e o desconto permite que 94 passem a facultar preços acessíveis a famílias carenciadas.

Os municípios com tarifa geral mais elevada para o saneamento (Covilhã, Marco de Canaveses e Fundão) não ajudam, efetivamente, os mais carenciados. Ou seja, se já tinham preços elevados, assim permanecem, estejam ou não perante uma família com condições para pagar. Na Covilhã, onde são cobrados 347,40 euros anuais, a taxa de esforço é de 2,22%: apesar de haver tarifa social, o desconto só é dado até 8 metros cúbicos por mês. Já em Marco de Canaveses, com preço de 321,78 euros, o rácio é de 2,05 por cento. E, no Fundão, a tarifa social prevista apenas reduz o preço anual de 294,59 para 247,22 euros, o que redunda numa taxa de esforço de 1,58 por cento. Na prática, fica ao mesmo preço de Póvoa de Lanhoso, que não tem tarifa social.

O serviço de resíduos volta a ser o mais favorável para as finanças familiares. Se todos os municípios garantem a acessibilidade quando o consumo anual de água não supera os 120 metros cúbicos, neste cenário de um gasto superior, são apenas três, em todo o País, que praticam preços acima de 1%: Valongo, Sousel e Matosinhos. Ainda assim, as taxas de esforço estão próximas deste limiar.

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