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Diversificar espécies de peixe na ementa é a solução

Quer seguir uma alimentação mais saudável, que inclua pescado, mas tem consciência do esgotamento dos recursos marinhos? Tudo o que decidir pôr no prato tem um impacto. Alternar entre espécies é o segredo.

13 junho 2022
cardume de sardinhas

iStock

Uma tartaruga morta sufocada por um saco de plástico. Marés negras de derrames de petróleo. Ilhas de toneladas de lixo a flutuar pelos oceanos. Fundos do mar atapetados de entulho. Quilómetros de recifes de coral extintos. São imagens das consequências das nossas ações, que poderiam estar acompanhadas de uma luz vermelha com a mensagem: “Alerta! Oceanos desprotegidos!” E é destes oceanos e mares que dependem milhões de indivíduos em todo o mundo, quer ao nível do emprego na indústria pesqueira, quer no plano alimentar, através da ingestão de pescado.

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No que diz respeito ao consumo, a ciência é chamada a desempenhar um papel central, com profissionais a aconselhar sobre a gestão de stocks, para que o peixe seja capturado de forma sustentável. Depois, entram a política e a economia: é nesta corda bamba, entre questões ambientais e socioeconómicas, que são muitas vezes tomadas decisões. E aqui entra o consumidor: é para ele que está montada toda a exploração global de recursos, para suprir as necessidades de consumo. Mas, se, nas questões ambientais e na redução do desperdício, existe maior sensibilidade, nem sempre é valorizado o impacto ecológico das escolhas alimentares, decisivas para a sustentabilidade dos ambientes marinhos.

O primeiro selo é usado em pescado rastreado desde a captura. Os produtos com o certificado MSC ou ASC são oriundos de pesca ou de um modo de produção sustentável. 
O primeiro selo é usado em pescado rastreado desde a captura. Valoriza o setor das pescas em Portugal e o pescado transacionado nas lotas nacionais. Os produtos com o certificado MSC ou ASC são oriundos de pesca ou de um modo de produção sustentável.

Equilibrar o consumo 

O peixe é o produto alimentício mais negociado em todo o mundo. E a procura de pescado tende a aumentar, se considerarmos que a população do planeta cresce, prevendo-se que atinja quase dez mil milhões em 2050. Em muitas partes do mundo, a procura excede os limites do uso sustentável de recursos marinhos e de água doce, sobretudo no que toca a pesca dependente de capturas selvagens.

Portugal é o segundo país da União Europeia com o maior consumo anual per capita de pescado, a seguir a Malta, que representa mais do dobro do valor registado no conjunto dos Estados-membros. Os últimos dados indicam que cada português consome anualmente uma média de 60,92 quilos: peixes frescos e em conserva são os preferidos. Não estando a generalidade da população deficitária no consumo, o foco deve direcionar-se para escolhas nutricionais adequadas, que garantam a sustentabilidade das espécies. Por exemplo, pelo efeito protetor em relação a doenças cardiovasculares, a Associação Portuguesa de Nutricionistas recomenda a ingestão de peixe gordo duas a três vezes por semana. Ora, a cavala e a sarda são espécies gordas que se encontram com facilidade nos oceanos. Também não devemos desvalorizar o pescado de aquicultura, que ajuda a aliviar a pressão sobre os ecossistemas. E porque não introduzir um dia vegetariano na ementa semanal? Para o planeta, a vantagem é dupla: responde à necessidade de um uso responsável dos recursos marinhos e ajuda a diminuir as emissões de carbono.

Prato com muitas opções

O mito urbano nacional refere as 1001 receitas do dito, mas, a bem da sustentabilidade, não vale estar sempre a comer bacalhau. Ingerimos cerca de 20% de todo o bacalhau capturado ao nível mundial. Mas o consumo de pescado sustentável está também relacionado com a diversificação das espécies na ementa. Nesse aspeto, a aquicultura, que contribui apenas com 5% no nosso consumo, pode ser uma solução. Amêijoa (33%), pregado (22%), mexilhão (14%), ostra (9%) e dourada (8%) são as espécies mais produzidas.

Espécies que vivem mais perto da superfície, como o carapau, apresentam menos problemas de disponibilidade, e o seu consumo ajuda a evitar a sobre-exploração do pescado mais procurado. Optar por espécies de níveis baixos na cadeia alimentar marinha, mais abundantes e rapidamente renovadas, quando comparadas com os predadores de topo, também é mais indicado.

No entanto, os exageros são de evitar: um consumo excessivo pode perigar a espécie, mas também a cadeia de predadores. Ainda assim, os hábitos dos portugueses são muito diversificados. Consumimos 200 espécies, dos peixes aos cefalópodes, passando por moluscos e crustáceos. Da lista dos peixes mais comprados, fazem parte o robalo, a dourada, a pescada, a cavala, o salmão, a sardinha, o peixe-espada, o atum e o bacalhau salgado.

ENCOMENDAR GUIA CONSUMO ECOLÓGICO

Não comprar pescado sem o tamanho mínimo

O tamanho importa. Para não comprometer o ciclo de vida das espécies, existe uma dimensão mínima de captura, imprescindível ao nível da sustentabilidade.

O consumidor está no fim da linha do processo, mas é peça essencial, e deve estar sensibilizado. O equilíbrio das cadeias alimentares marinhas depende da captura de peixe com dimensões acima do mínimo tabelado.

Pescado nacional e sazonal

A rotulagem é uma ferramenta valiosa para fazer escolhas sustentáveis. Os supermercados deveriam oferecer maior gama de produtos certificados, informando os consumidores sobre o significado real da certificação. Se aumentar a procura de produtos oriundos da pesca sustentável, o setor, da pesca à comercialização, passando pela transformação, terá incentivos para caminhar nessa direção.

Em alguns países europeus, as certificações para peixes capturados no mar atribuídas pelo Marine Stewardship Council (MSC) – organização não-governamental que se dedica à proteção dos oceanos – e para peixes de aquicultura concedida pelo Aquaculture Stewardship Council (ASC) – organização de apoio a este tipo de atividade, seguindo avaliações de especialistas independentes – são bastante populares, mas limitadas para o pescado nacional.

Mais abrangente é o comprovativo de compra em lota (CCL). Através deste selo, o consumidor sabe que o pescado foi controlado, e rastreado, desde a captura. O selo valoriza o setor das pescas em Portugal e o pescado transacionado nas lotas nacionais. Em regra, aplica-se a embarcações portuguesas que operam ao longo da nossa costa, o que pressupõe menos gastos energéticos e menos emissões de carbono.

O ambiente e a economia agradecem que compre nacional, mas não só. Sazonal também é importante. O pescado identificado com o CCL respeita a época de cada espécie e as quotas estabelecidas: são dois critérios vitais para conservar os recursos marinhos e a sustentabilidade. 

A pesca tradicional é considerada sustentável, porque tem um efeito negativo muito reduzido no ambiente, ao mesmo tempo que cobre a procura imediata de um grupo limitado de pessoas. O senão é que, em pequena escala, não abrange um grande número de consumidores.

Por isso, é fundamental a aposta na pesca sustentável com artes de pesca seletivas, que não destrói os habitats e que permite a manutenção dos stocks das espécies em níveis saudáveis. Dito de outra forma, é preciso estar consciente do modo como se captura o pescado, tanto para não se perder o potencial enquanto fonte de proteína renovável, como para diminuir o uso de combustível pelos navios pesqueiros. Certificado, nacional e sazonal são os vértices do triângulo da sustentabilidade. Para bem das espécies e da nossa saúde.

Como peixe na água: três formas de ser sustentável

Resumimos as diferenças entre consumo sustentável, pescado sustentável e consumo sustentável de pescado. O futuro do planeta depende das nossas escolhas.

  • Consumo sustentável: trata-se do uso de bens e serviços que respondem às necessidades básicas e trazem melhor qualidade de vida, minimizando o uso de recursos naturais, materiais tóxicos e emissões de resíduos e poluentes ao longo do ciclo de vida, para não comprometer gerações futuras.
  • Pescado sustentável: é o pescado apanhado ou cultivado de maneira a manter ou aumentar a produção a longo prazo, sem comprometer a saúde ou a função dos ecossistemas.
  • Consumo sustentável de pescado: corresponde ao consumo de pescado capturado ou cultivado de forma que não prejudica espécies ou ecossistemas únicos, permitindo que as gerações de hoje e amanhã possam beneficiar dos recursos marinhos e de água doce.

Nem tudo o que vem à rede é peixe

Destacamos dois guias com informações sobre o uso sustentável dos recursos marinhos. Pode consultar online e descarregar. O guia da World Wildlife Fund (WWF), por exemplo, funciona de forma simples e direta, com um sistema de semáforo. Verde indica uma boa escolha, amarelo apela a que pense duas vezes, e vermelho avisa: melhor evitar. A WWF acrescenta informação extra com a cor azul: são produtos com a certificação MSC ou ASC. Pode ainda tratar-se de um produto orgânico. Quando olhar para o bacalhau, atente no rótulo: qual é a origem? Se for o Atlântico Nordeste, pense duas vezes. Se for Atlântico Nordeste e Atlântico Noroeste, capturado por arrasto de portas, o semáforo tinge-se de vermelho.

O guia do Oceanário de Lisboa também pode ser descarregado online. Aqui, a melhor escolha (pescado que existe em maior quantidade) surge a verde, a alternativa (espécies que não estão em perigo, mas que devem começar a ser protegidas desde já) é amarela, e tudo o que for a evitar (espécies em risco por serem capturadas em grandes quantidades) surgirá a vermelho. Com informação acessível e apelativa, a instituição pisca o olho aos mais novos, de modo a sensibilizarem os pais para escolhas mais sustentáveis, explicando, por exemplo, que a dourada ou o robalo de aquicultura recebem luz verde, e são boa fonte de ómega 3, ao passo que o cherne deve ser consumido de vez em quando. Já a sardinha com menos de 11 centímetros nunca deveria ter saído do mar.

Aquicultura: solução ou parte do problema?

A pesca demasiado intensiva impede o repovoamento das populações de pescado. Cerca de 90% das reservas estão a ser capturadas em pleno, enquanto mais de 30% se encontram sobreexploradas. Para piorar o cenário, os danos provocados aos fundos marinhos são, muitas vezes, desastrosos, devido a técnicas de pesca incorretas. É visível algum progresso, como na pesca do atum vermelho no Mediterrâneo, mas as boas práticas não se generalizaram. 

A aquicultura é apresentada como uma solução para a sobreexploração das reservas de pescado. Contudo, as explorações aquícolas são parte do problema, dado exigirem a pesca de enormes quantidades de peixe para servir de alimento às espécies produzidas. Nalguns casos, o recurso massivo a medicamentos, como antibióticos, pode ser devastador para os ecossistemas marinhos. Outro problema é a propagação de doenças, quando os peixes escapam dos recintos. Explorações mais responsáveis recorrem a rações à base de vegetais, mas são ainda exceções que confirmam a regra. Há, contudo, formas de produção de aquicultura (extensivas) com pouco impacto ambiental. E a composição nutricional deste pescado assemelha-se ao capturado, e pode ser consumido com iguais garantias.

A aquicultura representa já metade da captura de organismos aquáticos para consumo humano. Pregado, dourada e robalo dominam a aquicultura em Portugal, que, em 2019, registou 14 336 toneladas, mais 2,5% face a 2018, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística. Segundo o Observatório Europeu do Mercado dos Produtos da Pesca da Aquicultura, em 2017, o nosso país ficou em 18.º lugar na produção de aquicultura na União Europeia.

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