Internados em casa: reportagem junto de projeto pioneiro

“Enquanto puder beneficiar deste serviço maravilhoso, vou mantê-lo em casa”. Maria da Ascensão Almeida, do Seixal, referia-se ao marido, Celestino Ávila, internado devido a uma infeção urinária grave, mas que apresentava outras complicações de saúde. Graças ao projeto desenvolvido no Hospital Garcia de Orta, Maria da Ascensão pôde cumprir o seu desejo: manter o marido no conforto do lar e da sua família até ao fim, com os mesmos cuidados que teria no hospital.
Todos os dias, os doentes hospitalizados no domicílio recebem, pelo menos, duas visitas de médico e enfermeiro e, se precisarem, são transportados ao hospital para fazer exames. Além disso, estão ligados 24 horas por dia, via telefone, a uma equipa de duas dezenas de profissionais. Quando necessária, a ajuda bate à porta. Como contrapartida, não podem sair: estão à guarda do hospital e têm de cumprir algumas regras, às quais Ricardo Simões, de 72 anos, outro utente que beneficia deste serviço, diz gostar de obedecer.
Com problemas cardiovasculares, diabetes e peso elevado, Ricardo já foi internado por diversas ocasiões no Garcia de Orta, mas não pensa duas vezes quando se trata de ficar hospitalizado em casa. A esposa e a filha, ambas com complicações de saúde, são a preocupação maior deste doente que é também cuidador. “Em casa, é muito melhor: é outro conforto e a comida é muito melhor”, assegura. Quando falámos com Ricardo Simões, em finais de janeiro, estava a um dia de receber alta e passar para os cuidados do centro de saúde.
Uma ideia antiga
A unidade de hospitalização domiciliária do Garcia de Orta, a funcionar desde novembro de 2015, internou 281 doentes no primeiro ano de atividade. De início, os doentes eram recrutados à porta das urgências. Atualmente, alguns colegas já encaminham os pacientes para esta unidade. Porém,como a segurança é prioritária, nem todos são selecionáveis. Entre as patologias passíveis de serem tratadas em casa, contam-se as infeções urinárias, as pneumonias, as complicações respiratórias e as infeções da pele. Depois, as casas dos doentes, nos concelhos de Almada e do Seixal, têm de apresentar condições mínimas de salubridade e deve ficar assegurada a presença de um cuidador.
Cerca de 40 a 45 minutos é quanto podem durar as visitas. Nestas, além de cuidados médicos, surgem relações de proximidade, gratificantes para ambas as partes e com uma poupança média para o sisetma de saúde na ordem dos 1600 euros por doente. Os profissionais tratam os doentes e os familiares pelo nome, fazem piadas e tentam levar conforto. Mais do que uma profissão, é uma missão, uma arte que permite ver nas ligaduras brancas das pernas de Ricardo Simões as meias de Cristiano Ronaldo.
Mais do que o doente
A equipa acaba por não se deter apenas no doente, mas em tudo o que o envolve, o que obriga estes profissionais a manterem uma estreita articulação com outros organismos, como a Segurança Social, para sinalizarem situações problemáticas. A proximidade revela-se proveitosa: como os elementos das várias equipas se conhecem, os problemas resolvem-se mais rapidamente. A experiência mostra também que a má articulação entre os cuidados primários e os hospitais, uma crítica frequente ao nosso sistema de saúde, não é uma inevitabilidade.
No simpósio que a equipa organizou em finais de 2016, para apresentar resultados do projeto, representantes de muitos hospitais do País queriam aprender. Queriam descobrir o segredo de levar o hospital a casa dos cidadãos, algo que, de início, fazia torcer narizes de doentes e familiares. Mas, agora, já são estes a pedirem para ficarem em casa. “Está aborrecido, Sr. Ricardo?”, perguntava Sérgio Sebastião, enfermeiro responsável pelo serviço, ao perceber que, lá no meio de um humor agudo, assomava algum desalento com a sua situação. “Estaria mais aborrecido se estivesse no hospital”.