“Nem todas as mulheres devem fazer exercícios de Kegel”
Antes de fazer exercícios de Kegel ou outro treino de contração muscular, é preciso avaliar a saúde do pavimento pélvico, a superfície onde assentam os nossos órgãos. Soraia Coelho, fisioterapeuta pélvica, defende que o combate às disfunções sexuais e à incontinência urinária passa pela prevenção.
- Editor
- Alda Mota

Soraia Coelho é fisioterapeuta especialista em reabilitação pélvica e uroginecológica há mais de dez anos. Em entrevista à DECO PROTESTE, defende que o tratamento das disfunções sexuais e da incontinência urinária deve ser feito com recurso a equipas multidisciplinares que incluam não somente os médicos especialistas e o fisioterapeuta, como também outros profissionais.
A partir de que idade é preciso fazer a reabilitação do pavimento pélvico?
Costumamos dizer que o ensino sobre a saúde pélvica deveria começar com a primeira menstruação, porque assim a mulher (e o homem também) vai ter uma noção do que é a sua saúde pélvica e ter noção de pequenas alterações que possam gerar disfunções. Mas, maioritariamente, deve ocorrer em momentos-chave: caso de uma gravidez, se houver dor durante a relação sexual e quando a mulher entra na menopausa. Nesta fase em concreto é muito importante uma avaliação, por todas as alterações que ocorrem. A perda de estrogénio na entrada na menopausa faz alterar toda a componente musculoesquelética e ligamentar, e a fisioterapia pode ajudar. E, depois, sempre que existem alterações gastrointestinais. Se a mulher sofre de obstipação crónica, de endometriose, de adenomiose, de síndrome do ovário policístico, os fisioterapeutas também podem ajudar para que estas mulheres tenham uma boa qualidade de vida. É também importante noutras patologias que possam influenciar o pavimento pélvico – doenças autoimunes, por exemplo, que também levam a estas alterações: por exemplo, fibromialgia, artrite reumatoide, lúpus ou mesmo esclerose múltipla ou lateral amiotrófica. Aqui também podemos ajudar a mulher a ter uma boa qualidade de vida.
Que principais preocupações traz a menopausa à saúde pélvica da mulher?
A sexualidade da mulher durante a menopausa não é falada, e é importante. A mulher não morre no momento em que fica com a menopausa; tem todo o direito a ter uma vida sexual prazerosa. Mas a menopausa traz consigo algumas alterações físicas que podem dificultar a boa qualidade de vida ao nível sexual. Nomeadamente, atrofia muscular – que são músculos que ficam com muita dificuldade em alongar –, atrofia ao nível do tecido da vulva – que fica mais retraído e pode levar a dor –, fissuras recorrentes… Por outro lado, pode levar também a incontinência urinária e a incontinência fecal, que afetam a qualidade de vida e o bem-estar da pessoa. A mulher muitas vezes deixa de sair à rua com medo da perda de urina. Toda a gestão de um passeio é uma gestão complexa: quantas casas de banho vai haver? Será que a pessoa vai sentir? Muitas vezes isola-se também, porque tem receio de que quem esteja a seu lado sinta – ou cheire – que houve uma perda de urina. Notam-se alterações no comportamento destas pessoas no sentido de terem uma roupa cada vez mais escura, para evitarem, se tiverem uma perda, que se veja. Tudo isto deve ter um acompanhamento multidisciplinar. Seja ao nível da medicina, nomeadamente da ginecologia, com a possibilidade ou não de uma terapia hormonal de substituição, para ajudar a minimizar os efeitos que decorrem da menopausa, seja ao nível da fisioterapia – para ajudar nas alterações pélvicas – e depois outras componentes que se achem necessárias para um bom trabalho, como a nutrição, se for o caso, ou a endocrinologia. Realmente, a menopausa na vida da mulher é uma fase em que a mulher é muito desprezada: já chegaste à menopausa; não há nada que te possamos oferecer. Mas há imensa coisa.
Em que consiste a fisioterapia de reabilitação para as mulheres na menopausa?
Tudo depende do que vamos encontrar e da queixa que a pessoa nos apresente. Se estamos a falar de uma mulher que nos diz que tem uma atrofia vulvar ou atrofia vaginal, que apresenta dor durante a relação sexual, ou que sempre que tem uma relação fica com fissuras, o trabalho do fisioterapeuta vai ser no sentido do relaxamento da musculatura e para melhorar a qualidade do tecido da vulva. Temos várias técnicas ao dispor, como radiofrequência, fisioterapia dermatofuncional – que é uma fisioterapia mais estética, mas que também pode trabalhar na área vulvar –, e trabalhar também na componente musculoesquelética, para dar função. O músculo não serve só para fortalecer. Por vezes, temos de ensinar o músculo a relaxar, e assim ter uma função. Costumo dar o exemplo de uma bailarina: é uma atleta extremamente forte, mas extremamente flexível. E é assim que deve ser o nosso pavimento pélvico. Deve ter uma boa capacidade de contração, mas ao mesmo tempo ter uma capacidade de alongar e de relaxar. Se não há essa capacidade, a própria penetração é dolorosa. Vamos exigir a esse músculo um relaxamento, um estiramento, que ele não vai conseguir fazer porque está sempre muito tenso. Na parte da incontinência, é importante avaliar de onde vem. Pode ser causada pelo prolapso dos órgãos pélvicos (que é a queda do útero, da bexiga ou do reto). Podemos ter tanto uma incontinência urinária como uma incontinência fecal. Pode ser por fraqueza da musculatura pélvica, ou seja, músculos que estejam muito fracos, muito lassos, que não tenham capacidade de contrair, e aí podem levar a incontinência. Também podemos ter incontinência com músculos extremamente tensos, em que não há uma função correta do encerramento dos esfíncteres. Por isso, é muito importante essa avaliação para depois saber indicar que tipo de exercícios devem fazer-se.
Qual o melhor treino para prevenir a incontinência?
Podem ser variadas coisas. Muitas pacientes vêm a consultas de reabilitação pélvica no sentido preventivo. “Venho perceber se está tudo bem com o meu pavimento pélvico” ou “venho avaliar se preciso de fazer alguma coisa”. Porque já têm este ideal, que era o que devia estar implementado mesmo ao nível do Serviço Nacional de Saúde, de tratar a doença preventivamente. Não de tratar depois dos sintomas, quando a doença já está estabelecida. A mulher já vem no sentido de fazer apenas uma avaliação. E aí delineamos, se for o caso, um plano, ou – tudo OK, vida normal – é para continuar a fazer o que faz. Para prevenir a incontinência, sobretudo na menopausa, como há as alterações hormonais, é muito importante trabalharmos no sentido da prevenção. É importante a mulher fazer exercícios que estejam virados para as suas necessidades. Os exercícios de Kegel poderão, em caso de necessidade, ser realmente uma boa opção. Manter uma boa atividade física também é importante – nos dias de hoje, é uma das grandes falhas que temos enquanto sociedade, realmente não temos muito tempo para a atividade, e para a mulher o exercício físico é fulcral. Sabemos que muitas vezes com a menopausa vêm algumas patologias associadas – como a osteoporose, ou a osteopenia [perda de densidade óssea precoce] –, e o exercício físico minimiza muito esta fraqueza resultante desta vulnerabilidade óssea. E também é essencial trabalhar-se essa componente em conjunto com a área pélvica, sem exageros. É muito importante ter em atenção os sinais de alerta de que alguma coisa que não está bem. Tal como fazemos frequentemente o Papanicolau e as mamografias, é preciso agir se sentimos que alguma coisa não esteja bem.
Que sinais de alarme devem levar uma mulher a procurar ajuda?
Sempre que tiver uma perda, tanto de urina como de fezes, ou mesmo dificuldade em suster os gases, por exemplo, deve procurar ajuda nesse sentido. Se tiver dor à penetração – este é um problema gritante na nossa sociedade; temos cada vez mais mulheres com disfunção sexual que não sabem que poderiam ter ajuda, e é muito importante perceber que existe ajuda no caso de dor sexual e que esta situação tem de ser avaliada, e existe tratamento para tal. Há ainda a dificuldade em atingir o orgasmo, que também ocorre quando há muita tensão pélvica; esta mulher sente que está sempre no limbo, sente prazer, mas tem muita dificuldade em atingir o orgasmo. Também sempre que ao fazer exercício físico haja desconforto na zona da anca, é muito importante esta avaliação pélvica. Porque a anca está interligada com toda a musculatura pélvica. Com a fisioterapia, há uma melhoria ao nível da flexibilidade e da força. Por exemplo, para mulheres que tenham hiperlordose [no caso, aumento da curvatura da coluna lombar], mulheres que tenham passado por uma remoção do útero, ou mesmo uma histerectomia total, a reabilitação pélvica é essencial. Porque vai outra vez ensinar esta estrutura a funcionar sem esse suporte que seria o útero. E em casos de endometriose, adenomiose, porque conseguimos devolver alguma qualidade de vida a estas pacientes, devido às aderências que decorrem da patologia em si; conseguimos melhorar a qualidade de vida e minimizar a dor, e estas mulheres conseguem ter ciclos menstruais um pouco mais curtos, com menos dor e mais funcionalidade. Sobretudo na menopausa, um dos sinais de alerta que costumo indicar às minhas pacientes é: não é muito normal estarmos sempre a sentir um peso no nosso baixo-ventre, como se estivéssemos sentadas em cima de uma bola. Esse pode ser um dos sinais de que esta mulher pode estar a ter um prolapso dos órgãos pélvicos. E para estes prolapsos, se forem classificados como grau 1 ou grau 2, e se forem tratados precocemente, a fisioterapia é a única linha de tratamento. E aí conseguimos melhorar drasticamente. Se chegamos ao ponto em que a mulher sente – por exemplo, quando se lava – que alguma coisa está a sair pela zona pélvica, aí já podemos estar num risco de grau 3. E isso significa que, possivelmente, o tratamento poderá ter de passar por cirurgia.

Que maus hábitos podem favorecer este tipo de situações?
Por exemplo, passar muitas horas sem ir à casa de banho ou viver com obstipação crónica. A obstipação crónica é um dos principais fatores que levam a uma incontinência de futuro, pois o pavimento pélvico está sempre sob tensão, está sempre sob pressão, e tem muitos movimentos no que toca à evacuação. A própria maneira como vamos à casa de banho é errada: sempre que vamos à casa de banho, seja para urinar, seja para evacuar, devíamos usar um banco por baixo dos nossos pés para estes estarem mais elevados e assim haver um relaxamento da musculatura pélvica. Essa é a posição adequada. Quando fazemos esse movimento de flexão estamos a relaxar a musculatura pélvica. Ora, a posição comum na casa de banho e na sanita é uma posição que fecha a musculatura pélvica, vai encerrar a zona da ampola retal. E, claro, evitar aqueles movimentos que conhecemos de fazer força para evacuar. Fomos ensinados a fazer força para evacuar, mas esse ensino está incorreto; não deveríamos fazer força para evacuar, tal como não devíamos bloquear a respiração para fazer força, porque isso abaúla o pavimento pélvico. Se estás a fazer força para baixo e estás constantemente a alongar os tecidos, chega ao ponto em que os tecidos também vão ceder. Depois, o exercício de impacto, e o facto de as mulheres já muitas vezes relatarem perdas de urina no exercício de impacto e menosprezarem o problema, porque “é normal ter-se perdas de urina com exercício físico”. Ora, nunca é normal ter perdas de urina. Seja onde for, não é normal haver perda de urina. O normal é poder tossir, rir, saltar, pular, pegar em pesos, fazer uma cambalhota e não ter uma perda de urina. Quando há perda, existe um problema, que tem de ser avaliado, tem de ser tratado, e não deve ser menosprezado. É comum nas primeiras semanas após um parto uma mulher ter perda de urina por causa do percurso do parto vaginal. Já não é normal uma mulher com um, dois meses de pós-parto ainda ter perdas de urina. Como também não é normal uma mulher no pós-menopausa ter perdas de urina. Não é porque entrou na menopausa que tem de ser normal. Pode ser comum, mas não é normal.
Em que sentido fazer exercício físico na menopausa é benéfico?
Uma mulher que é ativa ao nível do exercício físico é uma mulher que vai ter mais força, melhor tónus, mais resistência. O tipo de exercício depende de pessoa para pessoa, daí a importância de uma boa avaliação e de um exercício físico adequado. Várias pessoas me perguntam se sou contra o cross fit. Não, acho que é um treino excelente, bastante completo. Agora não é para todas as pessoas. Se há uma pessoa que nunca praticou exercício físico na vida e vai começar com o cross fit e depois apresenta perdas de urina e continua a fazê-lo, isso significa que não é de todo adequado. Se é uma pessoa que já tem prática de exercício, e está a fazer cross fit e não tem sinais nenhuns, é um exercício que está bem adaptado. Como em tudo, é preciso adaptar o exercício ao estilo de vida e à pessoa que temos à nossa frente. Mas o exercício físico está mais do que provado que é benéfico na mulher. Mesmo na menopausa, o exercício de carga – por exemplo, pesos – minimiza as consequências da osteoporose. Agora é preciso adaptar. Será que vamos fazer 50 quilos? Se calhar, não: começamos com pesos de dois, três quilos, por exemplo. E há benefícios em fazer exercício como pilates, ou ioga. Mesmo as caminhadas já são suficientes para haver uma boa qualidade de vida.
Qual a importância do tratamento multidisciplinar do pavimento pélvico?
Em qualquer área da saúde, o trabalho deve ser sempre multidisciplinar. Por exemplo, só o fisioterapeuta não é suficiente para tratar uma disfunção sexual. O fisioterapeuta trabalha a componente músculo e a componente física. Depois há que articular com um especialista em sexologia – que ajuda na componente mais psicossomática e emocional – e com os médicos de referência, que ajudam no acompanhamento, porque pode haver alterações hormonais, entre outras questões aqui envolvidas. E pode ser necessário trabalhar também a postura, e aí encaminhamos para outro profissional, ou pode haver necessidade de se fazer um acompanhamento ao nível da prática desportiva, e tratamos do direcionamento também.
A classe médica reconhece a importância da fisioterapia na reabilitação do pavimento pélvico?
Sim. Cada vez mais temos recomendação direta dos médicos para começar a reabilitação pélvica, porque já veem a saúde do ponto de vista preventivo. Ginecologistas, urologistas, obstetras, gastroenterologistas, proctologistas, médicos de família já reencaminham para fisioterapia.
E o fisioterapeuta encaminha para o médico especialista?
Claro. Há mulheres que não fazem os seus exames normais, bianuais, por exemplo, e nós encaminhamos para lá. Ou, se já tiveram experiências negativas com outros médicos, evitam ir ao médico. Aí defendemos que a avaliação ao nível da ginecologia, da urologia ou mesmo da andrologia, no caso dos homens, é extremamente importante. Precisamos de avaliar se existem componentes de alteração ao nível hormonal, se é uma boa candidata para fazer alguma terapia de substituição hormonal, seja ela qual for. Há mulheres que têm de fazer substituições ao nível da testosterona, com patches [adesivos], por exemplo, ou vapor, ou óvulos de ácido hialurónico ou mesmo estrogénio – no caso de mulheres que tenham uma diminuição significativa da sua lubrificação após a menopausa –, que ajudam na normalização desse tónus e dessa estrutura vaginal. Portanto é muito importante essa avaliação. Enquanto fisioterapeutas, não é da nossa competência passar medicação; isso é mesmo da competência médica. Daí que este trabalho multidisciplinar seja muito importante. Há coisas que, se calhar, vemos, que a paciente não falou com o seu ginecologista, que achou que era normal e não valia a pena verbalizar. Acontece-nos isso, por exemplo, nas fissuras vaginais. “Há muito tempo que as tenho, já são normais, isto já faz parte da casa.” Não! Há coisas que podemos melhorar. A médica pode ajudar-me a passar um creme que ajude a cicatrizar o tecido e que melhora a qualidade do tecido. E nós aqui na fisioterapia vamos trabalhando a parte musculoesquelética.
Que tipo de exercícios as mulheres devem fazer?
Vamos supor que há uma mulher que suspeite que tem uma fraqueza muscular. Aí aconselho sempre a avaliação, sem dúvida. Isso vai dar-nos as respostas do exercício correto. Por exemplo, os exercícios de Kegel, ouve-se muitas vezes que todas as mulheres os devem fazer, mas é um mito. Nem todas os deviam fazer. Mas os exercícios de Kegel, se forem necessários, podem ajudar imenso a fortalecer o pavimento pélvico e melhorar no que toca à incontinência urinária, à incontinência fecal e mesmo aos prolapsos dos órgãos pélvicos, do útero, da bexiga ou do reto. Se estamos a falar da necessidade de alongamento, então há exercícios que envolvem alongamento ao nível da pélvis, de abertura, de respiração. Por exemplo, o ioga é uma boa técnica de exercício de alongamento. E também se trabalha esta perceção corporal do relaxamento pélvico, exercícios de respiração. Se a mulher se sentir confortável com o seu toque pessoal, pode tentar colocar o seu dedo no interior da vagina, perceber se sabe contrair, perceber se sabe relaxar, e trabalhar um pouco nesse sentido. Mas uma das coisas que devem ser absolutamente evitadas, independentemente da situação, é, por exemplo, a mulher tentar fazer os exercícios de Kegel quando está a fazer chichi. Muitas fazem isso: tentar parar o fluxo de urina para assim trabalharem a força pélvica. É um erro. E é um erro grave, porque traz problemas sérios à mulher: alterações dos padrões de micção, infeções urinárias...
E qual a importância da reabilitação do pavimento pélvico também nos homens?
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Para continuar a ler, basta entrar no site ou criar uma conta (disponível para subscritores e não-subscritores).Muita! A mesma das mulheres. Nas questões de hiperplasia (aumento) da próstata, conseguimos dar um pouco mais de função nesta componente. E, na prostectomia radical, era muito importante que estes homens, mal tivessem alta da cirurgia, começassem com a reabilitação pélvica com um fisioterapeuta. Não só fazer como muitas vezes ouvimos, que lhes foi ensinado, verbalmente, a contraírem os músculos, mas haver uma reeducação muscular.
Existe tabu em relação ao tratamento?
Não creio que haja tabu em relação ao tratamento, porque as pessoas até aderem muito bem quando explicamos o que vamos fazer, porque sabem que vão ter um resultado depois. Quando se começou a falar, há uns 10, 15 anos, de reabilitação pélvica, sim, havia muito tabu. Nos dias de hoje, já não sinto esse tabu, nem sequer pelos homens. Os homens já vêm muitas vezes procurar ajuda, porque não querem ter uma perda de urina. Temos homens a fazer prostectomias com 60, 65 anos. Para os homens com essa idade, com o ideal que temos em termos de homem na sociedade portuguesa, é extremamente redutor apresentar perda de urina. Eles próprios já vêm procurar ajuda nesse sentido para melhorar a incontinência urinária.
Há problemas resultantes do sexo na terceira idade?
Não há idade para o sexo. Desde que a pessoa se sinta confortável e bem, porque não? Daí termos os problemas que temos ao nível da terceira e da quarta idade, muitas vezes nos lares. Há um aumento significativo das doenças sexualmente transmissíveis ao nível da população mais envelhecida porque não há uma educação sexual nestas pessoas e há um assumir que as pessoas a partir de certa idade não têm contacto sexual, o que é mentira. As pessoas devem usufruir da sua sexualidade, e esse é o grande tabu da nossa sociedade: maioritariamente nas mulheres, após a menopausa, a sexualidade acabou. Ninguém fala com as mulheres sobre a sua sexualidade após a menopausa. Morreu. Às vezes temos mulheres a entrarem na menopausa nos seus 50, 55 anos, e assume-se que essa mulher não tem vontade, não tem desejo, e é perfeitamente mentira. Claro que depois, por vezes, deixa de o ter por componentes que ela não está a conseguir ultrapassar. Ninguém vai querer ter uma relação sexual com dor. Ninguém vai querer ter uma relação sexual que resulte em fissuras de cada vez que tem uma relação. Ou que tenha perda de urina porque tem o músculo muito fraco. Agora estamos a falhar com estas mulheres. Estamos a assumir uma coisa que é mentira em vez de lhes dar o apoio para ter uma boa função.
O tratamento da disfunção sexual deve ser individual ou feito a dois?
Quando há um casal, faz sempre sentido ser a dois. E é uma das questões que colocamos sempre na clínica, desde que a pessoa se sinta confortável com a ideia, porque há casais e casais. Explicamos que é sempre importante haver uma comunicação do casal e, como tal, o trabalho ser feito sempre a dois. No sentido em que explicamos estratégias que podem utilizar como casal. Vamos supor: se há uma mulher, ou mesmo um homem, que sofre de dor na relação sexual – porque há homens que sofrem de dor com a ereção –, vamos dar estratégias a este casal para ajudar a ultrapassar a dor. No caso da penetração, é importante que o companheiro ou a companheira que esteja com esta pessoa saiba que, se calhar numa forma inicial, o sexo penetrativo não é tão benéfico, pois vai gerar ali alguns triggers [gatilhos], e a pessoa fica tensa. Então vamos estimular de outras formas, vamos ajudar de outras formas. Vamos utilizar brinquedos, vamos utilizar toque. É importante que haja sempre esta comunicação entre os parceiros.