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“As famílias portuguesas estão menos endividadas do que antes da pandemia”
Há 5 meses - 18 de abril de 2023
Para Mário Centeno, baixar os impostos não é solução para estimular a economia nacional.
O governador do Banco de Portugal garante que a situação financeira dos portugueses era pior antes da pandemia.
Para Mário Centeno, baixar os impostos não é solução para estimular a economia nacional. Teria um efeito inflacionista.
Em março, ocorreu a falência do SVB e de outros dois pequenos bancos norte-americanos. De seguida, surgiram os problemas do Credit Suisse. É o prenúncio de uma nova crise bancária? Considera que os bancos europeus são mais sólidos do que os americanos?
A situação do sistema bancário europeu é muito diferente da de 2008/2009.
Em resultado de todo o quadro institucional que foi implementado, designadamente com a criação do Mecanismo Único de Supervisão, da atuação dos reguladores e supervisores e do enorme esforço na redução do risco, os bancos da área do euro e, em particular, em Portugal estão agora mais sólidos e resilientes.
As suas posições de capital e liquidez foram reforçadas, estando agora muito acima dos requisitos mínimos.
A situação nos Estados Unidos mostra-nos o que pode acontecer quando existe uma implementação pouco harmonizada do quadro regulamentar de Basileia, que atualmente funciona como a referência a nível global em termos de regulamentação, supervisão e gestão do risco bancário. Esta situação é distinta da que se passa na Europa.
Por outro lado, as fragilidades do Credit Suisse já eram conhecidas. A solução encontrada pelas autoridades suíças permitiu limitar o contágio.
Mas, devemos ter presente a turbulência que se gerou nos mercados financeiros e que se tem esbatido com o evoluir do tempo. As autoridades, onde se inclui o Banco de Portugal, aumentaram os seus níveis de alerta e reforçaram a monitorização.
Devido a estes acontecimentos, voltou a falar-se de União Bancária na Europa, que apenas avançou com o mecanismo único de supervisão e o de resolução. O fundo de garantia de depósitos europeu não saiu ainda da gaveta. Acredita que este projeto é viável e será implementado em breve?
Estes acontecimentos reforçaram a importância de completar a União Bancária. No enquadramento institucional atual, o reembolso dos depósitos cobertos (até 100 000 euros por titular) cabe aos sistemas de garantia de depósitos nacionais, não assegurando uma harmonização plena na proteção dos depósitos existentes no sistema bancário europeu.
Tem sido muito o trabalho em torno de um desenho consensual do Mecanismo Europeu de Garantia de Depósitos. Contudo, os avanços têm sido muito lentos.
Isto não significa que o enquadramento atual não funciona. Ele funciona. Existem interligações entre os diferentes sistemas de proteção de depósitos a nível europeu.
Mas, a Europa deveria aproveitar este momento para avançar nestes trabalhos e tornar o enquadramento mais eficiente. Às vezes estes eventos de turbulência são propícios a avanços.
Está convicto de que há espaço no setor bancário português para fusões e aquisições. É inevitável que os bancos portugueses sejam engolidos por estrangeiros? Não considera haver já uma excessiva concentração na banca portuguesa, em que os cinco maiores bancos detêm mais de 80% do mercado?
A consolidação do sistema bancário europeu, e também português, resulta do interesse dos participantes de mercado que deverá refletir potenciais sinergias que tornarão a nossa banca mais competitiva a nível internacional.
A rendibilidade e a eficiência da banca portuguesa melhoraram significativamente nos últimos anos. Terminámos, com sucesso, dois processos de reestruturação, o da Caixa Geral de Depósitos e, mais recentemente, o do Novo Banco, o que nos deixou numa posição mais competitiva.
Contudo, temos de estar conscientes que a dimensão dos nossos bancos numa perspetiva internacional é reduzida, o que se pode traduzir num desafio para explorar economias de escala.
Por isso, como tenho vindo a referir, considero haver espaço para a consolidação da banca nacional, que seja definida pelas condições de mercado. Existe interesse em participar num sector com bancos sólidos e resilientes. E, todos temos a ganhar com uma banca mais eficiente e competitiva.
A melhoria da eficiência dos bancos portugueses não implica apenas uma redução dos custos operacionais, permite também uma maior eficiência no serviço prestado aos seus clientes.
Enquanto supervisor, utilizaremos os instrumentos de supervisão prudencial e comportamental disponíveis que promovam uma partilha desses ganhos de eficiência com os clientes.
Há comissões excessivas que são cobradas pelos bancos e não correspondem à efetiva prestação de um serviço. Não deveria ter um tom mais crítico junto das instituições bancárias sobre esta matéria?
O Banco de Portugal tem vindo a ter uma atuação fiscalizadora muito intensa ao nível do comissionamento bancário. Em 2022, na sequência dessa atuação foram devolvidos aos portugueses 2,8 milhões de euros de comissões indevidamente cobradas.
Adicionalmente não poderia deixar de destacar todo o contributo para a redução da assimetria de informação neste domínio, nomeadamente com a disponibilização do comparador de comissões no Portal do Cliente Bancário.
Por que razão os bancos portugueses são os que, na Zona Euro, menos pagam pelos depósitos?
Quanto à evolução das taxas dos depósitos, a dinâmica de subida já foi iniciada. A taxa de juro média tem vindo a subir e neste momento é de 0,65%, tendo determinados bancos taxas médias superiores a 1 por cento. É um processo que deverá continuar.
Em dezembro, esperava que o BCE suavizasse a subida das taxas, que, na altura rondavam os 2%. Nos EUA, há já um abrandamento. Contudo, na Europa, Christine Lagarde admitiu, no início de março, que as taxas podem chegar este ano aos 4%. Justifica-se? Segundo o prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, a inflação está a ser combatida de forma errada. Afirma que o alvo de 2% é totalmente arbitrário, tal como o tempo para lá chegar, sendo o custo muito alto.
A inflação na área do euro está a dar sinais de abrandamento. De 10,6% em outubro de 2022 passou para 6,9% em março deste ano. Cinco meses consecutivos de descida.
Para o futuro, o Banco Central Europeu prevê 5,3% em 2023, 2,9% em 2024 e 2,1% em 2025.
Outro aspeto importante é que a inflação caiu mais do que esperávamos em dezembro de 2022. Hoje temos um perfil de inflação, ao longo de todo o horizonte de projeção, inferior ao previsto anteriormente. Estamos no bom caminho.
Todos estes indicadores são favoráveis a uma estabilização do processo de subida de taxas de juro por parte do BCE. Contudo, para lá da eventual paragem deste processo, o nível das taxas de juro deverá manter-se até ser evidente que o objetivo de médio prazo de 2% de inflação é alcançado.
Por outro lado, no longo prazo, um cenário de taxas de juro negativas não é plausível, nem desejável.
Como já tenho referido, as taxas de juro aumentaram muito rapidamente. No curto período que vai de julho de 2022 a março de 2023 aumentaram 350 pontos base.
Agora, devemos ser pacientes para permitir que os preços incorporem esta subida e para que os agentes económicos se adaptem. A transmissão da política monetária é um processo contínuo e de efeito desfasado. Não podemos esperar efeitos imediatos.
A decisão de política monetária a tomar em maio será alimentada pelos desenvolvimentos económicos e informação/indicadores disponibilizados até lá.
Seguiremos o que acordamos como a estratégia de política monetária, uma análise minuciosa dos indicadores económicos, financeiros e monetários.
Stiglitz disse ainda que a Fed e outros bancos centrais não tiveram em conta o ajustamento tão rápido do mercado de trabalho. Numa situação de quase pleno emprego, os rendimentos reais deveriam subir. Contudo, está a acontecer o contrário. Porquê?
A parte mais relevante do funcionamento atual da economia portuguesa é que o emprego está em níveis máximos. Temos hoje mais 122 mil empregados face ao anterior máximo de 2019.
A economia portuguesa está a crescer. A atividade económica já excedeu a de 2019, sendo superior ao seu potencial em 1,5%. Temos uma taxa de desemprego que está abaixo do nível natural de desemprego.
Temos os salários nominais a crescer. O endividamento dos particulares em percentagem do rendimento disponível está a convergir para os valores pré-pandémicos, tendo atingido 83,8% em 2022 (83,2% em 2019).
Para o futuro, prevê-se que a economia portuguesa cresça 1,8% em 2023 e 2% em 2024 e 2025, continuando a convergir para a área do euro.
O maior crescimento da atividade em Portugal reflete o dinamismo das exportações de serviços, a manutenção de ganhos de quota nos mercados externos, a retoma do investimento ― beneficiando do maior recebimento de fundos ― e o crescimento da produtividade, associado ao aumento das qualificações da população.
O mercado de trabalho deverá manter-se robusto, projetando-se a manutenção do emprego em níveis elevados e ganhos de salário médio real, o que sustenta o rendimento disponível das famílias.
Em termos reais, prevê-se que os salários por trabalhador no setor privado aumentem 1,3% em 2023. E em 2024–25, espera-se um crescimento médio dos salários reais de 2,2%, aproximadamente em linha com a produtividade.
O endividamento das famílias, que havia baixado em 2019, voltou a subir recentemente, e a taxa de poupança, em Portugal, é cerca de metade da média Europeia. São ou não essenciais mecanismos de estímulo à poupança das famílias?
O abrandamento dos preços e o crescimento dos salários por trabalhador contribuem para um aumento do rendimento disponível real de 1,8%, em média, em 2024–25.
Num contexto de menor incerteza, o consumo privado cresce 1,2%, em média, continuando o processo de recuperação da taxa de poupança para um nível próximo do pré- pandemia.
Tratando-se de valores médios, teremos sempre de considerar situações diversas. Contudo, para os mais vulneráveis esta diminuição terá sido compensada pelas medidas de apoio público que têm vindo a ser adotadas, em especial as adotadas no quarto trimestre de 2022.
Teme que o crédito malparado relacionado com o crédito à habitação aumente e coloque em causa a solidez da banca em Portugal?
Hoje são inúmeros os fatores que mitigam o risco de incumprimento dos particulares, levando a situação atual a não ter comparação com a observada na crise de dívida soberana.
Pela sua importância, destaco a redução da dívida líquida de depósitos, que só entre 2019 e 2022 caiu cerca de 9 mil milhões de euros. Hoje as famílias portuguesas estão menos endividadas do que antes da pandemia.
A dívida das famílias em percentagem do PIB reduziu-se de 94% em 2009 para 63% em 2022 (-31 pp). E o serviço dessa dívida, que em 2009 representava 12% do rendimento disponível, era em 2022 de 7%.
Temos hoje menos 16% de famílias com crédito à habitação, estando este concentrado em famílias de classes de rendimento mais elevado. Continua também a observar-se uma melhoria do perfil de risco dos mutuários das novas operações de crédito à habitação.
E, finalmente, como tem vindo a acontecer de forma sistemática desde 2016, o rácio de empréstimos non-performing mantém a sua trajetória de redução.
No caso do crédito à habitação, no quarto trimestre de 2022 o rácio foi apenas de 1,1%, tendo continuado a reduzir-se mesmo no período pandémico (foi -1,3 pp do que em 2019 e menos 6,3 pp do que o seu valor máximo do primeiro trimestre de 2016).
Apoios sociais às famílias são mais importantes do que a descida do IRS, defende Álvaro Santos Pereira, economista-chefe da OCDE. Não seria preferível baixar os impostos, para aliviar os orçamentos dos agregados familiares e assim estimular a economia?
As políticas devem ser contraciclícas. Este é um princípio elementar em economia. A sua não observância no passado levou a que o país não estivesse preparado para dar as respostas que as crises económicas exigem.
A única exceção foi a crise pandémica, onde o país e a Europa, tinham margens orçamentais e financeiras para produzirem políticas contracíclicas. Foram estas que permitiram retomar rapidamente níveis de produção perdidos em poucos meses de pandemia.
No contexto atual, a política deve obedecer a este princípio, ser também orientada para a produtividade e em reduzir a elevada dívida pública.
Estimular a economia do lado da procura através da redução generalizada dos impostos iria ter um efeito inflacionista que desaconselho na atual conjuntura.
A desaceleração da economia portuguesa não o preocupa? Praticamente não há investimento público, por exemplo.
Como experienciámos na última década, um dos elementos-chave para o crescimento económico sustentado da economia portuguesa tem sido a redução do endividamento público e privado.
Os efeitos de credibilidade para o país desta trajetória de redução foram transmitidos a todos os sectores - bancário/financeiro, empresas, famílias e Estado.
As melhorias nas notações de crédito da dívida soberana têm tido associadas menores custos de financiamento, aumentando a competitividade da economia portuguesa e permitindo-nos investir mais.
Defende que se devem tomar decisões, quer salariais quer de margem de lucros e de política orçamental, que sejam compatíveis com a estabilidade de preços no médio prazo. Contudo, o aumento das margens de lucros das empresas é muito mal interpretado pela sociedade. Porquê?
As vantagens percecionadas de um ponto percentual a mais nos salários ou nas margens de lucro ou de uma política orçamental que não seja temporária e dirigida apenas aos mais vulneráveis, são mais do que anuladas pelos efeitos negativos provocados pela inflação acrescida que lhes está associada e pelo prolongamento da política monetária (mais) restritiva.
Existindo já evidência da descida de preços da energia, matérias-primas e produtos alimentares a nível internacional, antecipa-se que seja transposta e observada nos preços para os consumidores portugueses.
Não devemos permitir que os efeitos de segunda ordem decorrentes dos salários e das margens de lucro adiem este processo.
Neste momento, há, de acordo com a Mckinsey, 87 bancos centrais a desenvolver moedas digitais (CBDC). Prevê-se uma mudança radical no sistema monetário? É o fim do dinheiro físico como o conhecemos? Quais as vantagens destas chamadas “Fiat currency”?
Se vier a ser emitido, o euro digital constituirá uma nova forma de moeda de banco central, que complementará o numerário e, tal como este, será um meio de pagamento. Não o substituirá.
O euro digital permitirá preservar o acesso do público à moeda de banco central, acessível a toda a população da área do euro, preservando a sua relevância nos pagamentos.
Os cidadãos poderão converter dinheiro em euro digital em qualquer momento, preservando a função da moeda como unidade de conta.
Paralelamente, o euro digital protegerá a autonomia estratégica dos pagamentos europeus, bem como a soberania monetária, ao aumentar a independência face a soluções e infraestruturas de pagamento não europeias.
Com o euro digital, os cidadãos poderão fazer pagamentos rápidos e seguros na área do euro.
O euro digital promoverá também a inovação nos sistemas de pagamentos, permitindo aos intermediários oferecer serviços adicionais de pagamento baseados no euro digital.
Entrevista de Myriam Gaspar e João Sousa.
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