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“Os investidores já estão focados na retoma”
Há 3 meses - 12 de dezembro de 2022
João Sousa é analista financeiro e coordenador da Proteste Investe.
O que podem esperar os investidores dos mercados financeiros em 2023? O analista sénior e coordenador da PROTESTE INVESTE, João Sousa, responde.
Que balanço faz de 2022?
Para os investidores que estavam habituados aos ganhos das bolsas nos últimos anos, 2022 foi difícil. Ainda que a recuperação no quarto trimestre permita mitigar um pouco os danos, no conjunto das principais bolsas, a queda deste ano é severa. Os mercados bolsistas foram penalizados pela guerra na Ucrânia e pela inflação elevada. Nos Estados Unidos, desde o início do ano, o rendimento do índice S&P 500, incluindo dividendo reinvestido calculado em euros, traduziu-se numa perda de 5,8 por cento. O Nasdaq ficou, claramente, no vermelho ao cair 19,8 por cento.
Na Europa, após uma queda muito acentuada, os mercados já mitigaram um pouco os danos. O índice europeu STOXX Europe 50 regista, até 2 de dezembro, um rendimento acumulado de 2,9 por cento. Todavia, a bolsa de Frankfurt caiu 8,5 por cento, e Paris perdeu 2,9 por cento. Depois de vários anos com desempenhos bastante inferiores à média das bolsas europeias, a praça lisboeta, em contraciclo com as suas congéneres, destaca-se pela positiva (8,9 por cento, com dividendo incluído), beneficiando do peso muito significativo do setor de energia no índice PSI.
Quais são as perspetivas para 2023?
Permaneceremos atentos às tensões geopolíticas, à crise energética na Europa e à inflação de ambos os lados do Atlântico, com a perspetiva de um possível abrandamento do ritmo de subida das taxas de juro pelos bancos centrais. Se a Reserva Federal norte-americana alterar a sua política monetária, as nuvens negras poderão desanuviar, lentamente, em 2023. Contudo, não esperamos políticas orçamentais públicas muito expansionistas, para apoiar a economia.
Na zona euro, estamos a caminhar para uma recessão devido à significativa perda de poder de compra dos consumidores e à subida das taxas de juro. Mas a sua duração e a sua intensidade são ainda uma incógnita crucial. Em termos de crescimento económico, os últimos meses de 2022 e o primeiro trimestre de 2023 ficarão no vermelho. Para o conjunto do próximo ano, o crescimento do PIB deverá ser de 0% contra 1,7%, em 2022.
Não estamos, por isso, muito otimistas quanto ao vigor da recuperação em 2024. Prevemos apenas 1 por cento. Haverá também muita incerteza sobre o abastecimento de hidrocarbonetos, sobretudo gás, no inverno de 2023. Isso irá pesar na confiança dos agentes económicos. Quanto ao custo do dinheiro, o aumento das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu permanecerá na ementa para reduzir a inflação, que continua muito elevada. No entanto, esperamos um ritmo de subida de taxas menos agressivo, mais lento do que nos últimos meses, especialmente se o euro estabilizar ou subir face ao dólar.
Nos Estados Unidos, uma aterragem suave da economia em 2023, cenário desejado pelo banco central, continua a ser possível?
Sim, apesar do aumento das taxas de juro e da deterioração do mercado imobiliário. Com efeito, o país não terá de gerir uma tão forte subida dos preços da energia como a Europa. Esperamos um crescimento do PIB norte-americano de 0,5% em 2023 (contra 1% em 2022), e de 1,7% em 2024.
Os recentes indicadores económicos sugerem que o pico da inflação nos Estados Unidos já foi atingido. Se esta tendência se mantiver, é uma boa notícia para a evolução das taxas de juro, cujo ritmo de subida também deverá abrandar.
Depois de o euro ter caído face ao dólar norte-americano, a moeda única progrediu ligeiramente face ao greenback, na sequência do último discurso mais acomodatício da Fed. O diferencial das taxas de juro tem beneficiado o dólar face ao euro, mas essa tendência poderá inverter-se à medida que a diferença dos juros se vai atenuando. No futuro, o euro poderá até apreciar-se face a um dólar que se tornou um pouco caro. Mas o movimento será de pouca amplitude. As perspetivas económicas para a zona euro não favorecem um aumento mais vigoroso.
O que esperar dos mercados de capitais?
Sem novas grandes derrapagens dos preços, as ações americanas ainda podem subir, especialmente porque não as consideramos, como um todo, caras. As ações estão avaliadas em 17,5 vezes os lucros esperados, ou seja, o rácio da cotação sobre o lucro por ação estimado, em inglês o price earnings ratio (PER). É certo que existe o risco de recessão, mas os mercados já estão, em parte, a descontar esse efeito.
Os mercados de ações continuarão sensíveis aos indicadores económicos, às evoluções de taxas de juro da Fed e aos ganhos das empresas. Em nossa opinião, é este último ponto que ainda pode causar as surpresas mais desagradáveis no caso de uma recessão mais severa em 2023. Convém ficar de olho no custo da relocalização de unidades produtivas das empresas em solo norte-americano.
E as bolsas europeias?
A situação parece mais difícil. Do ponto de vista económico, a recessão e a crise energética irão levar a uma forte queda dos lucros das empresas. Por conseguinte, é provável que, nos próximos meses, os analistas, ou até mesmo as próprias empresas, venham a comunicar surpresas desagradáveis, como revisão em baixa das estimativas ou avisos sobre os lucros, o que ainda não está bem incorporado no atual preço das ações. Isto pode fazer baixar o seu preço, mesmo que a avaliação atual das ações pareça baixa: em média, 12 vezes os lucros estimados.
Fundamentalmente, o aumento dos custos energéticos e a sua manutenção em níveis elevados diminuem o poder de compra dos consumidores e penalizam, em simultâneo, a competitividade das empresas europeias. Algumas já estão a rever em baixa os seus planos de investimento na Europa. A degradação dos fundamentais económicos da zona euro só vem reforçar a nossa decisão de continuarmos sem exposição aos fundos de ações da zona euro.
A volatilidade irá permanecer elevada nos mercados de ações. Com efeito, não temos razões para pensar que irá diminuir muito no próximo ano. Isso não é necessariamente mau, porque pode dar aos investidores novos pontos de entrada nos mercados. Regra geral, é importante a diversificação em qualquer estratégia de investimento.
As bolsas já corrigiram tudo?
Assistimos a uma grande queda, mas sem capitulação por parte dos investidores. Este é um sinal de que acreditam na capacidade de recuperação dos mercados. Por norma, os mercados antecipam a economia com cerca de seis a doze meses de avanço, pelo que é natural os investidores já estarem focados na retoma que surgirá após a crise atual. Apesar da recuperação de outubro e novembro, não se pode excluir, totalmente, novas correções, dado os níveis dos lucros das empresas, no próximo ano, poderem, como referi, serem revistos em baixa.
Contudo, há que estar atento às oportunidades e ir entrando nos mercados de forma gradual, sem pressas. É impossível conseguir determinar, com exatidão, o momento preciso de viragem para entrar. Mas o nível atual oferece boas oportunidades aos investidores com um horizonte temporal de longo prazo, ou seja, cinco ou mais anos. A volatilidade elevada permitirá pontos de entrada aos investidores que querem correr um pouco mais de risco na perspetiva de um pouco mais de retorno.
A inflação já terá atingido o pico? Não receia mais subidas das taxas?
Chegamos a um momento em que até as más notícias para a economia são boas notícias para o mercado acionista. O objetivo dos bancos centrais é combater a inflação elevada e a isso ajuda a deterioração dos indicadores económicos. Assim, nos Estados Unidos, o abrandamento da economia a que assistimos é favorável para as bolsas, porque é acompanhada por menores pressões inflacionistas. Menos pressões sobre os preços desincentivam os bancos centrais a continuarem a aumentar, agressivamente, as taxas de juro.
A inflação ainda continuará elevada, sobretudo na Europa, mas os últimos indicadores deixam antever que o seu pico poderá já ter sido atingido. Assim, em 2023, a questão das subidas de taxas de juro será menos preocupante. Todavia, as atenções serão redobradas sobre o vigor do crescimento económico e, mais concretamente, o potencial da recuperação na segunda metade do ano.
Então, há luz verde para investir em ações?
Para quem ainda não está exposto ou terá investido pouco em ações, o declínio nos mercados bolsistas e a volatilidade elevada oferecem grandes oportunidades para construir ou reforçar, fortalecer, uma carteira de ações. Seja através do investimento direto ou de fundos de ações.
No que respeita aos fundos, aconselha-se investir em nomes com provas dadas no passado, e que tenham baixos custos de gestão.
Quanto às ações individuais, o investidor deve focar-se em ações de empresas sólidas, que estão muito bem estabelecidas no seu mercado.
Se já investe fortemente em ações, é preciso ter cuidado para não ficar excessivamente exposto. Por último, mas não menos importante, o investidor deve aproveitar a rápida recuperação dos mercados bolsistas, para vender ativos que se tornaram caros ou que passaram a assumir demasiado peso na carteira de investimentos, ou ainda cujo nível de risco já não corresponde ao que espera dos seus investimentos.
Sempre numa perspetiva de longo prazo, correto?
Sim. As ações devem ser incluídas numa estratégia de investimento a longo prazo (cinco ou mais anos), de forma a superar claramente a inflação e alcançar melhores resultados, tendo em conta o seu perfil face à aceitação de risco.
A PROTESTE INVESTE tem três estratégias: defensiva (30% ações), equilibrada (55% ações) e agressiva (75% ações). Convém manter-se bem diversificado e com uma exposição adequada ao perfil.
Por fim, é importante recordar que, em primeiro lugar e antes de tudo, deve assegurar-se de que já tem constituído um fundo maneio ou “almofada de segurança”, para, neste próximos tempos de grande incerteza, fazer face a emergências e situações inesperadas, como acidentes, doenças, desemprego, entre outros. Deve ser aplicado em produtos de baixo risco, com capital garantido e liquidez, como depósitos a prazo e Certificados de Aforro. O montante deve ser o equivalente a cerca de seis salários ou seis orçamentos mensais da família.
As empresas tecnológicas estão a despedir e os anos dourados já lá vão. Quais os setores mais bem posicionados para investir no futuro?
Na bolsa, os títulos de crescimento estão entre que mais sofrem com a subida das taxas de juro. Em 2022, o setor tecnológico registou, até ao momento, uma queda de 23,8 por cento. Os elevados investimentos, cujo custo é encarecido com taxas mais altas e horizontes temporais mais alargados para atingir os fluxos de lucros estimados, levaram estas empresas a sofrer correções significativas na cotação das ações. Ainda assim, há algumas oportunidades para investir. Contudo, é importante ser muito seletivo, dado que, no seu conjunto, o setor não está atrativo, apesar das quedas já registadas. Neste momento, a PROTESTE INVESTE tem sete conselhos de compra de ações neste setor, disponíveis no comparador de ações.
Outro setor que, em 2022, foi bastante penalizado foi o automóvel (-26,3%). Sendo muito sensível à conjuntura económica, foi afetado pela subida dos preços dos materiais e, em parte, também pelas falhas nas cadeias de abastecimento. Por enquanto, não estamos positivos quanto ao setor automóvel.
Ao contrário do que parece, quando os mercados corrigem em baixa, nem todos os títulos perdem valor. Alguns alcançam mesmo ganhos bem significativos, claramente em contraciclo com a média do mercado. Do lado dos ganhos, destacou-se, em 2022, o setor de defesa, que valorizou 42,9%, beneficiando do aumento das despesas com armamento e do esperado forte incremento dos orçamentos militares, sobretudo na Europa. Neste setor, continuamos a recomendar a compra de três ações, dado as perspetivas permanecerem positivas. O grosso da subida pode já ter ocorrido, pelo menos em parte, num setor que se tornou mais atrativo com as crescentes tensões geopolíticas.
Realce também para o setor de energias fósseis, que, em média, ganhou 31,3%, impulsionado pela subida acentuada do preço do barril de petróleo e do gás. As petrolíferas enfrentam o desafio da transição energética e, atualmente, não recomendamos a compra.
Em contrapartida, o setor farmacêutico esteve bem positivo em 2022 (+11,2%). É um setor defensivo, pouco dependente do ciclo económico, e beneficia da tendência de envelhecimento da população e do aumento dos gastos com saúde. É possível investir via fundos ou diretamente.
O setor das energias renováveis continuará a beneficiar da transição energética e dos fundos destinados a apoiar e a estimular as energias limpas e renováveis.
Por sua vez, o financeiro caiu menos (-1,4%), porque a subida das taxas de juro favorece a margem financeira e impulsiona os lucros da banca. À medida que se tornar mais clara a intensidade da eventual recessão em 2023, caso esta não seja muito profunda, podem surgir oportunidades do lado dos setores mais cíclicos, dependentes da conjuntura económica, como é o caso do tecnológico e das empresas industriais, relativamente aos quais já temos alguns conselhos de compra.
De qualquer forma, reforço a necessidade de ser muito seletivo nas ações para investir, dando primazia a empresas de qualidade, financeiramente sólidas, muito bem estabelecidas no seu mercado.
E quanto às obrigações?
Ao contrário do que é habitual em 2022, as obrigações evoluíram no mesmo sentido descendente que as ações, chegando a cair ainda mais, e não deixando qualquer saída para o investidor. Todavia, as obrigações são, por tradição, vistas como um ativo defensivo durante uma crise bolsista.
Não esperamos mais subidas agressivas das taxas de juro em 2023, o que irá suportar o preço das obrigações. Excluindo acidentes inesperados (que não são de excluir numa zona euro cada vez mais endividada), os títulos obrigacionistas voltarão a desempenhar um papel de diversificação e limitação do risco nas carteiras de investimento.
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