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“Às pessoas, custa-lhes poupar para a reforma”
Há 2 meses - 16 de novembro de 2022
João Pratas é presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património, desde 2020 ,e Administrador da BPI Gestão de Ativos, bem como da Caixabank Asset Management Luxembourg.
João Pratas, presidente da APFIPP (Associação de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios) traça um retrato dos desafios do sistema da segurança social e sobre o futuro das pensões de reforma. Defende mais literacia, incentivos fiscais e transparência sobre o problema da sustentabilidade da segurança social.
É comum ouvir-se dizer que não haverá dinheiro para pagar as pensões no futuro. É crível?
Há um facto que é claríssimo: vai haver uma grande alteração demográfica. Para efeitos da sustentabilidade do regime da Segurança Social, há dois aspetos muito importantes. A população ativa vai diminuir e as pessoas vão viver mais tempo, ou seja, vai haver menos suporte para as reformas no atual sistema. É preciso as pessoas perceberem isto.
Nós vimos de um sistema muito comum a nível mundial, pelo menos nos países ocidentais, que é o pay as you go. Isto é, as pessoas reformadas recebem as suas pensões das contribuições das pessoas que estão no ativo. Se tivermos uma pirâmide demográfica, com uma maior população mais jovem, em princípio, as contribuições são suficientes para uma população reformada mais pequena. Se a pirâmide começa a inverter-se, é claríssimo que há um problema, porque cada vez há menos pessoas a contribuir para cada mais pessoas a receber.
Portanto, coloca-se o problema de saber se isto vai ou não funcionar no futuro. Há muitos elementos à volta disso. Vou dar um exemplo que permite perceber que a complexidade do tema é relativamente grande e há muitas variáveis que temos de considerar. Vamos imaginar que as pessoas vão passar a receber na reforma 10% daquilo que recebiam no ativo – uma pessoa que auferia 5000 euros vai passar a receber 500 -, neste caso, não há problema nenhum com a questão demográfica. A população ativa é pequena, mas como os reformados recebem cada vez menos no futuro, funciona bem.
Quando discutimos se há um problema de sustentabilidade da Segurança Social, há muitas variáveis que temos de ter em consideração. Aquilo que nos parece fundamental é ter em atenção a sustentabilidade do sistema para as contas públicas, isto é, se as contribuições são suficientes ou não para pagar as reformas. É ou não necessário o Estado acrescentar mais qualquer coisa para este efeito? Segundo problema: adequação das pensões. Uma pessoa que ganhava 5000 e passa a receber 500 euros é adequado? Isto é, o valor que as pessoas vão receber na reforma é adequado às suas necessidades? Esse é um problema importantíssimo para a nossa sociedade.
Portanto, há um problema intergeracional?
Esse é o terceiro problema. A justiça entre gerações quando mudamos o sistema. Até há pouco tempo, contavam os melhores 10 anos dos últimos 15, que são aqueles em que, teoricamente, a pessoa ganha mais. Agora, contam todos. Portanto, isto faz baixar, muito provavelmente, a taxa de substituição, que é a diferença entre o último salário no ativo e aquilo que se começa a receber de pensão. O que está projetado no Ageing Report é baixar de 74% para cerca de 40%, o que é uma redução enorme.
Quando me pergunta se o sistema é sustentável, aquilo que resulta do relatório é que estamos em equilíbrio até aos anos 35. Já não é apenas pay as you go, porque o estudo fala nuns pozinhos de impostos. Segue-se um período difícil entre 2035 e 2060, e volta a reequilibrar. Ou seja, há um desequilíbrio grande de cerca de 25 anos. E é pesado. Mas é importante quantificar o problema. Enquanto não o fizermos, estaremos sempre a falar nas nuvens. Do que resulta das contas, as variáveis vão sendo ajustadas. Faz sentido mudar totalmente o regime só por causa de um período de 25 anos, que representa 1% do produto nacional? São dúvidas que temos de esclarecer quando pensamos em mudar o sistema.
Depois há outras questões que se colocam. Por exemplo, a atuação das pensões, quando se baixa a taxa de substituição de 74% para 40%. As pessoas vão viver cada vez mais tempo, ter uma diminuição enorme na sua pensão de velhice face à vida ativa, e é importantíssimo que o Estado promova o desenvolvimento dos meios complementares. Nós achamos que, sem prejuízo da manutenção do primeiro pilar assente na estrutura de pay as you go, é fundamental dinamizar os meios complementares do segundo e terceiro pilar.
O Orçamento do Estado de 2023 não prevê estímulos aos meios complementares para a reforma. Há uma resistência em dinamizar esses dois pilares.
Das duas, uma. Porque se considera que não é preciso, o que eu acho estranhíssimo porque há uma diminuição muito significativa, ou porque não há dinheiro. De facto, não somos um país com meios muito alargados e temos vindo de crise em crise. Desde que o sistema foi mudado, passámos por uma crise financeira gravíssima, tivemos a covid e temos outra crise pela frente. Dar benefícios fiscais tem um custo. Há menos impostos para a despesa pública. Obviamente, que qualquer governo tem de fazer uma ponderação de custo/benefício. Compreendo perfeitamente. Mas há dois benefícios que são extremamente importantes nesta equação. Primeiro, é a população. O Governo não pode ter, de repente, um problema daqui a 20/30 anos com uma população que tem uma redução drástica no seu nível de vida. Por outro lado, o próprio desenvolvimento dos meios complementares tem outros benefícios para a economia. Cria acumulação de capital para determinados veículos de investimento que são importantíssimos para a economia. É certo que uma grande parte desses investimentos é feita fora do País, porque o nosso mercado de capitais não é muito grande. Mas, apesar disso, é importante ter decisores com meios de capital em Portugal, desde logo pela dívida pública.
A APFIPP tem cerca de três mil milhões em fundos PPR e 800 milhões em fundos de pensões. O número de pessoas abrangidos pelo sistema privado, o denominado terceiro pilar, é ainda incipiente.
É muito baixo e nós achamos que, se não houver um incentivo da parte do Estado, estes números não vão mudar. Há dois problemas. O primeiro já o referi. Às pessoas, custa-lhes poupar para a reforma. Até pode haver alguns que poupam, mas se não houver incentivo, não aplicam em produtos ilíquidos. Ainda que tenham a consciência de que têm de ter um montante qualquer para, quando se reformarem, se precisarem de comprar uma televisão, compram-na.
Há outro problema. Por mais que se fale no problema, vivemos num país que vem de um regime em que as reformas chegavam. No nosso imaginário coletivo, o Estado providencia uma reforma que deve ser parecida com aquilo que ganhamos na nossa vida ativa. Isso ainda agrava mais a situação. Até por isso, é importante o Estado dar um estímulo fiscal para arrancar. Há um produto agora que está a ser lançado a nível europeu, que é o PEPP. Toda a gente diz que precisa de um incentivo fiscal, sob pena de não arrancar.
Apenas estímulos de caráter fiscal?
Sim, essencialmente. A literacia, no sentido de divulgação daquilo que é o nosso sistema, também é importante. A mera literacia fará as pessoas pouparem alguma coisa. Mas o estímulo fiscal é fundamental.
Há quem defenda que as empresas deveriam ser estimuladas fiscalmente para criarem fundos de pensões para os seus trabalhadores, baixando, por exemplo, o IRC.
Não vou falar em pormenores técnicos, mas nós somos apologistas de haver benefícios fiscais para o segundo pilar, que envolve as empresas, e o terceiro pilar. Seja baixando o IRC ou dando um benefício de dedução que acaba por baixar, na prática, o IRC. Por exemplo, quando o trabalhador opta por afetar uma parte adicional do rendimento ao fundo de pensão, a empresa acompanha com mais qualquer coisa. Mas isto vai dar sempre ao mesmo resultado: menos receita para o Estado. Ou seja, tem de prescindir de uma parcela de receitas. Todavia, achamos que é importantíssimo que o faça. No final, o benefício é superior.
O PEPP ainda não está disponível no mercado. O que falta?
Falta regulamentar alguns aspetos práticos, nomeadamente as condições em que pode ser resgatado, que é fundamental conhecer, e ainda não se conhece o regime fiscal que vai ter. Antes disso, é difícil arrancar. Também é um produto que, a nível europeu, ainda não arrancou em força. Não tem sido fácil.
As pessoas têm a noção de como funciona o sistema público de pensões e de que é necessário fazer uma poupança de longo prazo para precaver a reforma?
As pessoas têm essa noção, mas é uma noção meio abstrata. Falo por mim. Quando tinha 30 anos, tinha essa noção, mas não pensava no assunto. Portanto, quem tem essa idade, neste momento, não pensa muito. Aos 40 começa a pensar um pouco, aos 50 já é tarde. A ideia de literacia nesta matéria é fundamental para as pessoas novas. A literacia tem de começar pelo próprio governo, pelo Estado. Como associação, queremos clarificar, trazer informação, porque achamos determinante que as pessoas percebam o panorama que existe em Portugal. Se há 25 anos com um défice, o Estado deve explicar isto.
Acima de tudo tem de haver clareza e, acima de tudo, transparência na informação. Por exemplo, o Ageing Report refere uma diminuição da taxa de substituição para 40%. Eu não acho que vai ser de igual forma para toda a gente. Ou seja, quem ganha o salário mínimo nacional, não vai baixar para 40 por cento.
Deveria haver tetos mínimos e máximos?
Não só pode haver tetos mínimos, como há outro ponto que temos de ter em consideração. Se a taxa de substituição vai baixar porque, entre outras razões, passa a contar toda a carreira contributiva, se alguém tiver uma carreira contributiva igual com atualizações, a pessoa continua a ter uma taxa de substituição igual. Ou seja, não é linear. Obviamente, uma pessoa que tenha uma carreira mais evolutiva, o início puxa mais para baixo o valor que vai receber como pensão de velhice.
De que modo esta taxa de substituição afeta a população?
Vai afetar de forma significativa porque é uma média. Para todos os efeitos, vai haver uma grande parte da população cuja taxa vai baixar muito. Não sei exatamente dizer quanto. Mas há quem saiba. É importante que seja clarificado. Quando os governantes, sejam eles quais forem, dizem que o sistema é sustentável ou não, explicarem porquê. O Governo até pode dizer que, durante este período de 25 anos, o sistema é sustentável porque vai ser fácil ter um imposto adicional para cobrir este défice do sistema. Todavia, a sociedade civil pode discordar e dizer: nós que estamos a contribuir para as pensões dos reformados não aceitamos pagar 1% adicional do produto nacional dos nossos impostos. Portanto, não achamos que seja sustentável porque não vamos receber aquilo para o qual estamos a descontar. No fundo, é preciso discutir o tema e pensar se devemos mudar o valor dos reformados. Isso envolve direitos adquiridos. Será que faz sentido mexer neles? Foram criados direitos que não eram possíveis de sustentar de acordo com as contas públicas.
Neste momento, Portugal é um dos países europeus com a maior taxa de substituição. A maioria dos países baixou-a substancialmente.
Sim, Portugal, Espanha e Grécia. Os restantes já baixaram. Há vários motivos que fazem baixar a taxa de substituição. Embora tenha impacto, não é só a média das carreiras. Se tivermos em conta a carreira e o problema da adequação da reforma, que é um dos três aspetos a ter em consideração, acho que pode haver em discussão à volta do seguinte tema: se chegar à conclusão que a diminuição maior, e eu acho que não é, é provocada pelas pessoas que têm salários mais altos e são aquelas que sofrem uma diminuição maior – vamos imaginar uma pessoa que ganhe 20 mil euros por mês e a taxa de substituição baixa para 20%, recebendo 4 mil euros, podemos questionar: é adequado? Claro que é, face ao que se ganha em Portugal. Ou seja, pode haver essa discussão, embora isso levante outro problema. Nesse caso, não deveria ter tido um limite nas contribuições? Se, no fundo, o sistema pay as you go tem uma relação entre aquilo que a pessoa contribui e aquilo que vai receber, será que o limite não deveria ter existido?
Alguns países têm um limite para as deduções para a Segurança Social.
Sim. Mas se pomos um limite, temos de saber se isso não afeta de forma muito substancial as receitas. Voltando ao exemplo dos 20 mil euros. É, com certeza, um exemplo extremo. Não podemos perder de vista que, quando passarmos para uma taxa de substituição de 40%, isso vai afetar a maior parte da população. Não estamos a falar das pessoas que ganham 20 mil euros por mês, mas que ganham muitíssimo menos.
Há instrumentos suficientes de poupança de longo prazo em Portugal?
Temos os fundos de pensões, que são um instrumento mais do que adequado para a reforma. Temos os PPR, embora tenham sido, de alguma forma, desvirtuados não só pela quantidade de motivos que foram sendo permitidos para o seu resgate, como uma alteração já muita antiga que permitiu fazer o levantamento, fora das condições, em qualquer altura.
Antes da entrada em vigor da lei dos PPR, que é do início dos anos 2000, havia uma grande discussão sobre se podiam ser levantados, ou não, fora das condições. Muitas entidades gestoras não deixavam fazer o levantamento. Ponto. Depois, a lei veio clarificar que podiam ser sempre levantados sem prejuízo das penalizações. A partir desse momento, os PPR deixaram de ser ilíquidos como os fundos de pensões, que não podem ser levantados. Apesar disso, enquanto os PPR permitiram deduções significativas ao IRS, tinham um travão grande que eram as penalizações fiscais. A partir do momento em que as próprias deduções foram desaparecendo, deixou de haver essa penalização fiscal. Ou seja, quem fez essas deduções não resgata, porque tem um peso significativo. Mas quem já não tem deduções, pode entrar e sair quando quiser.
O Estado veio, agora, mais uma vez, libertar os PPR. Muitos subscritores podem ter a tentação de os resgatarem. Ainda que não gastem o dinheiro, podem preferir aplicar noutro PPR que não tenha o benefício da dedução. Ainda assim, é um produto muito importante em termos de poupança de longo prazo, mas não é comparável com os fundos de pensões. O PEPP pode ser um produto muito interessante a nível europeu, em termos competitivos, mas tem muito que pedalar ainda.
Estando os mercados financeiros em queda, esta não é a pior altura para resgatar PPR?
Eu compreendo a preocupação do Governo em tornar a vida das pessoas menos gravosa. Talvez tivesse feito sentido não aplicar esta medida a todas as famílias. Autorizar, por exemplo, famílias com rendimento mais baixo. Há muitas famílias que não precisam de resgatar os PPR. Como referi, vão fazê-lo para libertar os PPR e, eventualmente, fazer outro sem dedução, para ficar liberto.
É como o limite ao aumento das rendas. Será que faz sentido para todos ou apenas para algumas famílias? Há senhorios que podem sofrer por não poderem aumentar as rendas de acordo com a inflação. Os PPR acabam por ser um problema parecido. Os governantes têm de ser mais precisos naquilo que querem alcançar. No fundo, beneficiar as pessoas que verdadeiramente precisam.
Provavelmente, essas famílias não conseguem ter um PPR.
Isso é outra discussão. Para nós, que gerimos poupanças, é evidente que há famílias que não conseguem poupar, têm um rendimento extremamente baixo para poderem fazê-lo. É pena, mas devemos ter essa consciência.
Os portugueses continuam a canalizar as suas poupanças para os depósitos, mesmo com taxas próximo do zero. Como se ultrapassa a aversão ao risco?
Os portugueses são muito conservadores e, talvez por isso, acabam por optar pelos depósitos. Nós tivemos grandes quedas nos volumes geridos pelos fundos de investimento a seguir à crise financeira de 2008. Custou muito a recuperar. Começámos a recuperar nos últimos três, quatro anos, com uma subida enorme. Apesar de conservadores, os portugueses começaram a perceber que os mercados estavam a subir, os fundos estavam a subir, e os depósitos estavam a zero.
Agora, os mercados começaram a descer. Mas, a longo prazo, têm uma tendência de subida. Por isso, faz todo o sentido os portugueses deslocarem uma parte importante do que têm em depósitos em produtos de investimento e não guardar o dinheiro debaixo do colchão. De certa forma, é um problema de literacia, mas também é um problema de mentalidade dos portugueses. Não querem perder o capital, embora não tenham a perceção muitas vezes de que o perdem por via da inflação.
Dada a falta de literacia e a aversão ao risco, seria de fomentar mais informação relativamente à performance dos fundos de investimento?
Sim, a forma como os mercados evoluem a longo prazo faz parte dessa literacia que tem de ser transmitida ao público em geral. Em termos de rendibilidade dos fundos a longo prazo, é, muito provavelmente, superior à inflação. O crescimento dos mercados é superior. Depende do tipo de produto. Ver a rendibilidade ano a ano não é o melhor método. Estamos a falar de uma poupança de longo prazo, em que há uma tendência clara de subida, mas há oscilações. Uma pessoa que se vai reformar em 2022, o montante que tem para resgatar é inferior àquele que tinha em 2021, mas a pessoa não subscreveu um produto em 2021 para se reformar no ano seguinte. Tem de olhar para a evolução desde o primeiro dia em que subscreveu, provavelmente décadas antes. Gradualmente, vai subindo. Todos os anos assinalamos os produtos que tiveram rendibilidades maiores, uma forma de mostrar a gestão que é feita ano a ano. Mas em produtos de longo prazo é importante ver a série longa.
No passado, falou-se muito no opting out, ou seja, a possibilidade de, a partir de determinado montante, contribuir menos para a Segurança Social.
Temos de ter uma clareza de ideias sobre o que se pretende para o sistema. Eu, pessoalmente, não sei se o opting out - diminuir ou retirar mais dinheiro ao primeiro pilar - é uma solução. Infelizmente, há em Portugal uma população muito relevante que ganha relativamente pouco. É importante que esta população tenha uma garantia no primeiro pilar e não tenha de transferir para um regime de capitalização. Face à variação demográfica, para se garantir aquilo que temos hoje, é preciso mais dinheiro, venha ele de onde vier. Talvez devêssemos deixar o primeiro pilar evoluir como está previsto, em que há uma diminuição da taxa de substituição, e haver um aumento do segundo e terceiro pilar.
É adepto do auto enrolment?
É uma forma diferente de aumentar o segundo e terceiro pilar. Por regra, as pessoas têm uma inércia enorme. Com o auto enrolment, se nada disserem, ou disserem não estar interessadas, há uma grande probabilidade de, por essa via, se conseguir o tal aumento adicional. No fundo, as pessoas vão continuar a pagar os 11% e as empresas 24,5% para a Segurança Social. Isto é mais qualquer coisa para assegurar o que vai receber daqui a 40 anos. O auto enrolment tem, obviamente, de ser estudado, com muito cuidado. Já foi objeto de grandes estudos em Inglaterra e foi implementado, com algum sucesso. Há uma parte muito significativa de pessoas abrangidas que se deixam ficar. É um bom sinal. Levantam-se outros problemas de saber quem é que gere esses montantes. Pode haver uma gestão pública. Nós achamos que deve ser pública e privada.
A atualização das pensões está indexada à inflação. Nos últimos anos, esta não acompanhou a média dos salários, mas a situação inverteu-se e a inflação disparou. Foi encontrado um subterfúgio para não se aumentar as pensões. Há quem diga que é o pior ataque às pensões. Faz sentido esta acusação?
Mais uma vez, é um problema de clarificação. Deveria haver uma clarificação sobre o que está a ser feito e porque é que está a ser feito. Eu ouvi declarações públicas em que se afirmou que o sistema não era sustentável. É importante clarificar. Se temos um relatório que diz que, nos próximos dez anos, o sistema está equilibrado, as pessoas podem ter alguma dificuldade em perceber onde está a falta de sustentabilidade do sistema.
É importante que se diga que é preciso cortar agora para 2035. Explicar, discutir abertamente como é que vai lidar com o problema daqueles 25 anos em que o sistema não é sustentável. Pode-se lidar com o problema de variadíssimas formas. Não dizer nada e, depois, ter uma medida ad-hoc parece-me algo menos transparente e que devíamos evitar. Por vezes, a falta de transparência dá sinais errados. Se as pessoas compreenderem que as pessoas se reformaram com base em pressupostos no passado que não são possíveis de cumprir, talvez as pessoas percebam que tem de haver uma alteração qualquer no sistema.
O excesso de liquidez é uma das principais razões para a subida da inflação, embora a maioria das pessoas atribua este aumento ao conflito da Rússia com a Ucrânia.
Há de facto uma grande discussão à volta do tema, saber se a inflação que existe é uma inflação pelo lado da oferta ou do lado da procura. Não sou economista. Na minha opinião, há uma inflação pelo lado da oferta devido a uma desconexão decorrente da covid-19 e, a seguir, do aparecimento do problema energético, que fez disparar os preços.
Todavia, acho que há muita liquidez no sistema. Começou na crise financeira, com as compras dos bancos centrais das dívidas dos países, e continuou com os apoios todos concedidos por causa da covid. Quando olhamos para as pressões inflacionistas, elas não começaram em fevereiro, mas sim antes, em 2021. Também não acho indiferente que os sítios onde a inflação mais se manifesta seja no bloco dos EUA e da UE, precisamente os que mais apoios lançaram nas economias.
Quando olhamos para outras economias, é menos evidente que exista mais inflação neste momento. Claramente, há um excesso de massa monetária e, teoricamente, tem de se combater com o aumento das taxas de juros. Obviamente, o facto de os bancos centrais o estarem a fazer, mais conhecedores do que eu, mostra que é um caminho que tem de ser feito. Pode-se discutir se devia ter começado há mais tempo, de forma mais suave ou não. Mas parece-me que é preciso secar um pouco a massa monetária, por mais que isso custe. O pior cenário de todos é a inflação continuar ou subir. Apesar de tudo, há uma situação menos má: EUA e Europa estão com economias de pleno emprego.
Considera que tem havido uma política fiscal estável relativamente às pensões, contas poupança e investimentos individuais?
Infelizmente, em termos de fiscalidade, não temos a estabilidade que deveríamos ter. Ainda recentemente houve a atribuição do aumento das pensões, depois um corte. Outro exemplo: há um limite de 2% sobre o aumento das rendas e um benefício fiscal atribuído aos senhorios, mas não se aplica aos fundos imobiliários. Mexer muito nestes temas acaba por gerar instabilidade.
Devia-se olhar para o regime fiscal, mudar o que há a mudar e não mexer nos próximos 30 anos. Por exemplo, nos fundos de investimento, tivemos uma renovação importante em 2015, que achamos se deve manter estável, embora algumas alterações pontuais ainda devam ser feitas, para depois não mexer mais, de forma a tornar os nossos produtos similares a outros que têm benefícios fiscais.
É o caso dos seguros financeiros que têm um incentivo à poupança de longo prazo – após cinco anos, diminui o imposto sobre o rendimento, e, ao fim de oito anos, ainda diminui mais. Os fundos de investimento não têm esse regime, o que gera incongruências. Por vezes, há seguros que investem em fundos. Mas se houver um investimento direto, não há esse benefício. Não faz sentido.
Há outras matérias em que devia haver mais estabilidade. É fundamental. A APFIPP acha que Portugal podia ser um polo interessantíssimo de gestão de ativos. Tem tudo para ser um polo ótimo. Os preços do imobiliário são mais baratos do que no centro da Europa, os salários são mais baixos, as pessoas são competentíssimas, temos ótimas universidades de Economia, o Técnico, toda a gente fala inglês, o País é seguro... Portanto, estes aspetos fiscais de estabilidade são importantes. Por exemplo, quando nos comparamos com as grandes praças europeias de fundos de investimento, como Luxemburgo, não mexem. Isso é fundamental para os investidores. É um benefício enorme para atrair. Há outras coisas, mas este ponto é importante.
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