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“Propomos duplicar o PIB em 20 anos”
Há 3 meses - 19 de outubro de 2022
4SEE/Diana Tinoco
O presidente do conselho consultivo da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social), Abel Mateus, coordenou, com Álvaro Beleza, a obra recentemente publicada por esta associação, que reúne a síntese dos relatórios de 16 grupos de trabalho, plasmados num conjunto de medidas, para tornar Portugal mais próspero e democrático.
O título do livro traduz uma ambição para o País: duplicar o PIB em 20 anos.
Um desígnio ambicioso mas alcançável, assegura. São dez as áreas abordadas e a carecer de reforma. A conclusão do livro é óbvia: “Não podemos continuar com as políticas atuais: o business as usual. Temos de ser mais ambiciosos.”
Com o desígnio e ambição de duplicar o PIB em 20 anos, a SEDES lançou o primeiro de três livros a publicar em dezembro de 2022 e junho de 2023, onde definiu 10 áreas de políticas de desenvolvimento. O objetivo é atingir a média do PIB per capita da UE até 2036. O livro menciona a necessidade de “reformas profundas e corajosas”, “alguns sacrifícios e políticas de rutura”. Quais são as mais urgentes?
Antes de falarmos de políticas, devemos falar de objetivos. Quais são as metas que queremos alcançar daqui a vinte anos? Sem definirmos um quadro de referência do que os portugueses pretendem não é possível propor medidas.
E o problema das últimas décadas em Portugal é que andamos um pouco à deriva da solução dos problemas do dia-a-dia, sem fixar objetivos ambiciosos, mas alcançáveis com o esforço e a cooperação de todos.
E as propostas da Sedes são de médio a longo prazo, não são para resolver os problemas de curto prazo, como a inflação ou a falta de professores ou ambulâncias. Precisamos de agendas mobilizadoras, que não sejam fugazes, mas levadas a cabo com perseverança.
Já tivemos épocas em que tal aconteceu: nos anos 1980 em que pretendíamos entrar nas Comunidades Europeias. Ou nos anos 1990 em que pretendíamos fazer parte do Euro.
O que a Sedes propõe são três grandes objetivos para as próximas duas décadas. O primeiro é duplicar o PIB em vinte anos que é equivalente a fazer crescer a economia a 3,2% ao ano em média, e convergir para a média da EU até 2040; reindustrializar o país e torná-lo numa das regiões mais atrativas e dinâmicas baseadas no talento.
Segundo regenerar a democracia para que seja mais representativa e aberta, e um Estado mais ágil e eficiente. Terceiro, tornar a sociedade mais justa, reduzir a pobreza e mitigar os efeitos do envelhecimento, melhorar a qualidade dos serviços públicos e a equidade intergeracional.
Ao mesmo tempo que queremos um país mais seguro num mundo mais seguro e que preserve a sustentabilidade do planeta.
Entre as várias propostas, menciona a necessidade de um choque fiscal para reduzir a pressão sobre as famílias e as empresas. Como seria compensada essa perda de impostos?
Primeiro, enunciamos estas grandes metas para o país. São metas mais complexas, porque hoje as aspirações também são mais sofisticadas.
E a seguir propomos um vasto conjunto de políticas e de centenas de medidas de políticas mais concretas para atingir aquelas metas.
Não há nenhuma medida mágica que nos permite atingir estas metas, mas só um programa de desenvolvimento em que é central a participação das empresas e dos cidadãos. Este programa deve conter, em nosso entender, cinco políticas centrais.
Primeiro, um choque fiscal, reduzindo impostos, para incentivar o investimento produtivo e inovação, acompanhado da reforma do Estado para o tornar mais eficiente e moderno. Segundo, priorizar a educação a todos os níveis para acelerar a formação e adequá-la às necessidades da nossa economia.
Terceiro, reforma do sistema eleitoral e dos partidos políticos para melhorar a democracia. Quarto, reforma profunda da justiça, saúde e dos serviços administrativos para que respondam mais efetivamente às necessidades dos cidadãos.
Quinto, uma nova política económica virada para o crescimento, baseada na reindustrialização, abertura da economia e IDE, colaboração mais estreita entre universidades-laboratórios-empresas, para melhorar o nível tecnológico, competitividade, modernização de infraestruturas e inserção nas cadeias de valor internacionais.
Cada uma destas grandes políticas é depois especificada em programas setoriais específicos. Por exemplo, a redução de impostos consistiria em reduzir os impostos sobre o trabalho em cerca de 7 pontos percentuais, reduzir o IRC gradualmente de 31 para 18%, reduzir a taxa marginal do IRS de forma a aliviar a carga fiscal sobre as famílias e incentivá-las a poupar, etc.
O problema de compensação da redução da receita dos impostos só se coloca no curto prazo. Quando a economia der o pulo e começar a crescer a 3,2% contra os 0,7% que tem crescido desde 1996, todo o enquadramento financeiro se torna diferente.
De repente, em apenas 3 anos teremos cerca de 10% mais de receitas do Estado, após os efeitos da reforma. É uma questão de graduação da política, que não será difícil de fazer neste novo contexto.
Ainda que houvesse uma redução do peso das despesas públicas, por exemplo, com a redução substancial do número de funcionários públicos, seria suficiente? Tal pressupõe uma reforma do Estado, que, até hoje, nunca foi conseguida.
A redução do peso do Estado mais uma vez põe-se no médio e longo prazo. Depois de 20 anos de estagnação estamos habituados a viver e pensar em termos miserabilistas.
Mas se olharmos para economias progressivas e com elevado crescimento vemos o oposto. Por exemplo, quando se fala em 35% do PIB em despesa corrente primária, sobre 500 mil milhões são 175, que são muito mais do que sobre 250 mil milhões, ou seja, apenas 87 mil milhões para gastar pelo Estado.
O número de funcionários públicos será resultado das necessidades setoriais específicas e do funcionamento eficiente de cada departamento do Estado. O que não podemos encarar o Estado como empregador de último recurso.
Dou-lhe um exemplo, o número de professores no ensino básico e secundário diminui substancialmente desde o governo do Sócrates por causa da redução da classe etária respetiva.
Apesar desta continuar, o governo do Costa resolveu inverter a trajetória e voltar a aumentar o número, de tal forma que o Ministro da Educação há dois anos gabava-se de ter aumentado a despesa por aluno em 30%.
Nenhum Partido se preocupa com a eficiência dos serviços públicos, mas a ineficiência dos serviços leva cerca de 30% dos nossos impostos.
As reformas são, por regra, conotadas com austeridade. O corte de salários e pensões no tempo da troika foi errado? Não estamos agora a ir no mesmo sentido, dado que a inflação diminui o poder de compra, mas evita cortes nos valores nominais?
O nosso programa é um programa de médio e longo prazo para acelerar o crescimento económico. Não é um programa para combater uma crise financeira.
Menciona quatro erros na conceção das políticas em Portugal. Um deles é considerar que os recursos têm custo zero, quando, na realidade, o Estado paga. Até que ponto são graves?
Sim, muitas vezes apresentam-se as políticas de transferências para as famílias ou de subsídios às empresas como se o financiamento fosse gratuito. Dou-lhe um exemplo recente concreto.
As medidas recentemente anunciadas de mitigação da inflação foram apresentadas como um programa de ajuda magnânimo do Estado à população e empresas. Quando o que estava em causa era devolver, sobretudo aos cidadãos, o que o Estado cobrou a mais de impostos.
Deveria ter começado o discurso apresentando contas sobre os aumentos de receitas fiscais devido à inflação, e depois apresentar as medidas de mitigação com referência ao envelope financeiro que arrecadou a mais.
Desde os anos 90 do século XX que divergimos da UE em termos de rendimento per capita. Como se consegue aumentar o rendimento dos portugueses e ultrapassar a média da UE até 2040, como ambiciona a SEDES?
Para colmatar o fosso que nos separa da média da UE temos que crescer mais cerca de 25 pontos percentuais.
Se contarmos que a partir de 2025 e até 2040 temos 15 anos, cada ano temos que crescer mais 1,66 pontos percentuais, que é compatível com o crescimento anual de 3,5% ano que prevemos, dado que a população deve baixar 0,2% ao ano.
Colocar Portugal entre os 15 melhores países em termos de capital humano ao nível mundial é possível considerando que alterar a proporção da população adulta com um mínimo de instrução pode levar décadas?
É possível. Esta é uma área em que o País tem feito uma grande aceleração nas últimas décadas. Em duas décadas aumentamos a taxa dos jovens dos 25 a 34 anos com ensino secundário superior ou terciário (universidade ou politécnico).
Para chegarmos àquele objetivo temos que voltar a aumentar os 20% mas agora em 15 anos. É este maior esforço que é necessário fazer.
Como se incentiva a poupança quando uma grande parte da população está no limiar da pobreza ou quando os rendimentos de capitais são taxados a 28%?
Em todos os países, a quase totalidade da poupança vem da classe média e sobretudo das classes de maior rendimento. É preciso dar mais incentivos fiscais à poupança das famílias, para compensar o envelhecimento, como às aplicações financeiras.
E isso passa pela reforma da segurança social e do mercado de capitais. Como refere é muito desencorajador a forma como se taxam as mais-valias e os investimentos em geral. É uma área prioritária para a reforma fiscal.
Como se revigora a atração do investimento direto estrangeiro, considerando a burocracia, a ineficiência da justiça, os custos de transporte e logística, e a concorrência dos países do Leste europeu?
São tudo reformas concretas que estão contempladas nas nossas propostas. Como muito bem afirma é um conjunto de várias reformas que pode aumentar a atratividade para o IDE.
E, não se esqueça, que muito do IDE vem para Portugal para aproveitar o nosso talento, como por exemplo, os jovens engenheiros.
Equilibrar as contas e reduzir o nível da dívida pública para 90% do PIB é essencial, insiste a SEDES. Como se consegue quando há fatores exógenos como a pandemia e a crise energética surgida na sequência do conflito na Ucrânia?
São tudo problemas de curto prazo, que terão de ser resolvidos. Insistimos é um programa de crescimento a longo prazo. Haverá flutuações e choques negativos e positivos, que farão variar o PIB ano a ano.
O que estamos a estudar são trajetórias de crescimento. Isto é estranho para os portugueses porque deixamos de fazer programas a mais de 2 anos, que são os subjacentes aos Orçamentos Gerais do Estado. Esta é uma falha grave e é a origem da nossa falta de ambição.
A regulação é fundamental para suprir as falhas de mercado numa economia capitalista, refere no livro. Após a crise financeira de 2008, continua a haver falhas. Como se ultrapassam?
Sem dúvida. São propostas várias políticas e medidas em todas as áreas. E uma das mais importantes é melhorar a competência dos recursos humanos e das administrações, ao mesmo tempo que estas deveriam ser mais independentes do governo.
Por exemplo, a nomeação dos presidentes dos reguladores deveria ser feita pelo Presidente da República.
A divergência de crescimento e desigualdade de rendimento entre os países do Norte e do Sul da Europa demonstram que, ao fim de tantos anos de fundos estruturais, não foram a solução. Como assegurar políticas pró-desenvolvimento?
Para que os fundos tenham impacto positivo no bem-estar é preciso que haja boas políticas. É experiência de todos os organismos financeiros internacionais de ajuda ao desenvolvimento.
Propõe a emissão de Euro-obrigações para criar um ativo que rivalize com as obrigações de tesouro norte-americanas. A Alemanha resiste à ideia. Limitar a emissão a 30% do PIB de cada país pode ser uma solução. O que ganharia Portugal?
Participaria nos seus primeiros 30% na emissão desse ativo. Mas haveria que prevenir que não fosse uma forma de aumentar ainda mais o endividamento dos países do Sul.
Por exemplo, um país só poderia emitir este tipo de obrigações caso a sua dívida pública total não fosse superior a 90% do PIB. Se não o fizermos, os países frugais nunca o aceitariam.
A eliminação de todos os paraísos fiscais e o dumping fiscal alguma vez acontecerá?
Esse é um problema que só tem solução a nível mundial.
O projeto europeu está ameaçado? Em situações de crise, já se provou que o princípio da solidariedade não funciona. No caso da crise energética, não será cada país por si?
Mas também temos experiências positivas, como as sanções à Rússia e a consciência de que temos de aumentar a segurança a nível da UE.
Política externa única, exército e segurança comuns, harmonização fiscal... nunca sairão do cartilha de boas intenções? É necessário revisitar os tratados? Em que sentido?
Aqui existe um problema difícil de ultrapassar. A votação por unanimidade destas questões críticas é defendida por países como a Polónia que são grandes, mas não querem que sejam a Alemanha e França a decidir e impor a todos os outros as soluções acordadas.
Enquanto os mais poderosos defendem a regra da maioria. É evidentemente necessário rever os tratados, mas esta questão básica é inultrapassável atualmente.
Por causa dos preços da energia, há empresas europeias a encerrar ou a reduzir a produção. Há quem defenda que dentro de poucos meses virá o choque económico mais severo que a Europa presenciou desde os anos 30 do século XX. Concorda?
Veremos. Também há sinais mais positivos, como a redução nos últimos meses do preço do petróleo e do gás natural nas bolsas internacionais. Depende muito da forma como os dirigentes europeus conduzirem as políticas.
Infelizmente, foram os dirigentes europeus que criaram o problema, ao tornarem-se muito dependentes da Rússia e ao acelerarem a transição energética sem estudarem adequadamente as políticas adequadas a essa transição.
Haverá uma escalada da inflação em vez de um recuo, como preveem vários organismos?
Depende da atuação dos bancos centrais e das negociações salariais.
Faz sentido alterar o PPR devido aos agravamentos gerados pela inflação galopante e pela guerra na Ucrânia?
Este era um programa de médio prazo, virado para a digitalização e transição energética. É essencial rever o programa à luz da nova geopolítica e geoestratégia.
Entrevista de Myriam Gaspar
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