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André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.
Colapso da stablecoin Terra ameaça criptomoedas?
Há 5 dias - 13 de maio de 2022
André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.

O investimento em criptomoedas é arriscado e não deve ser superior a 5% da sua carteira.
O mercado cripto está em ebulição e um dos principais fatores é a perda da ligação ao dólar da stablecoin Terra. Ontem (na manhã de 12 de maio) a Bitcoin estava a cair 12%, a Ethereum 20% e as outras principais cripto (Avalanche, Cardano, e outras) entre 25 a 30% (últimas 24 horas). A Luna, token associado à Terra, perdeu praticamente todo o seu valor (queda de 99%), numa queda de proporções épicas: valia 116 dólares a 5 de abril. Neste momento, vale 2 cêntimos de dólar.
E o pânico alastrou-se a outras stablecoin incluindo a maior, Tether, que está sob pressão para manter a sua equivalência ao dólar.
Este fracasso é tudo o que o mercado cripto não precisava, após semanas de quedas acentuadas. Os investidores estão afastados dos ativos mais arriscados, como as criptomoedas e as ações tecnológicas (como alertámos, as correlações com os índices de ações têm vindo a aumentar).
Nos últimos 12 meses, a Bitcoin acumula uma queda de 43%, a Ethereum perdeu quase metade (49%) do seu valor, e as outras criptomoedas de relevo têm perdas na casa dos 70%.
O que é uma Stablecoin?
Uma stablecoin, como o nome sugere, é uma criptomoeda estável, ou seja, o seu valor não varia. O mais habitual é que o valor seja definido como 1 dólar, ou seja, o emitente garante devolver 1 dólar em troca de 1 unidade de stablecoin.
Foram criadas de forma a viabilizar as criptomoedas como meio de pagamento, já que a elevada volatilidade das criptomoedas “puras” sempre foi um obstáculo para a adoção como meio de pagamento.
A forma de garantir o valor de 1 dólar varia. A Terra fazia-o através de um algoritmo, técnica pouco testada e que mostrou aqui falhas. A Tether (símbolo USDT), a maior stablecoin por valor de mercado, é garantida por ativos financeiros tradicionais, o que poderia conferir outra segurança.
No entanto, já diversas autoridades e peritos levantaram dúvidas acerca das práticas e falta de transparência por parte da Tether. O BCE (Banco Central Europeu) havia alertado, em setembro do ano passado, para os riscos das stablecoins, que representavam já 75% de todas as transações com criptomoedas.
Se a Tether falhar (chegou a estar nos 95 cêntimos de dólar, mas voltou a aproximar-se de 1), os danos poderão ser muito superiores.
O fiasco da Terra poderá ter dois efeitos muito importantes. A curto/ médio prazo, lançar a desconfiança sobre todas as stablecoins, o que seria um sério revés no que toca à adoção das criptomoedas para vários fins. A médio / longo prazo, será motivo para os reguladores do setor financeiro apertarem a vigilância sobre este setor.
O que aconteceu com a Terra?
Embora possa ser algo obscura para quem não segue o mercado cripto, a Terra (Luna) estava até agora no Top 10 das criptomoedas, e parecia um projeto credível.
O plano consistia numa rede de pagamentos (Terrapay) que utilizaria a stablecoin Terra (símbolo UST) como meio de pagamento “seguro” e de baixo custo. Acoplada a esta estava um token (símbolo Luna), a cujos detentores seriam distribuídos os rendimentos do sistema Terrapay. A stablecoin era portanto central para este sistema, que, após este fiasco, não parece ser possível que sobreviva, nos moldes atuais. Na tarde de 12 de maio, a rede chegou a estar parada.
Os problemas começaram no fim de semana, quando vendas massivas de UST fizeram o valor de mercado cair abaixo do valor de 1 dólar. Isto gerou algo que os especialistas em divisas conhecem muito bem: uma oportunidade de arbitragem. Era possível comprar no mercado UST por menos de 1 e trocá-lo por Lunas no valor de 1 dólar (vendendo estas imediatamente), e obtendo assim um ganho.
O algoritmo que gere a stablecoin tentou compensar criando mais tokens Luna para fazer cair o seu preço e eliminar esta possibilidade de arbitragem, mas o efeito foi provocar uma espiral de quedas nos dois ativos. A UST chegou a valer só 22 cêntimos de dólar, e neste momento está nos 35 cêntimos, com grandes oscilações. Já o Luna, como referimos, evaporou-se completamente.
E a Bitcoin foi contagiada porque, segundo observadores deste mercado, a fundação que governa a blockchain Terra detém grandes somas em Bitcoin, que poderá ter de vender para obter dólares e assim apoiar o valor da Terra. Um processo com algumas semelhanças com a venda de reservas de um banco central que está a tentar manter o valor da sua divisa.
Investidor: o que fazer?
As última semanas vieram demonstrar que as criptomoedas não escapam aos princípios fundamentais do investimento, nomeadamente a gestão do risco. O nosso conselho de não aplicar mais de 5% da carteira neste tipo de ativos pode parecer retrógrado nos momentos de subidas fulgurantes, mas quem o seguiu certamente está a dormir mais descansado.
E é essa a nossa recomendação: manter a serenidade e um nível de risco aceitável. Evite cair na armadilha psicológica clássica dos investidores, que seria expandir a posição perdedora para “baixar o custo médio” e “recuperar mais depressa as perdas”. Sobretudo se isto significar aumentar acima do razoável o peso dos cripto ativos na sua carteira e alienar bons investimentos para reforçar investimentos perdedores.
Receamos que as quedas recentes não possam ser descartadas como mais um episódio de volatilidade em que os criptoativos são pródigos. Às dificuldades circunstanciais (menor apetite pelo risco dos investidores) junta-se uma dificuldade estrutural (possível perda de confiança nas stablecoins). Portanto não deve assumir que em breve vão retornar a máximos.
Mas também não deve cometer o erro oposto e vender tudo, desde que o investimento represente uma pequena parte do seu património e se ajuste ao seu perfil de investidor. O potencial das diferentes aplicações da blockchain não desapareceu de um dia para o outro, e sendo os criptoativos tão voláteis, se estiver fora do mercado a recuperação pode ocorrer antes de decidir voltar a comprar. Foque-se nas principais criptomoedas e expurgue da sua carteira todos os criptoativos que sejam projetos pouco sérios, como são infelizmente a maioria dos milhares de “alt-coins” .
Duas notas finais: o potencial para serem uma proteção contra a inflação (especialmente a Bitcoin) não parece estar a ser um fator. E de facto, para um ativo que frequentemente valoriza / desvaloriza 10% ou 20% num dia, mesmo uma inflação de 7 ou 8% ao ano é pouco significativa.
E não caia no erro da falsa diversificação: as principais criptomoedas estão ainda muito correlacionadas entre si, portanto dispersar-se por várias não traz grande benefício para a carteira, deste ponto de vista.
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