O impacto imediato dos resultados eleitorais tem sido positivo para as bolsas. No entanto, mais do que celebrar a vitória de Biden, os investidores apostam na manutenção do status quo em Washington. E, claro, a notícia da eficácia de uma vacina para a covid-19 também contribui para a festa.
Trump e o Partido Republicano conseguiram um desempenho muito superior ao esperado, lutando pela presidência até ao fim e (ainda) mantendo o Senado. A grande onda azul (democrata) que deveria controlar a presidência, a Câmara dos Representantes e o Senado não se concretizou. Mais uma vez, as sondagens estavam erradas.
Embora o Senado ainda posso pender para os democratas, é provável que Washington continue dividida. Para os investidores, esta clivagem tem vários tipos de consequências, com vantagens mas também inconvenientes:
- Biden prometeu reverter a redução de impostos das empresas, levadas a cabo por Trump. Mas sem controlar o Senado terá dificuldade em conseguir essa mudança. Boas notícias para muitas empresas americanas.
- Os democratas têm sido mais críticos das posições de monopólio detidas por algumas gigantes tecnológicas. A intervenção do regulador para forçar estas empresas a alienarem parte dos seus negócios seria mais plausível se Washington fosse dominada por Biden. Mais uma vez, dado o fracionamento do poder, será difícil mudar o status quo, o que favorece a sua posição dominante e protege-os mais de outros reguladores, como os europeus.
- Um aumento considerável da despesa pública, promovido pelos democratas, poderia levar à subida da inflação a longo prazo. Agora, os republicanos no Congresso poderão travar essa onda.
- Pela negativa, o novo plano de estímulos, para apoiar as famílias e minimizar os impactos económicos da pandemia, poderá continuar num pingue-pongue entre republicanos e democratas. Muito dos apoios terminaram no verão e o atraso penaliza a confiança dos consumidores. Além disso, mesmo quando for aprovado será, de certo, menos ambicioso do que o necessário.
- O resultado também impacta na frente do Brexit. A continuação de Trump ajudaria Boris Johnson a dispensar um acordo com a União Europeia, apostando mais num acordo comercial com os Estados Unidos. Com Biden, o cenário é mais complexo para o governo britânico.
- Também a seguir, as ações mexicanas. Tendo perdido significativamente no rescaldo da eleição de Trump há quatro anos, fizeram fortes progressos, antecipando a vitória de um candidato menos beligerante face ao México e aos mexicanos.
Vira o disco…
As garantias oferecidas pelas várias instituições americanas fazem com que, por si só, o Presidente não possa mudar radicalmente o enquadramento da economia dos Estados Unidos. Uma constatação ainda mais verdadeira se não controlar totalmente o Congresso. Por isso, é de esperar uma relativa neutralidade a longo prazo da eleição presidencial nos mercados financeiros.
Além disso, uma recuperação sustentada, sobretudo, do setor dos serviços exige uma normalização da economia, o que só é alcançável se surgir uma vacina e tratamentos eficazes para o vírus. Tem havido novidades positivas, mas será preciso esperar ainda alguns meses para que se confirmem no terreno. Por seu turno, as grandes tendências a longo prazo, como a digitalização da economia e o envelhecimento da população (saúde), seguirão o seu caminho com Biden ou Trump.
…não toca o mesmo
No entanto, não se deve subestimar as alterações que a vitória de Biden terá nos Estados Unidos e a nível global.
- O democrata quer uma resposta coordenada a nível federal e medidas fortes para conter o coronavírus. Trump era um defensor do laissez faire minimizando o impacto sanitário, sobretudo, para não penalizar a atividade económica.
- A prometida transição energética de Biden poderá beneficiar as energias alternativas em detrimento das petrolíferas e do carvão. O setor do petróleo de xisto americano poderá ser uma das "vítimas", mas os EUA não vão querer abdicar da independência energética.
- No que diz respeito à imigração, Trump reduziu para metade o número de entradas nos EUA. Para salvaguardar o dinamismo demográfico e evitar uma escassez de mão-de-obra a médio prazo, Biden quer remover as restrições.
- Biden quer uma abordagem mais pragmática do comércio internacional mas, tal como Trump, visa reduzir o défice comercial e manter a pressão sobre a China.
- Do ponto de vista da Europa, as preocupações ambientais, respeito pelas minorias e pelas instituições, multilateralismo, livre comércio e a promoção da democracia são pontos de contacto entre as posições europeias e os do candidato democrata. Contudo, é improvável que os EUA abandonem a sua doutrina America First de um dia para o outro. O Presidente defenderá primeiro os interesses americanos, estejam alinhados com os dos europeus, ou não.
Conselhos
Considerando que os impactos estruturais destas eleições aparentam ser reduzidos para os mercados financeiros, de momento optamos por manter inalterada a exposição das carteiras de fundos aos Estados Unidos.
- Com um dólar sobrevalorizado e a subida das bolsas, o potencial das ações dos EUA é agora relativamente limitado. Os fundos de ações norte-americanas permanecem presentes apenas na nossa carteira agressiva (10%).
- Obrigações “tradicionais”, essencialmente emitidas pelo Governo Federal norte-americano. Os respetivos fundos são um bom valor de refúgio em tempos de turbulência. A categoria pesa 15% na carteira equilibrada.
- Os fundos de obrigações emitidas por empresas (corporate) com boa solidez financeira permitem um esperar rendimento mais elevado com um risco relativamente contido. Na carteira agressiva aplicamos 5%.
- Na defensiva, equilibrada e agressiva dedicamos 5% aos fundos de obrigações high yield, títulos de empresas menos sólidas financeiramente mas que, em contrapartida, oferecem rendimentos mais elevados. Estas obrigações são mais sensíveis aos problemas da conjuntura económica.
Para o investimento direto, as ações das tecnológicas seriam uma escolha possível, mas as cotações de muitas dessas empresas estão demasiado elevadas para aconselharmos a compra. Outras estão aparentemente atrativas , como os bancos e as petrolíferas, mas também é motivo insuficiente para um conselho de compra na conjuntura atual. Entre outras recomendações destacamos cinco ações americanas que podem beneficiar das tendências positivas, mas que conseguirão navegar bem durante tempos difíceis.