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André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.
El Salvador adota bitcoin como moeda oficial
Há 8 meses - 7 de setembro de 2021
André
Gouveia, CFA
Analista financeiro independente, certificado pelo CFA Institute e registado na CMVM.
Mestre em Finanças pelo ISEG.

O governo de El Salvador desenvolveu uma app de carteira eletrónica e oferece bitcoins no valor de 30 dólares a quem a descarregar.
El Salvador, país da América Central, reconheceu oficialmente a bitcoin como divisa. A popular criptomoeda pode, desde hoje, ser aceite em todos os pagamentos no país. Embora outros países tenham lançado moedas digitais, El Salvador será o primeiro a fazê-lo com uma criptomoeda que não controla.
Este desenvolvimento não é, contudo, uma novidade: o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, já o tinha anunciado, em junho, numa conferência sobre criptomoedas.
E, a nosso ver, não deve ser encarado como um argumento para investir em criptomoedas, ou, neste caso, comprar bitcoins.
Na última semana, a bitcoin valorizou 4,5% (em dólares), e nas últimas 24 horas está a mesmo a perder 5%, o que sugere estar a aplicar-se o velho ditado dos traders "buy on the rumour, sell on the news", ou seja, um evento antecipado pelo mercado pode mesmo ditar um mau desempenho quando se confirma.
Qual o efeito sobre as criptomoedas?
O efeito será, sobretudo, psicológico, de alimentar a narrativa de adoção generalizada da bitcoin.
A economia de El Salvador é muito pequena: 25 mil milhões de dólares de PIB. Mesmo que tudo fosse convertido para bitcoin (o que é praticamente impossível), é pouco face aos 963 mil milhões de dólares de valor atual.
É natural algum otimismo a muito curto prazo, mas dado não ser uma novidade, o impacto será moderado, sendo apenas mais um fator no fluxo de notícias que vai alimentando as diferentes narrativas.
Se – grande se – a médio prazo aparentar ser um sucesso, então sim poderá beneficiar a cotação das criptomoedas, pela expectativa de que outros países possam seguir este caminho.
Governo incentiva pagamentos em bitcoins
Em El Salvador, não é obrigatório que todos os pagamentos sejam em bitcoin, claro, apenas é uma forma de pagamento reconhecida na lei. É de notar que na maioria dos países, na prática, isto já é permitido, a lei não proíbe os pagamentos em criptomoedas. O efeito é mais o reconhecimento legal e o encorajamento por parte do governo, que desenvolveu uma app de carteira eletrónica (são dadas bitcoins no valor de 30 dólares a quem descarregar) e comprou algumas bitcoins para um fundo de estabilização.
Na verdade, o país da América Central tem um histórico de instabilidade económica e monetária. Desde 2001, adotou o dólar americano como reserva legal, sendo usado na generalidade das transações e na contabilidade, em vez do colon de El Salvador. Não tem assim política monetária própria, pelo que adotar a bitcoin não tem o inconveniente de perder esse poder.
Uma boa ou uma má ideia?
Esta iniciativa, como não podia deixar de ser, está a gerar muito polémica.
Os argumentos dos otimistas: El Salvador tem pouco a perder, pois é uma pequena economia monetariamente disfuncional (está dolarizada); o país vai poupar imenso nas transferências de remessas para/do exterior; uma grande fatia da população não tem conta bancária, passando assim a ter acesso a um meio de pagamento eletrónico; vai dar um impulso à economia local.
O argumentos dos pessimistas: a volatilidade da bitcoin vai prejudicar a economia; a bitcoin é muito cara e lenta para pequenas transações; é uma manobra para desviar as atenções de um governo que está a tentar controlar todos os ramos do poder no país; não foi feita a preparação adequada.
Inquéritos feitos à população (Universidade da América Central, Câmara do Comércio) parecem evidenciar os riscos da medida: só 5% percebe o que é a bitcoin e como é usada, 68% discorda que seja usada como divisa legal e 83% dos comerciantes refere não querer receber pagamentos em bitcoin, devido à volatilidade.
“A bitcoin só dá certo nos países que dão errado”
Deparámo-nos com esta frase de um economista brasileiro no Twitter e, por detrás do tom satírico, está um bom resumo da situação.
Consideraríamos uma experiência demasiado arriscada na maior parte dos países, mas no caso particular de El Salvador, o país pode não ter muito a perder dado o péssimo historial económico. Será, por isso, uma experiência interessante.
Tudo vai depender de como correr a adoção. Uma economia denominada em bitcoins teria vários problemas, do tipo que levaram os países a abandonar o “padrão ouro” no século passado, e pode acentuar disparidades económicas. Mas parece mais provável que continue a ser usada para acumular, especulando sobre a subida do valor, e para enviar remessas, continuando o dólar a ser usado no dia-a-dia.
Preocupam-nos mais outros efeitos. Um dos problemas com que se deparam os criminosos que extorquem milhões em criptomoedas é o momento de trocar as cripto por moedas. A bitcoin é apenas pseudo-anónima, é possível seguir as criptomoedas específicas mesmo que não se saiba quem as detém. É, aliás, um dos argumentos invocados pelos defensores das criptomoedas quando se diz que facilitam o crime.
Os criminosos já têm técnicas para este efeito (trocar em países que fazem vista grossa, ou o tumbling, trocar por diferentes criptomoedas sucessivamente), mas agora ficam com um potencial destino ideal para lavar dinheiro. E há rumores de que El Salvador se prepara para dar cidadania a detentores de criptomoedas, à la vistos Gold…
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