Com o objetivo de escaparem à supervisão e controlo dos bancos centrais, surgiram há alguns anos as criptomoedas, que não dependem de uma autoridade financeira ou governamental. A Bitcoin é a mais conhecida, por ser a primeira, mas neste momento já existem mais de três mil moedas virtuais.
E como funcionam estas criptomoedas? Fazendo a analogia com o “dinheiro real”, tal como uma nota não pode ser usada pelo António e pela Beatriz ao mesmo tempo para pagar, por exemplo, um café em dois restaurante diferentes, as criptomoedas usam, por uma questão de proteção, uma tecnologia denominada blockchain, que permite validar transações sem recorrer a uma terceira parte (um banco, por exemplo), a fim de confirmar que os ativos mudaram de mãos de forma segura. Este sistema ou algoritmo é designado por consenso de sistema distribuído (distributed system consensus) e mais não é do que um método que impede que a mesma criptomoeda seja utilizada por pessoas distintas das que consentiram a sua utilização.
Há vários algoritmos de consenso, mas dois são mais relevantes: o proof-of-work, possivelmente mais seguro, mas que consome quantidades tremendas de recursos; e o proof-of-stake, mais eficiente do ponto de vista energético, mas ainda pouco testado.
Proof-of-work versus proof-of-stake
O proof-of-work (PoW) foi o primeiro algoritmo de consenso criado e é, até hoje, o mais utilizado pelas criptomoedas. Sucintamente, no sistema PoW, os participantes (designados “mineiros”) disponibilizam potência computacional para decifrar um puzzle criptográfico e validar as transações. Os mais rápidos recebem, como incentivo, mais criptomoedas, o que potencia uma procura dos mineiros por equipamentos mais poderosos, que permitam ultrapassar os congéneres e ter maiores lucros.
Ironicamente, tal como na mineração real, estes mineiros estão a provocar estragos no ambiente. O consumo de energia da rede Bitcoin é muito elevado, ultrapassando o gasto energético de países inteiros.
Segundo o site Digiconomist, o dispêndio de energia anual é comparável ao do Chile, país com mais de 19 milhões de habitantes, e há estimativas mais pessimistas. Já a pegada de carbono é comparável à da Nova Zelândia. Para dar uma ideia, uma rede de pagamentos como a VISA processa transações com uma eficiência milhares de vezes superior.
O método proof-of-stake (PoS) é usado por criptmoedas como a Tezos ou a Cardano, e está a ser adotado pela Ethereum, a segunda criptomoeda mais valiosa.
Em vez de “mineiros”, há “validadores” que são selecionados aleatoriamente pelo algoritmo da blockchain. Para validarem as transações, têm de arriscar uma determinada quantidade de criptomoedas.
Assim, de acordo com a implementação escolhida na Ethereum, a segurança não assenta no poder informático, como acontece no PoW, mas na aleatoriedade do processo, e na possibilidade de os participantes perderem as suas criptmoedas, se validarem transações maliciosas.
O método PoS não tem o impacto ambiental e os custos do PoW. Mas ainda é pouco utilizado a esta escala, e os críticos argumentam que pode ser vulnerável a outros tipos de ataques tecnológicos.
Bitcoin e pandemia
Volátil como sempre, a Bitcoin perdeu, entre fevereiro e março, cerca de metade do valor, acompanhando a queda dos mercados acionistas. Da mesma forma, ao longo de abril e maio, seguiu a recuperação das bolsas, retornando quase aos valores do início do ano.
Em meados de outubro, começou a mais recente escalada. No início de dezembro, estava a aproximar-se dos 20 mil dólares. Um sinal de alerta? Em dezembro de 2017, a Bitcoin atingiu este mesmo pico, para, logo a seguir, desabar e perder três quartos do valor, o que levou muitos a vaticinar o princípio do fim.
Em novembro de 2018, não só previmos o não desaparecimento, como equacionámos o reacendimento do apetite por este tipo de ativos, caso surgisse alguma crise ou algum evento de grande impacto que pusesse em causa as moedas tradicionais.
2020 foi, certamente, um ano fértil em eventos disruptivos, a começar pelo surgimento do coronavírus e a terminar nos estímulos orçamentais e monetários gigantescos para suster o impacto da pandemia na economia mundial.
Quase todos os principais bancos centrais (EUA, zona euro, China e Japão) abriram as torneiras do dinheiro. Muitos apontam estes excessos monetários como um desvirtuamento do dinheiro real, tornando mais interessantes ativos como o ouro… ou a Bitcoin.
Se é certo que o preço do ouro subiu, atingindo recordes, não é menos verdade que a inflação, um efeito possível das medidas atuais, não está a aumentar nas principais economias. Portanto, será quando muito um motivo de especulação.
O facto de ser a mais conhecida do público é uma das justificações para o avanço da Bitcoin. Argumenta-se ainda que os bancos centrais vão criar moedas virtuais próprias e que isso pode dar-lhe mais credibilidade. A PayPal, por exemplo, também permite agora transações em Bitcoins.
A valorização da Bitcoin, em particular, assenta em escassez e notoriedade. A rede foi programada para produzir 21 milhões de Bitcoins, sendo que, neste momento, falta gerar cerca de 10% do total, o que se estima dever demorar 120 anos.
A escassez é artificial, o código poderia ser alterado para qualquer quantidade, mas, na prática, isso não vai acontecer porque a comunidade não tem interesse em algo que possa prejudicar o valor.
Assim, em nossa opinião, a melhor justificação para o valor da Bitcoin é análoga à explicação associada a qualquer bem colecionável: a utilidade que possa ter é secundária, o que conta é uma vontade crescente do público de deter esse bem, que é percecionado como escasso. A especulação pode impulsionar o preço de um bem escasso até níveis impensáveis.
Mas os fatores psicológicos são instáveis e difíceis de prever. A Bitcoin pode continuar a valorizar, ou a atenção dos especuladores ser desviada para outro ativo da moda. Pela nossa parte, preferimos investir com base em fundamentos sólidos, e o humor das multidões não tem nada de sólido, pelo que, em regra, não recomendamos a aposta em criptomoedas.