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Filipe
Campos
Especialista em Investimento Imobiliário pela London School of Economics.
Analista financeiro independente registado na CMVM.
Mestre em Economia pela Universidade Nova.
OCDE recomenda nova política de impostos sobre a habitação
Há um ano - 15 de julho de 2021
Filipe
Campos
Especialista em Investimento Imobiliário pela London School of Economics.
Analista financeiro independente registado na CMVM.
Mestre em Economia pela Universidade Nova.
O relatório da OCDE sobre a habitação é extenso mas aborda vários tópicos que ajudam investidores, e não só, a perceber o mercado imobiliário. Acautela também os interessados sobre as oscilações a que os preços das casas e os ciclos de construção estão sujeitos.
No caso de Portugal, o relatório realça a dificuldade em comprar casa: em média, o esforço para adquirir um imóvel face ao rendimento aumentou mais de 30% desde 2015. Outro dado preocupante é o valor em dívida do crédito hipotecário, que em Portugal ronda os 82% enquanto a média dos países da OCDE é 66%.
Uma das soluções apresentadas no relatório da OCDE vai no sentido de se depender menos de impostos sobre transações e mais de impostos anuais sobre os ativos imobiliários, ao mesmo tempo em que alteraria a base desses impostos do valor das estruturas para os preços atuais dos terrenos. Algo que no caso nacional, dá relevo para a diferença que há muito tempo é apontada pela Proteste Investe relativamente ao valor patrimonial e ao valor de mercado.
Os principais factos
- Os preços das casas e do arrendamento têm vindo a subir nos últimos anos, em grande parte motivado pela falta de oferta, o que tem levado a que o custo dos imóveis absorva uma parcela cada vez maior do rendimento familiar em relação a outros centros de custo como a saúde, educação ou transporte. De acordo com dados de 20 países da OCDE a despesa com habitação aumentou 5 pontos percentuais entre 2005 e 2015. Para um grupo de 10 países, no qual Portugal se inclui, esta despesa aumentou quase 6 pontos percentuais em 2015 comparativamente com 1995.
- Em grande medida, o desafio da acessibilidade tem as suas raízes no fracasso do setor em fornecer imóveis suficientes onde a procura é mais forte, como em áreas urbanas e com grande oferta de empregos.
- Outro desafio, apresentado pelo relatório, que o mercado imobiliário enfrenta, juntamente com acessibilidade e eficiência, está relacionado com a sustentabilidade ambiental: o setor residencial é responsável por 17% das emissões de gases de efeito estufa relacionadas a processos e energia e 37% das emissões de partículas finas em todo o mundo.
- Finalmente, o relatório da OCDE, dá nota do decréscimo de investimento público no desenvolvimento do parque habitacional que diminuiu de 0,17% do PIB em 2001 para 0,06% do PIB em 2018, em média, nos países da OCDE. Um maior investimento em habitação social e acessível teria o duplo benefício de proteger as famílias de baixa renda ou vulneráveis, ao mesmo tempo em que expandia diretamente a oferta de imóveis e, como resultado, aliviaria a pressão de alta sobre os preços das moradias.
O que afeta a procura?
Muitos fatores afetam a procura por habitação. Entre eles estão:
- a demografia, incluindo a migração;
- alterações no rendimento disponível;
- preços das casas;
- as taxas de juros ou condições de crédito.
Os choques de procura podem resultar de fatores domésticos, mas também internacionais, como mudanças nos fluxos de capital global, que podem ter grandes efeitos em alguns mercados imobiliários. A extensão na medida da qual o choque de procura habitacional afeta os preços depende do ciclo financeiro, políticas e variáveis mais estruturais como, por exemplo, custos de construção e infraestruturas.
O imobiliário e os ciclos económicos
No relatório da OCDE lê-se que existe uma forte ligação entre o preço da habitação e os ciclos de construção e a volatilidade macroeconómica. As políticas macroprudenciais, habitacionais e fiscais fornecem ferramentas complementares que, em conjunto, podem reduzir o avolumar de riscos macroeconómicos relacionados à habitação. Por exemplo, o controlo dos rácios de relação financiamento garantia dos empréstimos podem ser eficazes na contenção do aumento do risco de crédito e a um menor risco de crises severas.
A maior exigência nos requisitos de capital para as instituições de crédito hipotecário é outro exemplo de medidas. Por outro lado, também as configurações estruturais do próprio mercado imobiliário influenciam a resiliência económica. Por exemplo, uma regulamentação rígida no mercado de arrendamento estará associado a um maior risco de crise e a desacelerações da economia mais severas. Naturalmente o nível de tributação também tem influência. Um maior volume de impostos (ao longo da vida do imóvel) levará a ciclos do mercado imobiliário mais estáveis.
O efeito dos impostos no mercado imobiliário
Os mercados de habitação são afetados de forma diferente por diferentes instrumentos fiscais. Por exemplo, o imposto de selo ou o IMT (Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis) pode desacelerar os aumentos dos preços das casas, reduzindo os retornos esperados nas compras de casas com uma perspetiva mais especuladora. Impostos de selo mais altos reduzem, portanto, os volumes de transações imobiliárias, mas também aumentam os custos das transações imobiliárias e podem levar a um efeito de bloqueio.
Em contraste, os impostos recorrentes sobre a propriedade como é o caso do IMI, são amplamente neutros no que diz respeito ao comportamento cíclico dos mercados imobiliários e à resiliência económica. O seu principal efeito é reduzir a dimensão do mercado imobiliário, tornando a habitação mais cara. Como resultado, é sempre importante avaliar o efeito combinado de todos os instrumentos fiscais, em vez de instrumentos individuais.
O lado do arrendamento
O controlo de rendas e as regras entre senhorio e inquilino foram concebidos por uma variedade de razões sociais e económicas, como por exemplo fornecer habitação acessível ao limitar os aumentos dos valores de arrendamento e para equilibrar o poder de negociação entre as duas partes. No entanto, regras excessivamente rígidas podem retirar estímulos ao investimento em novos imóveis e à manutenção do stock existente de imóveis para arrendamento, além de dificultar o desenvolvimento do mercado de arrendamento. Isso pode resultar numa escassez da oferta, exacerbar bolhas especulativas de preços e aumentar a dívida das famílias, o que representa vulnerabilidades significativas para a estabilidade macroeconómica e o crescimento económico.
Em muitos países, de acordo com a OCDE, os governos poderiam fazer mais para tornar o mercado de arrendamento mais acessível aliviando as dificuldades de muitas famílias com rendimentos mais baixos e mais vulneráveis em suportar valores de arrendamento mais altos e em contínuo crescimento.
Uma estratégia passa por encontrar um melhor equilíbrio entre senhorios e inquilinos. Isso significa, por um lado, garantir um investimento seguro para proprietários e investidores e, por outro, uma habitação segura de boa qualidade para os inquilinos.
No caso de mercados de arrendamento mais restritos, as medidas de estabilização de arrendamento podem ser uma forma de fornecer maior segurança aos proprietários e inquilinos. Um exemplo é o desconto fiscal que existe em Portugal sobre os rendimentos prediais para contratos de longa duração. Ao contrário do congelamento restrito de rendas, que aplica uma taxa máxima (ou teto) abaixo do mercado, as medidas de estabilização do arrendamento limitam o nível de aumentos de arrendamento dentro (e às vezes entre) de contratos.
Problemas em Portugal
Cerca de 74% dos portugueses são proprietários e 26% são arrendatários (dos quais metade a preços de mercado). Este enquadramento, para além da evolução demográfica, tem levado a que os custos relacionados com imóveis sejam cada vez maiores e que a respetiva parcela do rendimento dedicada à habitação não tenha diminuído, sobretudo para as classes de menor rendimento. Os últimos números (2019) indicam que quase 18% do rendimento dos portugueses é gasto com habitação. Em 2009 esse valor era de 16% e em 1999 de 12%.
Outro dos problemas prende-se com a evolução dos preços. Os preços reais da habitação cresceram 16% entre 1990 e 2020. Já a variação real dos preços, desde os mínimos de 2012/2013 até agora, foi de aproximadamente 50%. Nestes últimos 8 anos, os preços de arrendamento cresceram 17%. Este valor é normalmente comparado com a variação do rendimento disponível. Se é inegável a melhoria do rendimento disponível dos portugueses nos últimos 20 anos, o problema maior prende-se com o facto de que o rendimento disponível per capita nos últimos 8 anos foi de aproximadamente 30%.
Consultando o rácio, com base 100 em 2015, entre o valor dos imóveis e o rendimento disponível (price to income ratio) este valor ficou nos 131 em 2020. Isto significa que, em média, o esforço para adquirir um imóvel face ao seu rendimento aumentou mais de 30% desde 2015.
Este valor já foi mais alto no passado (em 1996 o rácio era 137) contudo era sustentado em grande parte por salários mais baixos. Tal como já referimos em análises anteriores, um price to income tão elevado ilustra a, cada vez maior, dificuldade de os portugueses conseguirem comprar casa quando confrontam o baixo rendimento disponível com os preços elevados dos imóveis.
Do lado da oferta, a curta resposta de nova construção e o aumento de custos associados levou também por um lado a uma menor disponibilidade para comprar. Os dados publicados no relatório mostram por um lado níveis de elasticidade da oferta iguais ou inferiores a 1 em 3 das 4 regiões analisadas (Norte, Centro, Algarve, Região Autónoma dos Açores).
Uma elasticidade da oferta inferior a 1 significa que a oferta é na verdade relativamente inelástica (rígida) o que leva a um aumento de preços tendo também em consideração o nível de procura existente. Por outro lado, mostra que o valor dos imóveis existentes tem vindo a aumentar mais do que os imóveis novos criando dificuldades ao nível da mobilidade devido à inacessibilidade provocada pelos baixos rendimentos face a este crescimento de preços. Nos últimos 2 anos os preços dos imóveis existentes aumentaram 19% enquanto o preço dos imóveis novos cresceram 15%.
Outro ponto relacionado com rendimento disponível é a ponderação que o crédito hipotecárioh tem no montante total da dívida dos agregados familiares. Em Portugal, o valor em dívida do crédito hipotecário ronda os 82% enquanto a média dos países da OCDE é 66%. Num cenário de subida de taxas de juro associadas a estas dívidas o peso dos encargos com habitação no orçamento familiar será indissociavelmente maior.
Do ponto de vista de investidor é possível acautelar o seu investimento. Por exemplo, a ferramenta da Proteste Investe “Comprar Casa” permite, numa perspetiva de longo prazo, perceber se está a tomar uma decisão acertada ou não.
Soluções apresentadas
Um imóvel, quer estejamos a falar de investimento ou não, está intrinsecamente ligado com o valor do património pessoal. Assim, necessariamente, a evolução dos mercados imobiliários tem repercussões no consumo das famílias e na macroeconomia do país por meio de efeitos de riqueza. O aumento dos preços das casas também tem implicações para a desigualdade de riqueza sobretudo entre quem opta ser proprietário ou arrendatário. Por outro lado, este aumento de preço levanta questões regionais dentro dos próprios países mas acima de tudo restringe a capacidade das pessoas se deslocarem para zonas onde há não só mais emprego mas também mais qualificado. Que soluções apresenta o relatório?
- As reformas de políticas relativamente ao uso da terra podem remover obstáculos para expandir a oferta em resposta às pressões de procura e, consequentemente, ajudar a mitigar os aumentos dos preços das casas em áreas de elevada procura. Isso pode ser conseguido removendo restrições de altura de construção excessivamente rígidas ou requisitos de tamanho mínimo de lote. Além disso, as decisões devem evitar a sobreposição de responsabilidades entre os vários níveis de decisão governamental e garantir que a tomada de decisões seja baseada nas necessidades das áreas metropolitanas como um todo, em vez de baseada nas jurisdições (concelhos) individuais.
- Outra solução apresentada no relatório da OCDE vai no sentido de se depender menos de impostos sobre transações e mais de impostos anuais sobre os ativos imobiliários, ao mesmo tempo em que alteraria a base desses impostos do valor das estruturas para os preços atuais dos terrenos. Algo que no caso nacional, dá relevo para a diferença que há muito tempo é apontada pela Proteste Investe relativamente ao valor patrimonial e ao valor de mercado. A mudança das taxas de transação para impostos recorrentes reduziria os obstáculos à mobilidade, facilitando o ajuste do mercado de trabalho e impulsionando o crescimento económico.
- Ainda no campo da fiscalidade, é proposta uma redução dos incentivos fiscais para os detentores de hipotecas (por exemplo nos casos em que é aplicável, a dedução dos juros decorrentes dos créditos hipotecários). Esta redução ajudaria a conter as pressões sobre os preços das casas, promovendo a eficiência do mercado e promovendo a acessibilidade a longo prazo. No entanto, antes que os preços se ajustem, essa mudança tornará numa fase inicial mais difícil para novos compradores, muitas vezes famílias jovens, se tornarem proprietários. Os pacotes de reforma também beneficiariam de ações complementares para remover obstáculos à expansão da oferta em áreas de elevada procura, como referido anteriormente.
- É importante encorajar o investimento em imóveis criando uma maior flexibilidade na regulamentação das relações entre senhorio e inquilino, por exemplo por via de rendas controladas. Conseguir-se-ia assim reduzir as disparidades entre oferta e procura e diminuir as barreiras à mobilidade residencial. No entanto, as reformas podem penalizar os inquilinos mais vulneráveis a curto prazo, exigindo medidas compensatórias, incluindo, por exemplo, um aumento na oferta de habitação social. Uma oferta de imóveis ajustada às necessidades aumenta a capacidade de resposta da migração interna às condições de rendimento dos agregados e emprego locais, e essa realocação espacial pode ajudar a absorver choques locais adversos.
- A heterogeneidade da evolução dos preços ressalta a importância de alinhar espacialmente a procura e a oferta, o que significa que a construção deve ocorrer onde existir mais procura. A necessidade de respostas flexíveis de oferta é ainda mais crítica, visto que as tendências em curso, como o envelhecimento da população, o protótipo clássico dos agregados familiares, e a digitalização, bem como a recente crise do Covid, estão a influenciar os padrões procura. Porém, o relatório também aponta que as novas construções não são a única maneira de alinhar a oferta à procura. Por exemplo, a renovação e melhoria do stock existente pode ajudar mais rapidamente à procura e a reduzir o nível das taxas de ocupação. Adicionalmente, a tributação de imóveis desocupados incentiva a um maior uso dos imóveis existentes. Certificar-se de que a tributação e a regulamentação dos arrendamentos de curta duração são neutras em comparação com hotéis ou residências turísticas também pode ajudar a evitar uma conversão excessiva de imóveis residenciais com uma perspetiva de longa duração na sua origem.
- Sobre um tema que começou agora a ser abordado, a sustentabilidade, o relatório aponta que padrões ambientais mais rigorosos no parque habitacional, necessários para atingir as metas de emissões acordadas, podem pressionar uma subida dos custos de construção e manutenção e, por sua vez, os preços das casas. Portanto, medidas compensatórias podem ser necessárias para conciliar os objetivos de sustentabilidade e acessibilidade (à habitação). Podem envolver, por exemplo, subsídios para a melhoria da eficiência energética, que poderiam ser financiados, pelo menos em parte, aumentando os impostos recorrentes sobre a propriedade, juntamente com medidas para garantir que o setor de arrendamento seja devidamente coberto. A regulamentação financeira também pode contribuir para facilitar o financiamento da transição energética, permitindo que os emissores de hipotecas levem em consideração, no seu preçário e condições de crédito, que residências mais eficientes em energia terão um valor superior no longo prazo, inclusive quando financiam renovações.
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