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Da desigualdade fiscal ao incentivo à especulação
Há 3 meses - 18 de outubro de 2022
Ao atribuir esta isenção, o Governo está a incentivar o investimento em ativos não regulados, em detrimento de produtos legalmente enquadrados.
A três semanas da data em que se celebra o Dia Mundial da Poupança – 31 de outubro –, ficaram a conhecer-se as grandes linhas da proposta do Orçamento do Estado para 2023. Surpreendentemente, no que toca os pequenos investidores, as novidades vêm, por um lado, criar discriminação – injustificada – entre ativos e, por outro, passar uma ideia pouco ortodoxa acerca dos produtos que os cidadãos devem considerar ao constituírem uma poupança, tão importante no atual contexto. Mas vamos por partes.
Os criptoativos detidos a título pessoal passam a ser enquadrados fiscalmente, com as mais-valias sujeitas a imposto. Recorde-se que, até aqui, só os ganhos obtidos no âmbito profissional ou empresarial eram taxados. Mas, a acompanhar esta novidade, vem uma exceção. As mais-valias com criptoativos vão beneficiar de uma isenção que mais nenhum ativo parece merecer, nem mesmo os ETF de criptoativos. Só os ganhos conseguidos em prazos inferiores a 12 meses serão tributados, através da habitual taxa de 28 por cento. Já os lucros resultantes da venda de criptoativos em carteira há mais de 12 meses nada terão a pagar.
Recria-se o regime de isenção que existiu, por exemplo, para as mais-valias de ações detidas por mais de 12 meses, e a que o Governo de Sócrates pôs fim em 2010. Só que, desta feita, esses mesmos valores mobiliários e restantes ativos financeiros ficam excluídos da isenção. Independentemente do tempo em carteira, sobre eles recai a taxa de 28%, exceto se sujeitos a englobamento, caso em que o imposto pode até ser superior.
Perante este tratamento desigual, importa questionar a mensagem que o Governo passa aos investidores, em particular, e aos cidadãos, em geral. Num momento em que é fulcral estimular a poupança das famílias, de modo que possam dispor de uma almofada financeira para enfrentarem a crise que se anuncia, o Governo está a incentivar o investimento em ativos não regulados, em detrimento de produtos legalmente enquadrados e, por isso, com atividade sujeita a registo e supervisão.
Produtos tendencialmente especulativos, como as criptomoedas, com riscos acrescidos para o consumidor, não deveriam receber tratamento fiscal mais favorável.
A PROTESTE INVESTE sempre defendeu a equidade e a neutralidade fiscais na tributação dos rendimentos dos produtos financeiros. Por essa razão, questionou, em abril último, o Ministério das Finanças e os grupos parlamentares acerca desta distorção. Prevaleceu o silêncio... Voltará a fazer chegar as suas preocupações ao Governo, na expectativa de que, até à votação final do Orçamento, sejam feitas as devidas emendas. O desenvolvimento da criptoeconomia nem tudo pode justificar.
Filipa Rendo
Jornalista e Coordenadora Editorial
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