O mundo está a emergir da realidade pós-covid. Contudo, as sociedades terão de continuar a conviver com o vírus e com as transformações mais duradouras provocadas pelos confinamentos. Tendências como a digitalização e o comércio eletrónico sofreram um forte impulso.
Ao mesmo tempo, muitos planos de retoma assentam em medidas que visam uma maior sustentabilidade ambiental do crescimento económico.
Perante este chamado “novo normal”, os vários setores de atividade perfilam-se de forma diferente, pelo que as perspetivas e oportunidades de investimento em bolsa também são diversas.
A quem se destinam?
O investimento setorial não é essencial para uma gestão adequada de uma carteira de investimentos. Nas nossas três estratégias de referência preferimos a abordagem geográfica. Os fundos e ETF setoriais deve servir para complementar uma carteira (geograficamente) bem diversificada.
O desempenho varia bastante consoante os setores. A abordagem setorial tem a vantagem de permitir beneficiar do desempenho em bolsa de empresas que oferecem maior potencial do que a média do mercado. Mas, naturalmente, a aposta também pode resultar numa rentabilidade inferior à média.
Possuir um bom potencial de crescimento é insuficiente para que as empresas de um setor garantam uma rentabilidade atrativa. O setor tem de ser avaliado igualmente à luz do nível que as cotações das empresas já atingiram em média.
As flutuações registadas pelos fundos setoriais tendem a ser superiores às dos fundos com abordagem geográfica, com exceção de alguns mercados emergentes. Devido a esse risco é importante que, mesmo naqueles que são interessantes, limite a sua aposta a 5-10% do total da carteira.
Vejamos setor a setor, quais as perspetivas, bem como os fundos e ETF setoriais mais bem avaliados. Damos preferência a ETF setoriais e com um foco mundial. Estes produtos permitem beneficiar da valorização dos mercados financeiros sem o risco associado a investir numa única empresa.
Bens de consumo essencial
O desempenho em bolsa tem ficado aquém da média dos últimos cinco anos. Como era de esperar, a pandemia impactou menos o consumo de bens essenciais (alimentação, produtos de higiene e limpeza, entre outros), a margem de progressão de lucros das empresas do setor era diminuta.
Algumas importantes empresas, especialmente no subsetor da alimentação, já estavam enfraquecidas antes da pandemia devido à dívida excessiva, a produtos desadequados à procura, etc.
Foi preciso apostar nos produtos tradicionais mais procurados (por exemplo, congelados) em vez de investir noutras gamas, como a dos produtos vegetarianos. Resta saber até que ponto a covid-19 veio alterar o consumo.
As grandes marcas beneficiaram do fator “qualidade”, mas continuam a enfrentar uma forte concorrência de produtos low-cost. A inflação dos custos com as matérias-primas pode ter impacto na rentabilidade das empresas. Certamente, algumas marcas repercutirão o aumento de custos, revendo em alta os seus preços de venda.
Mas não é solução nos países emergentes que mais sofreram com a crise e onde os grandes grupos do consumo investiram bastante. O setor apresenta, em média, um bom rendimento do dividendo e fluxos de caixa estáveis, mas as valorizações estão em níveis já pouco atrativos face às perspetivas. Não recomendamos.
Bens de consumo não essencial
O setor de bens de consumo não-essencial, ou cíclico, é bastante abrangente. Inclui fabricantes de produtos duradouros (televisões, câmaras, etc.), bens de luxo, automóveis, retalhistas (online e offline), hotéis e restaurantes.
O que têm em comum é a maior sensibilidade à conjuntura económica. Quando o crescimento é mais baixo ou há recessões, é o tipo de consumo que as famílias começam por suprimir para reduzir os encargos.
Apesar de alguns problemas logísticos, beneficiou bastante da recuperação da atividade económica. O desemprego manteve-se limitado, com a ajuda de apoios e medidas governamentais, e o segmento de luxo beneficiou do efeito patrimonial induzido pela subida das bolsas.
O setor tem também empresas líderes que se adaptaram rapidamente às novas condições de mercado, permitindo manter a vantagem competitiva: Amazon, Home Depot, LVMH, Nike, Sony, Tesla e Toyota. No entanto, a cotação das estrelas do mercado bolsista atingiu níveis demasiado exagerados.
No futuro, estas ações poderão desiludir, especialmente em caso de dificuldades económicas inesperadas. Não recomendamos.
Biotecnologia
O desempenho de 2021 dececionou, após um excecional 2020 que viu os preços de muitas ações de biotecnologia, especialmente as orientadas para a covid, dispararem. Algumas empresas aproveitaram esta tendência muito favorável para aumentar o capital ou entrar em bolsa com níveis de avaliação muito elevados.
Desde então, os investidores estão de saída ou deslocaram-se para empresas (não cotadas) mais acessíveis. As discussões nos Estados Unidos sobre o preços dos medicamentos também foram desfavoráveis.
De facto, o setor da biotecnologia é constituído sobretudo por pequenas empresas, financeiramente frágeis e muitas vezes assentes num único produto. Se os resultados clínicos forem bons, será o jackpot. Caso contrário, é a catástrofe. Não recomendamos fundos especializados em biotechs.
É preferível investir num fundo dedicado aos cuidados de saúde em geral, menos arriscado e mais atrativo do que num fundo só de biotecnologia. As grandes empresas farmacêuticas investem regularmente no sucesso das biotecnológicas, para adquirir o know-how e/ou novos produtos. Esses fundos de cuidados de saúde também investem uma pequena parte em biotecnologia.
Construção e imobiliário
O setor imobiliário é conhecido pela sua elevada correlação com o comportamento da economia. Neste momento, está num período de transição. É possível que, a longo prazo, a procura de espaços de escritório diminua em resultado do teletrabalho, o que poderá obrigar a uma reorientação dispendiosa de algumas empresas.
O mercado das superfícies comerciais está a sofrer com o aumento do comércio eletrónico e a queda das taxas de ocupação. Há incógnitas quanto à evolução do turismo. Há o caso Evergrande, o gigante promotor imobiliário chinês que entrou em colapso. Contudo, o problema parece estar circunscrito, os mercados têm características diferentes e bolhas imobiliárias associadas ao crédito são um fenómeno recorrente.
Do lado positivo da balança, as valorizações das empresas do setor estão em níveis atrativos, bem como os respetivos dividendos. E na economia em geral, mesmo após as subidas previstas, haverá um ambiente de baixas taxas de juro por mais uns anos.
Energia (petróleo & gás)
O setor energético tradicional valorizou consideravelmente nos últimos doze meses, mas ainda não reconquistou todo o terreno perdido com a pandemia.
A recuperação da economia mundial e o consequente aumento de consumo de hidrocarbonetos, em conjunto com o controlo da produção pelo cartel da OPEP e da Rússia, têm mantido o barril de Brent acima dos 80 dólares, e não se antevê uma queda significativa do valor. Aliás, a economia global está ainda distante de poder dizer adeus ao crude.
Apesar da desejada transição energética, ainda se estima um aumento do consumo diário de barril de petróleo nos próximos anos. As tensões na Ucrânia também são suscetíveis de aumentar o custo do gás natural.
Com este nível de preços do barril, as gigantes petrolíferas têm saído reforçadas. O dinheiro gerado é parcialmente devolvido aos acionistas através de bons dividendos e compra de ações próprias.
No entanto, dada a elevada valorização dos últimos meses, o risco de uma aposta neste setor é agora maior. Se tem, pode manter:
veja os fundos e ETF do setor.
Energia alternativa (transição verde)
Após a subida meteórica de 2020, o setor da energia verde “desinsuflou”. O aumento das matérias-primas para produzir equipamentos e a ameaça de aumento das taxas de juro atingiram a cotação de muitas ações.
Apesar do potencial do setor, é preciso ter em conta que muitas “empresas verdes” ainda estão longe de serem rentáveis e os seus modelos de negócio precisam de ser melhorados. Embora tenha havido correção, o valor das ações ainda não é muito atrativo. A volatilidade é elevada e os rácios bolsistas pouco convidativos.
Então, porquê investir? O cumprimento das metas climáticas e a redução dos riscos geopolíticos em torno do gás russo são alguns argumentos para justificar os investimentos verdes.
Financeiro
A recuperação económica em 2021 beneficiou muito o setor bancário. O crédito ao consumo e às empresas aumentou, o dinamismo na gestão de ativos e seguros regressou, houve mais consultoria para IPO, aquisições e fusões. E, ao contrário do que se esperava, não ocorreu o receado tsunami de crédito malparado, o que deu alento aos resultados.
Além da continuação de um bom ritmo de crescimento económico, a subida das taxas de juro e da inflação serão favoráveis, assim como um alívio para as carteiras financeiras das seguradoras. Altamente dependente da conjuntura (economia, taxas, mercados, regulação), o setor é mais arriscado do que a média do mercado bolsista.
Infraestruturas
Altamente dependente das atividades públicas, o setor das infraestruturas teve um desempenho bastante interessante em 2021. Este setor inclui as chamadas utilities mas também as empresas industriais, telecomunicações (por exemplo, detentoras de antenas), caminhos-de-ferro, portos e aeroportos.
É uma diversidade considerável e com potencialidades diferentes. Podem, por isso, beneficiar de vertentes distintas, desde o crescimento das renováveis à implementação do 5G, passando pela aposta na ferrovia como meio de transporte menos poluente.
A nova “rota da seda” proposta pela China, sobretudo com impactos na Ásia, e o Plano Biden para modernizar as infraestruturas dos Estados Unidos (estradas, pontes, transportes energéticos, telecomunicações, etc.) trarão mais investimento para estas áreas.
Contudo, dada a instabilidade de algumas estratégias políticas, as empresas podem vir a sofrer maior incerteza nas suas perspetivas. Se tem, pode manter:
veja os fundos e ETF do setor.
Matérias-primas
O consumo disparou, o que impulsionou a procura de matérias-primas. A forte subida vai desde o café ao alumínio. A resposta da oferta tende a ser lenta. Não se começa a explorar uma nova mina de um dia para o outro. E quando, finalmente, a oferta aumenta, os níveis de procura já são diferentes, sendo frequente ocorrer excesso de produção e queda dos preços.
O mercado das commodities é bastante volátil, o que se reflete nos resultados das empresas. No entanto, com a manutenção do crescimento económico e a transição energética, a procura de metais deve permanecer sustentada.
Em bolsa, o setor está em níveis atrativos e os rendimentos dos dividendos são interessantes. Pela negativa, a pressão para “ser verde” será cada vez maior, sobretudo para as mineiras.
Veja os fundos e ETF para apostar no setor.
Saúde
Com o menor número de casos de covid e as campanhas de vacinação, as visitas a médicos e hospitais e os procedimentos cirúrgicos, bem como os níveis de vendas dos laboratórios voltaram, em 2021, aos níveis pré-pandemia.
Um ano particularmente lucrativo para as empresas envolvidas na luta contra a covid (vacinas, medicamentos, diagnósticos, etc.), que reviram em alta as suas previsões. Excluindo os efeito da pandemia, as tendências a médio e longo prazo são positivas para o setor.
As empresas têm de renovar constantemente o seu pipeline para compensar a perda de patentes, mas o aumento da população global, envelhecimento e proliferação de doenças crónicas (diabetes, etc.) continuam a ser fatores de suporte a longo prazo.
Tecnologia
No Ocidente, muitos trabalhadores estão a regressar ao local de trabalho, mas o teletrabalho veio para ficar. Este novo contexto beneficia ainda mais os gigantes do setor tecnológico.
O software reforçou o ritmo de crescimento anterior, a cibersegurança e o cloud computing. A procura por chips de vários setores (automóvel, inteligência artificial, etc.) gerou escassez no fornecimento de semicondutores, o que pode indicar resultados ainda melhores deste subsetor.
As perspetivas continuam favoráveis, mas as cotações de muitas empresas estão um pouco elevadas e são particularmente voláteis perante a subida dos juros. Apesar da recente correção das bolsas e destas empresas em particular, não recomendamos uma compra generalizada. Mantenha uma exposição ao setor, mas não muito elevada.
Veja os fundos e ETF para apostar no setor.
Telecomunicações e media
Como tem sido habitual nos últimos anos, o setor das telecomunicações ficou atrás da média em 2021. A recuperação económica beneficiou principalmente as empresas em rápido crescimento. E o mínimo que podemos dizer é que são poucas no setor das telecomunicações, dominado por empresas maduras.
O setor das telecomunicações não está atrativo, sobretudo tendo em conta as fracas perspetivas de crescimento dos lucros. Além disso, os investimentos atuais para desenvolver infraestruturas 5G, que inflacionam a dívida, serão difíceis de rentabilizar.
Nos média, algumas empresas puderam lucrar com o acréscimo dos serviços de subscrição online, mas o subsetor já está muito valorizado. Também não pode ser ignorada a sobreposição crescente com a tecnologia.
A maioria dos fundos e ETF investem nas empresas tradicionais mas incluem outros players, como a Meta (WhatsApp), Alphabet e Microsoft, com ofertas próprias de comunicação. Houve uma mudança de paradigma.
O potencial de crescimento é maior, mas as valorizações também já estão em patamares muito elevados – razão pela qual não recomendamos.
Utilities - Serviços públicos
A subida dos preços da energia pode ter sido um bónus, mas a valorização dos serviços públicos não foi das mais elevadas nos últimos doze meses. Com efeito, o setor valorizou 12% contra 19% da média global.
Este desempenho resulta, sobretudo, de os governos de vários países terem introduzido limites para minimizar o impacto na fatura energética das famílias, refreando os lucros do setor.
O desempenho menos bom deve-se também ao modelo de negócio dos grandes produtores/revendedores de eletricidade. Muitas empresas utilizam contratos que fixam os preços para grande parte da sua produção no futuro. É favorável quando os preços descem, mas, quando sobem, não beneficiam plenamente.
A maioria das ações do setor estão razoavelmente valorizadas, e o setor dos serviços públicos continua bem posicionado para beneficiar de milhares de milhões da transição energética (Green Deal Europeu, Plano Biden nos EUA).
Contudo, a subida das taxas de juro é suscetível de penalizar um setor tipicamente mais endividado. Se tem, pode manter:
veja os fundos e ETF do setor.
Invista sempre de forma diversificada.