Esta época de apresentação de resultados trimestrais traz uma novidade significativa. Desde o início de junho de 2016 deixou de ser obrigatório, para os emitentes com valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado, elaborarem e divulgarem informações relativas ao primeiro e terceiro trimestres do ano.
Fora deste regime, e mantendo sempre a obrigatoriedade de divulgação, ficam as instituições financeiras (bancos, seguradoras). Isto significa que as restantes empresas podem já não dar notícias sobre a evolução das suas contas no terceiro trimestre de 2016. A decisão cabe apenas ao bom senso do emitente. No entanto, se optar por divulgar, terá de manter essa decisão por dois anos.
Encargo significativo?
A alteração surge de uma diretiva europeia em que o legislador considera que as divulgações intercalares de resultados são um encargo significativo para pequenos e médios emitentes.
É um pressuposto bastante discutível. Produzir informação financeira e de gestão periodicamente é uma prática corrente e normal para qualquer empresa minimamente saudável. Aceder a informação financeira atualizada de forma regular é fundamental para quem gere uma empresa, seja de que dimensão for, e esteja cotada em bolsa ou não.
É suposto que uma empresa bem gerida tenha em funcionamento a estrutura que lhe permite responder às necessidades de informação dos seus gestores. No caso das cotadas, o encargo adicional é tornar essa informação um “produto” para divulgação externa, não apenas para consumo interno, o que não é um encargo significativo.
Uma maré de efeitos perniciosos
O facto de as empresas passarem a divulgar apenas duas informações financeiras por ano reduz a visibilidade sobre a evolução dos seus negócios e, ao mesmo tempo, retira-lhes interesse devido ao desfasamento temporal entre a sua ocorrência e a divulgação.
Se os emitentes seguirem esse caminho teremos obviamente menos informação e, como consequência, menor transparência no relacionamento entre empresas e investidores. O mercado ficará mais opaco e afastará muitos investidores (institucionais e particulares). Será também menos interessante pois, em termos gerais, criando um fluxo regular de noticias, as divulgações de resultados são um polo dinamizador de negociação e liquidez para as ações cotadas. Teremos também maior assimetria e instabilidade pois, no mesmo mercado, entre vários emitentes, irão coexistir práticas diferentes e essa prática poderá mudar a cada dois anos para cada empresa.
65% das empresas divulgarão
Segundo um inquérito que fizemos às empresas cotadas na Euronext Lisboa, cerca de 65% afirmou que irá manter a divulgação das contas trimestrais e o valor poderá ser mais elevado devido às que ainda estão indecisas. É uma percentagem muita positiva!
Como seria de esperar, a maioria dos emitentes não encontrou poupanças de custos significativas pelo facto de não divulgar os resultados trimestrais. Ou, pelo menos, parece compreender que uma eventual poupança não justifica interromper o importante fluxo regular de informação para os atuais e potenciais investidores.
Esperamos que os emitentes portugueses mantenham esta postura que contribui para a transparência do mercado de capitais nacional. É importante que estes números não venham a piorar no futuro com alguns emitentes a “deixar cair” esta comunicação com o mercado.
As ovelhas negras
Das 43 empresas não-financeiras cotadas, pelo menos, dois terços afirmam que irão manter a divulgação de resultados relativos aos primeiros e terceiros trimestres.
– Analisando o universo das empresas que estão incluídas no índice PSI-20, obtivemos resposta de todas. Apenas a Pharol não manterá a divulgação dos resultados intercalares (posteriormente a Mota-Engil comunicou que também iria deixar de divulgar).
– Ao nível das empresas que apenas integram o índice PSI Geral, os resultados do inquérito não são tão animadores para a transparência do mercado. De facto, das 28 empresas contactadas, sete informaram-nos que não irão divulgar informações trimestrais: Compta, F.C. Porto SAD, Inapa, Lisgráfica, Novabase, SDC Investimentos e Sumol + Compal, enquanto a Benfica SAD e a Teixeira Duarte ainda não tomaram uma decisão. Quatro empresas preferiram não responder à nossa questão: Imobiliária Grão Pará, Luz Saúde, Orey Antunes e Sonaecom.
Um passo atrás
A discricionariedade sobre a divulgação de resultados trimestrais, com as empresas cotadas a poderem optar por não divulgar é um exemplo que nem sempre a legislação europeia e nacional caminha no bom sentido. Este foi um passo atrás na transparência que lesa os investidores em bolsa. Mas a resposta da maioria das cotadas nacionais mostra que o mercado também sabe qual a melhor opção a longo prazo. Pelo menos para já, o bom senso ganhou, mas estaremos atentos. Um menor fluxo de informação e de transparência pode matar o pouco que resta do mercado nacional de ações.