“O Reino Unido deve continuar membro da União Europeia ou abandonar a União Europeia?”. A esta questão, os eleitores britânicos deveriam responder “remain” ou “leave”. E, em contradição com as últimas sondagens e as expectativas da maioria dos investidores, foi a opção “sair” que acabou por ganhar com 17 410 742 votos, 51,9% do total.
O resultado é, antes de mais, uma derrota para o Primeiro-ministro David Cameron. Ao prometer, por pura chicana política, este referendo durante a campanha eleitoral de 2015, abriu a caixa de Pandora. E se na altura recolheu dividendos, pois a promessa de referendo tê-lo-á ajudado a conquistar um segundo mandato à frente do Reino Unido, viu-se agora obrigado a apresentar a sua demissão, com a sua saída marcada para outubro, e precipitou o seu país na crise.
É também uma derrota para a União Europeia. Prevista apenas por princípio nos tratados europeus, a partida de um Estado membro parecia inconcebível antes deste 23 de junho. Incapazes de responder à hostilidade crescente de boa parte da população da Europa em relação a um projeto que já não os fazia sonhar, os partidários da construção europeia vivem um pesadelo acordados.
Pelo contrário, o voto britânico é uma benesse para os eurocéticos de todos os quadrantes políticos que reclamam no seu país a realização de um referendo semelhante à permanência na União Europeia.
Pânico financeiro
A julgar pela reação das primeiras horas, não há qualquer dúvida de que os investidores não estavam preparados para uma vitória do “leave”. A libra inglesa foi a primeira vítima, tendo atingido o seu valor mais baixo desde 1985. Foi a sua maior queda de sempre no mercado de câmbios, perdendo cerca de 10% face ao dólar americano.
Até agora a queda recorde devia-se à saída da libra inglesa do sistema monetário europeu em 1992, mas as perdas foram limitadas a 4,1%. Levou na sua esteira todas as divisas europeias, com a exceção do sólido franco suíço, que o banco central helvético suportou com as suas intervenções. A instabilidade financeira transmitiu-se igualmente à maioria das divisas do globo. Mas os tradicionais valores de refúgio, como o dólar americano, o franco suíço e o iene japonês, saíram pelo contrário reforçados.
A procura da segurança traduziu-se igualmente pela preferência por obrigações dos emitentes mais sólidos, enquanto os mercados acionistas conheceram uma sexta-feira negra e registaram perdas significativas. Para além da crise política provocada pelo resultado inesperado, são as consequências económicas que preocupam os investidores.
Perturbações económicas
A economia britânica será a primeira vítima do voto. Tendo já vindo a abrandar no período que antecedeu o referendo de 23 de junho, o investimento das empresas continuará deprimido.
O clima de incerteza afetará igualmente o consumo das famílias e o mercado imobiliário, dois importantes motores da atividade económica. Não é possível excluir uma recessão nos próximos trimestres. Para este ano, graças ao desempenho do 1º semestre, o crescimento ainda será positivo, em torno de 1%. Mas poderá ser nulo em 2017.
O resto da Europa sofrerá igualmente. As relações entre o Reino Unido (RU) e a Europa continental são intensas. O RU é um cliente importante para muitos países europeus, nomeadamente a Alemanha, Itália, Holanda e Bélgica. Em Espanha, os britânicos representam 25% dos turistas, e 300 000 reformados aproveitam a livre circulação de pessoas para passar a sua velhice em solo espanhol. A Polónia inquieta-se em relação aos seus 700 000 cidadãos que habitam e trabalham no RU.
Incerteza
A partida de um estado membro está prevista no art.º 50º do Tratado de Lisboa. Mas nada está previsto quanto às condições em que se fará essa saída. Entre uma separação amigável e um divórcio conflituoso, tudo é possível. O destino da Escócia, parte do RU mas que votou 62% a favor de permanecer na União, é outra incógnita digna de nota.
Qualquer que seja o desfecho do processo que se iniciou neste 23 de junho, com a vitória do “leave” no referendo, o RU e a União Europeia entraram numa era de grande incerteza. Neste contexto, suspendemos os nossos conselhos de compra em relação às ações britânicas, bem representadas nas nossas carteiras. Enquanto se espera por uma clarificação do futuro próximo, mantenha.