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Pedro Portugal Gaspar: "Preços baixaram, mas temos de continuar a monitorizar"

Não se faz sentir de forma significativa no bolso dos portugueses, mas a medida que isenta de IVA 46 bens alimentares está a produzir efeito, avalia Pedro Portugal Gaspar, inspetor-geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

Pedro Portugal Gaspar inspetor-geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)

José Fernandes/4See

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) acompanha a aplicação de IVA zero a 46 bens alimentares de primeira necessidade. A medida, em vigor desde 18 de abril, vai prolongar-se até outubro deste ano. Para um balanço do primeiro mês de atividade nesta área, a DECO PROTESTE conversou com o inspetor-geral, Pedro Portugal Gaspar.

Como avalia a implementação da medida que isenta de IVA 46 bens alimentares essenciais?

Acompanhamos um cabaz de 27 produtos, desde janeiro de 2022, com um duplo objetivo: despistar eventuais situações de açambarcamento – ou seja, saber se havia rotura de stock nos supermercados e no retalho – e, simultaneamente, verificar a oscilação dos preços, com vista a acompanhar situações que pudessem induzir práticas especulativas. Ao longo deste tempo, verificámos que o abastecimento foi, de uma forma geral, regular. Num ou noutro momento, houve, por exemplo, redução da disponibilidade de ovos, na altura festiva, mas tudo com explicação. Trabalhámos com aqueles 27 produtos, para termos uma amostragem baseada neste duplo princípio. Porque, numa situação de restrição económica, pode haver escassez [de bens] e preços altos. E isso tem dois nomes: açambarcamento e especulação. Quando surgiu a medida do IVA, restruturámos um pouco o cabaz, na lógica de cobrir as 46 categorias de bens, tendo por universo as cinco maiores cadeias de distribuição. A metodologia assentou em ter um exemplar de cada uma destas categorias, optando pelo mais acessível. Ou seja, na fileira do porco, ir para o mais barato; na maçã, também… Para termos, tanto quanto possível, uma linha coerente, na lógica do que seria um cabaz mais acessível.

Constatámos que, a 17 de abril [no dia anterior à entrada em vigor do IVA zero], o cabaz custava 163,55 euros. Quando a medida entrou em vigor, desceu para 153,32 euros, portanto, uma redução de 6,2 por cento. A 22 de maio, o último controlo [à data da entrevista], o cabaz estava em 151,44 euros, uma redução de 7,48 por cento. À exceção de uma semana, no início de maio, em que houve uma ligeira subida (0,45%), os preços do cabaz têm vindo a baixar. Isto tem que ver, naturalmente, com a amostra. Penso que o cabaz da DECO PROTESTE estava a dar uma redução de 5 ponto qualquer coisa… 

Agora, está em 7% também.

Estamos a convergir. O que interessa é perceber que ambos, com metodologias diferentes, têm uma linha conclusiva semelhante. Estranho seria um estar a descer 7% e o outro a subir. Mas a conclusão é na mesma linha, o que significa que a medida está a produzir o seu efeito. Agora, à partida, tem um universo de 6%, não é de 60 por cento. Quando uma pessoa diz que a redução não é muito expressiva, em termos absolutos, é verdade. Naturalmente, seria diferente se fossem 23 por cento.

 
"Em maio, num universo de 463 fiscalizados, detetámos 38 situações de desconformidade entre a prateleira e a caixa. Acabámos por detetar maior número de situações deste tipo do que as do IVA zero", esclarece Pedro Portugal Gaspar.

Como recolhem os preços?

Fazemos recolha presencial e online, e cruzamos essa informação. A recolha é feita ao nível nacional, nas cinco grandes distribuidoras. Só no Continente: a competência da ASAE é continental. Nas Regiões Autónomas, há as entidades inspetivas regionais. 

Aumentaram as inspeções?

Sim. Sobre o IVA em concreto, gerou-se, erradamente, a convicção de que havia uma tolerância de 15 dias. Não havia, mas achámos prudente não ir logo fazer ações inspetivas. Fomos para o terreno no início de maio, fizemos 463 fiscalizações de norte a sul do País, e constatámos 23 situações em que ainda aplicavam [indevidamente] o IVA – portanto, foram abertos 23 processos –, o que dá um nível médio de infração de 4,9% no universo dos operadores fiscalizados. O dado mais importante talvez seja a diminuição das infrações durante o mês de maio. A primeira inspeção teve 11 casos. Depois, foi reduzindo. A última já só teve três, o que nos leva a crer que a medida está a ser incorporada e que os estabelecimentos comerciais, com maior ou menor dificuldade, corrigiram as situações. Veremos agora, em junho. Vamos manter a atenção e a fiscalização.

Em que estabelecimentos e produtos houve mais infrações?

A tendência maior foi no pequeno comércio. Diria numa proporção de 70% para 30%, do pequeno para o médio e grande retalho. Uma explicação pode ser a dificuldade de adaptação ou o desconhecimento. Muitas empresas são microfamiliares. Relativamente aos produtos, encontrámos mais situações de cobrança indevida do IVA na fruta em estado natural: nove situações. O pão, por exemplo, teve cinco, e os legumes, sete… dos 46 produtos, só detetámos [infrações] em doze.

O que acontece aos infratores?

É aberto um processo de especulação e remetido para o Ministério Público, que lhe dará sequência. A confirmar-se [a especulação], é aplicada uma sanção pecuniária, que deve ser sempre superior ao eventual ganho do comerciante com a situação. Tomando como exemplo uma maçã: tenho de pedir a faturação para saber desde quando tinha o produto e quantas unidades vendeu, para ter uma ideia do que cobrou indevidamente. A sanção pecuniária deve ser este valor X mais Y, e o Y será a componente destinada a desincentivar a prática de infração. 

E, em relação aos preços, os comerciantes estão a aplicar margens excessivas?

Estamos a monitorizar as margens sobre certos produtos, nas cinco grandes cadeias consideradas. Estamos sempre a falar de alimentos essenciais. Houve algumas margens brutas que nos chamaram a atenção – em certa altura, por exemplo, a cebola tinha uma margem bruta acima dos 50% – e que vamos ter de analisar, mas é prematuro tirar conclusões. Não vamos conseguir tê-las antes do verão.

Muitos consumidores descrevem a diferença entre o preço que consta na prateleira e o preço cobrado na caixa. Fiscalizam estas situações?

Tendo como referência a última ação de fiscalização, que decorreu em maio, num universo de 463 fiscalizados, detetámos 38 situações de desconformidade entre a prateleira e a caixa. Acabámos por detetar maior número de situações deste tipo do que as do IVA zero. E é uma situação que tem ocorrido desde que insistimos mais nesta matéria, desde outubro de 2022. Produtos associados a promoções e dificuldade de reposição são razões invocadas pelos agentes económicos. É um mercado muito competitivo, alteram sistematicamente os preços e não repõem a devida sinalização na prateleira. Para nós, é irrelevante, no sentido em que tem de ser aberto o processo, como é evidente. Também argumentam que, às vezes, há diferença ao contrário, que, às vezes, é o consumidor que sai beneficiado. Mas isto não é um problema de compensações. Para nós, é um problema de ter de fiscalizar. 

Qual a posição da ASAE em relação à reduflação?

Já afastámos a questão de se tratar de uma prática especulativa. Se indicasse um quilo e só tivesse 850 gramas, era especulação. Mas estamos a falar de um produto que tinha um quilo e passou a ter 850 gramas [mantendo o preço]. Quando muito, teríamos uma prática enganosa ou que induz o consumidor em erro, porque está habituado à embalagem. Mas ainda não estabilizámos, de forma inequívoca, a nossa posição.

Com o verão, reforçam a fiscalização à conservação dos alimentos e às práticas de higiene? 

O verão é um problema relativamente ao aumento de risco. Consequentemente, pode haver deterioração de bens. Continuamos a fazer as ações inspetivas na restauração, nas zonas de veraneio, onde vai haver uma maior concentração de população e consequentemente, de infraestruturas que, em dez meses, estão habituados a ter uma carga humana muito menor. Fazemos normalmente, nos meses de verão, ações de fiscalização efetiva, para verificar o estado da situação e tentar antecipar situações de risco. 

Têm alguma ação especial para a altura da Jornada Mundial da Juventude?

A Jornada Mundial da Juventude foi sempre um assunto que identificámos como importante. Estamos a acompanhá-lo a dois níveis. Um refere-se ao aconselhamento técnico-científico aos serviços alimentares. Trata-se dos conselhos práticos sobre a composição do kit a ser disponibilizado aos peregrinos. É um aconselhamento que encaixa nas nossas funções.  

A outra intervenção vai ser inspetiva, vocacionada para a rede de restauração do evento. Não estou a antecipar um segredo inspetivo, mas faz parte da nossa intervenção fazer isso, como aliás se faz nestes eventos, de uma maneira geral. Depois, há uma articulação com as outras entidades públicas. Também iremos analisar situações de eventual contrafação do merchandising próprio, que é matéria económica. Se houver uma necessidade de canalização de meios, naturalmente vou apostar mais na parte alimentar do que no problema da eventual contrafação.

Tem alguns conselhos para dar aos consumidores para estas alturas mais complicadas?

Diria que o importante é seguir, tanto quanto possível, as indicações da organização e recorrer às entidades [restaurantes e afins] que façam parte da rede. Não é uma questão de risco zero, porque, nestas coisas, não existe risco zero, mas é uma garantia adicional. [Essas entidades] tiveram ações de formação e acompanhamento e vão estar sujeitas a fiscalização.

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