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CTT: pior serviço a preço mais alto numa estação perto de si

A relação de forças entre a Anacom, os CTT e o Governo mudou. A recente alteração à lei postal coloca o regulador do setor numa posição mais frágil ao transferir poderes para o Executivo em duas matérias fundamentais: definição de preços e critérios de qualidade do serviço postal universal.

14 fevereiro 2022
Mão a colocar cartas num marco de correio

iStock

Fixação das regras de formação dos preços e parâmetros de qualidade de serviço e objetivos de desempenho da prestação do serviço postal universal, matérias, até agora, da competência da Anacom, saem da sua esfera. A diminuição dos poderes de intervenção do regulador das comunicações postais e eletrónicas no setor postal oficializou-se com a entrada em vigor, a 8 de fevereiro de 2022, do diploma que altera a Lei Postal. No novo equilíbrio de forças entre Anacom, CTT e Governo, a palavra decisiva nestes domínios cabe ao último. Com a perda de poder da Anacom, corre-se o risco de o serviço postal universal não garantir níveis de qualidade elevados, nem de ser acessível a todos os utilizadores, uma vez que se perspetiva um aumento substancial dos preços. 

Os serviços postais são um fator de coesão económica e social. É preciso garantir um serviço postal de elevada qualidade em todo o País, a preços acessíveis, e que responda às necessidades dos utilizadores. É fulcral inverter a tendência de degradação da qualidade dos últimos anos e melhorar o acesso aos serviços.

CTT: concessão em transição

Mais de um ano passou desde a data em que deveria ter terminado o contrato de concessão do serviço postal universal. O contrato celebrado entre o Estado e os CTT, com previsão para terminar a 31 de dezembro de 2020, foi prorrogado até ao final de 2021, por alegados constrangimentos causados pela pandemia. E, em setembro do ano passado, o Governo decidiu renovar a concessão com os CTT, durante mais sete anos, por ajuste direto. A comissão de avaliação nomeada para negociar o novo contrato não chegou a tempo: 2021 chegou ao fim sem nenhuma conclusão. Para salvaguardar a continuidade da prestação do serviço, o Governo estabeleceu um acordo de transição com os Correios para vigorar até à assinatura formal do novo contrato. A decisão, justificou o Ministério das Infraestruturas, deveu-se ao facto de não existir outra empresa com condições para servir as populações do interior e das regiões autónomas.

Ao mesmo tempo que o diploma que altera a Lei Postal era publicado em Diário da República, era assinado o novo contrato de concessão do serviço postal universal, que aguarda ainda a decisão do Tribunal de Contas.

Os detalhes do contrato ainda estão por revelar, mas torna-se óbvio que, neste jogo de forças, se o Estado não ceder às exigências dos CTT, não há quem preste o serviço postal universal. Mas, se o fizer, corre o risco de ficar preso a um serviço que não garante a acessibilidade a todos os utilizadores em termos de preço, nem níveis de qualidade elevados. 

Quais são as alterações do novo diploma?

Este diploma altera a lei que estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais no território nacional e de serviços internacionais com origem ou destino no País, a chamada Lei Postal. Mas se as características e o âmbito do serviço universal se mantiveram, já no processo de decisão sobre as regras de formação dos preços e dos critérios de qualidade de serviço introduziram-se alterações significativas. As regras dos preços passam a ser estabelecidas por convénio a celebrar entre o prestador do serviço universal, a Anacom e a Direção-Geral do Consumidor, à semelhança do que acontecia em 1999, quando se iniciou o processo de liberalização gradual e controlada dos serviços postais. Se não houver acordo, decide o Governo. Da alçada da entidade reguladora sai também a decisão quanto à conformidade das propostas de preços apresentadas pelo prestador do serviço universal com as regras fixadas. Essa competência passa para o membro do Governo responsável pela área das comunicações.  

A Anacom fará a proposta, mas será o Executivo a fixar os parâmetros de qualidade do serviço e os objetivos de desempenho associados à prestação do serviço universal, relacionados, por exemplo, com os prazos de encaminhamento, a regularidade e a fiabilidade dos serviços, bem como as regras da medição, monitorização e divulgação. Esta era uma competência que a Anacom mantinha desde 2012.

Sobre o novo contrato de concessão do serviço postal universal, apenas se sabe o pouco que consta do comunicado dos CTT à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Mas é motivo de grande preocupação para os consumidores.

Já este ano, os preços "deverão respeitar uma variação média anual máxima de 6,80%”, segundo o comunicado dos CTT. Sem conhecermos os dados concretos na base da fixação deste valor, nem o impacto em cada um dos serviços postais que integram o serviço universal, não é possível pronunciarmo-nos objetivamente sobre a matéria. No entanto, trata-se de uma variação muito elevada e que deixa antever um aumento de preços altamente penalizador para os utilizadores.    

A comunicação dos CTT deixa igualmente antever que o atual quadro de 24 indicadores de qualidade de serviço fixados pela Anacom irá ser alterado, perspetivando-se uma redução dos níveis de qualidade exigidos, na medida em que os novos indicadores estarão alinhados com “os valores médios dos países da União Europeia”. Não é o caso, neste momento, e este foi um importante ponto de atrito entre as duas entidades.

Não é aceitável, sob quaisquer circunstâncias, que o Executivo concorde em baixar os níveis de qualidade exigidos ao prestador do serviço universal.

As novas regras preveem que, “na eventualidade de incumprimento dos novos indicadores de qualidade, a penalização a aplicar pelo Governo passa a traduzir-se em obrigações de investimento ou revisão de preços”. Isto pode ser uma porta aberta para pouca objetividade e responsabilização. É essencial um mecanismo de compensação dissuasor e que faça reverter as penalizações aplicadas em favor dos utilizadores. Consideramos que a compensação por via dos preços dos serviços é a que melhor cumpre esse objetivo.

Correios: os indicadores da discórdia

Mesmo descontando os efeitos negativos da pandemia em 2020 e 2021, é irrefutável que entre 2016 e 2019, os Correios não cumpriram os objetivos de qualidade do serviço universal. A Anacom aplicou o mecanismo de compensação previsto na lei, mas não se ficou por aí. O patamar de exigência subiu. Os indicadores de qualidade de serviço fixados para 2019 e 2020 passaram de 11 para 24. O desacordo dos CTT foi frontal. Provou-o em outubro de 2018, através de uma ação que interpôs em tribunal.

Também noutras situações se sentiu a crispação da concessionária do serviço universal face à atuação do regulador. Por exemplo, quando a Anacom auditou os indicadores de qualidade em 2016 e em 2017 e constatou que o sistema de medição não era fiável, tendo imposto alterações aos procedimentos, ou quando concluiu que os resultados do sistema de contabilidade analítica dos CTT não estavam conformes com os princípios orientadores, devido à inadequada repartição de gastos entre a atividade postal e a atividade bancária dos CTT.

Reclamações e encerramento de estações em 2018

As reclamações suscitaram uma acalorada troca de reparos e correções entre o regulador e a concessionária do serviço postal universal. Os Correios anunciaram que, em 2018, as queixas registadas dos serviços postais do Grupo CTT diminuíram 7 por cento. A Anacom pediu esclarecimentos e afirmou tratar-se de informação enganosa. Através do simples milagre da separação dos dados das reclamações e dos pedidos de informação, demonstrou ter havido um aumento de 9% nas primeiras. Em 2018, passaram de 179 672 para 196 204.

Quando, em 2018, se assistiu a uma vaga de encerramentos, que levou 31 concelhos, a maioria no interior do País, a perderem a sua única estação de correios, somando-se aos dois que estavam nas mesmas circunstâncias desde 2013, a Anacom não ficou indiferente à onda de desagrado gerada. Havia indícios de que os postos de correios, a funcionar em estabelecimentos comerciais e juntas de freguesia, poderiam não estar a prestar o serviço nas mesmas condições. Ainda em 2018, avançou com uma ação de fiscalização para verificar as circunstâncias em que os serviços postais decorriam nos postos de correios. Concluiu que as diferenças eram notórias face às estações e decidiu intervir, ciente de que era necessário assegurar a qualidade do atendimento nos postos de correios e as exigências de inviolabilidade e sigilo dos envios postais, de confidencialidade das informações transmitidas e de proteção dos dados pessoais e da vida privada.

Os CTT comprometeram-se voluntariamente a reabrir estações em sedes de concelho que as tinham perdido na totalidade e a congelar os encerramentos. Atualmente, já não há concelhos sem nenhuma estação.

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