CTT: aumentos nos preços com pouca transparência
Enviar uma carta até 20 gramas em correio normal e correio azul custa mais 5,6% e 5,7% desde março. Nos demais serviços de correspondência, os aumentos variam entre 12,1% e 25%, o que corresponde a variações muito acima da média anual máxima comunicada pelos Correios para este ano, para o serviço postal.
- Especialista
- Fátima Martins
- Editor
- Cláudia Maia

Quem visitar o site dos CTT e fizer scroll até ao final da página principal depara-se com um destaque que refere: “Atualização de preços 2022 – Os CTT informam sobre os preços dos serviços postais em vigor a 7 de março.” Como tudo o que soa a aumento de preços chama a atenção, o natural é seguir o link em busca de mais informação… mas sem êxito. No site dos CTT, só encontra mesmo a nova tabela de preços que entrou em vigor a 7 de março. Saber qual foi o aumento pontual dos preços ou a variação média anual face ao último ano, que serviços foram abrangidos ou se todos foram afetados de igual forma – informação elementar, tendo em conta que se trata de um serviço público – não é algo que esteja ao alcance do consumidor comum.
É certo que, até agora, nunca coube aos CTT divulgar informação detalhada sobre as variações de preços para os vários serviços que compõem o Serviço Postal Universal (SPU). Cabia-lhe, sim, apresentar à Anacom – Autoridade Nacional das Comunicações as propostas de atualização de preços. E era esta entidade reguladora que depois analisava em detalhe a conformidade da nova tabela com os princípios e as regras fixadas para a formação dos preços e tornava públicas as suas decisões de aceitar ou recusar as propostas. Acontece que, com a entrada em vigor, a 8 de fevereiro, do diploma que alterou a Lei Postal, foram retiradas competências à Anacom nesta matéria, o que parece ter alterado definitivamente a política de divulgação de informação que vigorava até aqui.
Com a mudança da lei, as regras de formação dos preços passaram a ser estabelecidas por convénio entre o prestador do serviço universal, a Anacom e a Direção-Geral do Consumidor, cabendo ao Governo a última palavra, em caso de desacordo. Pelo caminho, perdeu-se a competência da Anacom de julgar sobre a conformidade das propostas de preços dos CTT, ficando a sua intervenção limitada a remeter relatórios e propostas de decisão ao membro do Governo responsável pela área das comunicações. Consequência: nem o site do regulador, nem o portal do Governo fazem qualquer referência ou análise à recente atualização dos preços.
Ora, dado que, segundo comunicado dos CTT, também do início do ano, os preços a vigorar em 2022 "deverão respeitar uma variação média anual máxima de 6,8%”, em março, contactámos o prestador do serviço universal, a Anacom e a Secretaria de Estado das Comunicações. Pedimos informação, entre outras, sobre o agravamento médio anual efetivo resultante da nova tabela e sobre os critérios que serviram de base à atualização dos valores cobrados para o SPU.
De acordo com os Correios de Portugal, “A atualização de preços para 2022 (…) reflete parcialmente a queda de tráfego e a evolução da inflação registados em 2021.” Acrescentam ainda que “A título de exemplo, uma carta até 20 gramas enviada em correio normal custa agora 57 cêntimos, o que representa um aumento de 3 cêntimos face ao preço praticado em 2021 (uma variação de 5,6%). Já uma carta até 20 gramas em correio azul custa agora 74 cêntimos, um aumento de 4 cêntimos face a 2021 (uma variação de 5,7%)”. Sobre o agravamento médio anual efetivo para todos os serviços que compõem o SPU ou sobre os critérios que serviram de base à atualização dos valores, nem uma palavra. Da parte da Anacom e da Secretaria de Estado das Comunicações, o silêncio foi absoluto.
A informação disponibilizada pelos CTT em resposta ao nosso pedido não permite aferir se os novos preços correspondem à variação média anual máxima permitida de 6,8 por cento. Tampouco permite determinar as variações médias anuais que incidem sobre as correspondências, as encomendas e o correio editorial, ou sobre os serviços postais específicos que integram estas categorias. A análise mais evidente é a comparação direta do preço atual de cada serviço com o preço em vigor antes de 7 de março. Desiludidos, mas não vencidos, fomos investigar e fazer contas para alguns dos serviços mais importantes para o consumidor.
Substituição de serviços de correspondência por pacotes postais encarece envios
O SPU compreende, entre outros, um serviço postal de envios de correspondência até dois quilos de peso e de encomendas postais até dez quilos de peso, de âmbito nacional e internacional. E ainda um serviço de envios registados e um serviço de envios com valor declarado.
Até agora, na correspondência nacional, os serviços estavam estruturados em cinco escalões de peso, cada um com o seu preço.
Correspondência NACIONAL | Pacote postal NACIONAL | |||||||
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abril 2021 (€) |
março 2022 (€) |
tipo | dif. 2022/21 (%) |
abril 2021 (€) |
março 2022 (€) |
tipo | dif. 2022/21 (%) | |
Até 20 g | 0,54 | 0,57 | normal | 5,6 | 1,00 | 1,15 | normal | 15,0 |
0,70 | 0,74 | azul | 5,7 | |||||
2,40 | 2,75 | registado | 14,6 | |||||
2,00 | 2,35 | registado simples | 17,5 | 1,30 | 1,50 | azul | 15,4 | |
> 20 g - 50 g | 0,75 | 0,85 | normal | 13,3 | ||||
1,00 | 1,15 | azul | 15,0 | |||||
2,50 | 2,90 | registado | 16,0 | 2,95 | 3,35 | registado | 13,6 | |
2,10 | 2,45 | registado simples | 16,7 | |||||
> 50 g - 100 g | 0,95 | - | normal | 21,1 | ||||
1,20 | - | azul | 25,0 | 2,60 | 2,95 | registado simples | 13,5 | |
2,70 | 3,10 | registado | 14,8 | |||||
2,30 | 2,70 | registado simples | 17,4 | |||||
> 100 g - 500 g | 1,50 | - | normal | 13,3 | - | 1,70 | normal | - |
2,50 | - | azul | 14,0 | - | 2,85 | azul | - | |
3,45 | - | registado | 14,5 | - | 3,95 | registado | - | |
- | - | registado simples | - | - | - | registado simples | - | |
> 500 g - 2 kg | 3,50 | - | normal | 15,7 | - | 4,05 | normal | - |
5,00 | - | azul | 14,0 | - | 5,70 | azul | - | |
5,80 | - | registado | 12,1 | - | 6,50 | registado | - | |
- | - | registado simples | - | - | - | registado simples | - |
Em 2020, com o acordo da Anacom, os CTT introduziram um preço específico para pacotes postais até 100 gramas, ao nível dos serviços de correio normal, correio azul, correio registado simples e correio registado, todos no âmbito nacional. Segundo a empresa, esta mudança visou refletir os custos de exploração mais elevados associados a estes objetos, tipicamente associados ao comércio eletrónico, com baixo peso e volumosos, que não se enquadram na normal tipologia de uma carta.
Ao analisar o novo tarifário para o serviço nacional, fomos surpreendidos pelo desaparecimento, no correio normal e azul, dos três escalões de peso mais elevados e, no correio registado, dos dois últimos escalões. Ao mesmo tempo, passaram a existir preços para pacotes postais correspondentes a esses pesos. Isto significa que quem quiser enviar correspondências de peso superior a 50 gramas, por correio normal ou azul, e de peso superior a 100 gramas, por correio registado, deixa de ter um serviço específico. A única possibilidade é o pacote postal, mais caro, e que, de acordo com os CTT, visa dar resposta às necessidades do comércio eletrónico.
Ou seja, para enviar correspondências dos escalões de peso que desapareceram da tabela, os utilizadores não só pagam entre 12,1% e 25% mais do que antes como têm de usar serviços postais vocacionados para a expedição de bens. Com esta mudança, que indicia uma clara redução do âmbito do serviço universal, é questionável que se possa continuar a considerar que existe um serviço de envios nacionais de correspondência até dois quilos de peso.
Correio nacional normal e azul aumentam 14% e quase 15%
Entre correio normal e correio azul nacionais, é no segundo que os portugueses vão sentir a maior diferença de preços: 14,9% contra 14%, considerando a média dos aumentos registados para cada escalão de peso, bem como a correspondência entre os escalões que foram extintos e os pacotes postais que os substituem. Por exemplo, em ambos os casos, quem quiser enviar documentos com peso acima de 50 gramas e até 100 gramas é mais penalizado: se antes, em correio normal, beneficiava de um serviço específico que custava 95 cêntimos, agora só pode enviá-los como pacote postal e paga 1,15 euros (mais de 21% de diferença); já no correio prioritário, em que também deixou de haver um serviço específico, o preço do envio destes documentos sobe de 1,20 euros para 1,50 euros, o que representa um acréscimo de 25 por cento.
Entre correio registado e correio registado simples, o panorama não é melhor: no primeiro, os preços subiram 14,3%, em média, fazendo a correspondência entre os escalões de peso que deixaram de existir e os pacotes postais alternativos; no segundo, o aumento médio chegou mesmo aos 16,3 por cento.
No serviço de correspondências internacional para a Europa, considerando apenas as cartas com peso até 20 gramas, verificamos que o preço base do correio normal cresceu 8% (de 0,88 para 0,95 cêntimos), o correio azul, 12,1% (de 2,90 para 3,25 euros) e o correio registado, 15,6% (de 3,85 para 4,45 euros).
Encomendas nacionais com aumentos mais moderados
Ao nível nacional, o serviço universal engloba ainda o envio de encomendas até dez quilos. Existe um serviço via superfície e um serviço por via aérea (do Continente para as Ilhas e vice-versa, ou entre Ilhas). Quando o envio não envolve transporte aéreo, as encomendas nacionais até dois quilos não sobem de preço. As de peso superior mantiveram o preço ou aumentaram, no máximo, 4,1% dependendo do código postal de origem e de destino.
Por via aérea, os maiores aumentos ocorreram nas encomendas até dois quilos, variando entre 4,6% e 6,9%, respetivamente, nos envios entre Açores e Madeira e entre ilhas dos Açores. As encomendas com peso superior a cinco e a seis quilos, conforme a origem e o destino, mantiveram o preço.
Consumidores exigem transparência na atualização dos preços
Os exemplos de aumentos avançados pela assessoria de imprensa dos CTT em resposta ao pedido de informação da DECO PROTESTE – 5,6% e 5,7% para cartas até 20 gramas enviadas em correio normal e correio azul, respetivamente – são os mais baixos que se encontram em toda a tabela de preços para a correspondência nacional, incluindo pacotes postais. E dizem respeito aos serviços mais usados pelos consumidores. Mas, para além destes, existe um conjunto de outros serviços que sofreram aumentos significativamente superiores: entre 12,1% para correspondência entre 500 gramas e dois quilos em correio registado nacional, e 25%, no caso do correio azul nacional entre 50 e 100 gramas.
Como referimos, a informação disponibilizada pelos CTT (ou a falta dela, no caso da Anacom e da Secretaria de Estado das Comunicações) não permite aferir como foi determinada a variação média anual máxima permitida de 6,8%, ao contrário do que acontecia com as anteriores regras de formação dos preços, em que essa fórmula estava bem definida.
Com a atualização de preços que ocorreu em março, não só deixou de se saber como foi determinada a variação média anual dos preços permitida, como Anacom deixou de tornar pública a sua análise à proposta de preços dos CTT. Esta situação suscita várias dúvidas:
- como é que foram fixados os 6,8% de variação média anual, valor que os CTT afirmam que está inscrito no contrato de concessão para 2022? Porquê este valor e não outro?
- e como demonstrar que a proposta dos CTT cumpre este valor?
Consumidores e demais utilizadores dos serviços postais têm o direito de conhecer os valores pontuais dos aumentos e as variações médias anuais dos preços, tanto globais como por serviço, bem como os pressupostos que demonstram que as propostas de aumentos apresentadas pelos CTT cumprem as regras estabelecidas. Durante os últimos anos, a Anacom sempre comunicou as atualizações de preços destes serviços e tornou pública toda a informação relevante, algo que se perdeu com a entrada em vigor do diploma que altera a Lei Postal e com a redução de poderes do regulador.
Em suma, em pouco tempo, o Governo alterou a Lei Postal, retirou poderes ao regulador e celebrou um novo contrato de concessão para o serviço postal universal por ajuste direto com os CTT, pela “calada” e sem qualquer explicação aos consumidores. Um contrato, acrescente-se, que deverá vigorar por sete anos e cujos termos estão para ser conhecidos desde o início do ano. O facto de os consumidores passarem a saber das “novidades” através de comunicados enviados pelos CTT à CMVM nada abona a favor de um serviço que é público e que, por sê-lo, deveria dar o exemplo.
Por fim, importa não esquecer que os consumidores não aceitarão mais custos por ainda menos qualidade. Entre julho de 2021 e janeiro de 2022, a Anacom realizou 22 ações de fiscalização em 13 centros de distribuição postal dos CTT, para verificar a regularidade da operação de distribuição postal nesses centros. Nas ações realizadas, constatou-se que existem deficiências na distribuição postal assegurada por alguns centros de distribuição postal, nomeadamente em matéria de prazos de encaminhamento, na regularidade e na fiabilidade dos serviços. Em causa estão demoras significativas no encaminhamento do correio prioritário e correio normal, assim como a ausência de distribuição postal em certos giros em determinados dias, situações que perduram por períodos de tempo bastante alargados. Nada nos surpreende nos resultados destas ações de fiscalização. Nos últimos anos, as reclamações dos utilizadores aumentaram, ao mesmo tempo que a qualidade do serviço dos CTT piorou drasticamente, como comprova o reiterado incumprimento dos indicadores de qualidades de serviço fixados.
Mais grave, como escrevemos em fevereiro, um comunicado dos CTT da mesma altura deixa antever que o atual quadro de 24 indicadores de qualidade de serviço fixados pela Anacom irá ser alterado, perspetivando-se uma redução dos níveis de qualidade exigidos. Não é aceitável, sob quaisquer circunstâncias, que o Executivo concorde em baixar os níveis de qualidade exigidos ao prestador do serviço universal, quando o básico, pelo que acabámos de ver, já não é cumprido. Preços a subir e qualidade de serviço a descer é algo difícil de aceitar, ainda mais sem informação.
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