José Galamba de Oliveira: cobertura de risco sísmico em Portugal “é manifestamente insuficiente"
O risco é real. A criação de um fundo sísmico, que garanta maior proteção a todos, está em discussão desde 2010, mas continua sem avançar. A Associação Portuguesa de Seguradores e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões dão explicações à DECO PROTESTE.
- Especialista
- Sandra Justino
- Editor
- Maria João Amorim

O cenário arrepia. “Alguns estudos sugerem que Lisboa é a segunda grande cidade europeia mais exposta ao risco sísmico, a seguir a Istambul.” Em declarações à DECO PROTESTE, o presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), José Galamba de Oliveira, não doura a pílula. Esta realidade contrasta com o nível de proteção seguradora, lamenta. “Apenas 16% das habitações têm cobertura de sismos nas respetivas apólices” multirriscos-habitação.
Sublinhe-se que a cobertura de fenómenos sísmicos não é de contratação obrigatória na altura de subscrever um seguro multirriscos-habitação.
Já a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), também à DECO PROTESTE, contabiliza um valor de habitações com cobertura de sismos nas respetivas apólices em torno dos 20%, “de acordo com informação mais recente”.
O nível de proteção existente, afirma o responsável da APS, é “manifestamente insuficiente, uma realidade que, na maioria dos casos, é resultado da falta de informação, pois o público em geral desconhece que este risco não está acautelado no âmbito do seguro obrigatório de incêndio.”
Para José Galamba de Oliveira, “este é o principal risco da natureza a que Portugal está exposto”.
Fundo sísmico continua sem avançar
A criação de um fundo sísmico, que garanta maior proteção a todos, está em discussão desde 2010, mas continua sem avançar. Em 2021, diz o presidente da APS, o Governo inscreveu a medida numa resolução do Conselho de Ministros que aprovou a Estratégia Nacional para uma Proteção Civil Preventiva 2030, com “o objetivo explícito de criar um Sistema de Proteção de Riscos Catastróficos, de modo a tornar acessível aos cidadãos uma cobertura, do ponto de vista de seguros, para este tipo de riscos”.
A responsabilidade do projeto ficou a cargo da APS e da ASF, atesta o responsável. Mas, até agora, nada se traduziu em “medidas concretas que a APS conheça”.
A criação deste mecanismo, diz, por seu lado, a ASF, “envolvendo, por exemplo a constituição de um fundo financeiro, com o objetivo de acumulação e capitalização de meios financeiros a mobilizar em caso de ocorrência de um fenómeno sísmico carece de intervenção legislativa, o que extravasa o âmbito de competências” do regulador.
Mas, segundo diz, “a ASF encontra-se a recuperar e atualizar o trabalho feito anteriormente, e em contacto próximo com o Governo, para que sejam tomados os passos necessários que permitam a sua densificação”. Que passos são esses o regulador não concretizou, porém.
Adiantou apenas que “estão em curso iniciativas de atualização dos estudos anteriormente efetuados, incluindo a recolha de informação quantitativa junto do mercado segurador nacional, no sentido de rever e melhorar a proposta legislativa de desenho do sistema e as avaliações de impacto”.
“Processo reconhecidamente complexo”
Porque não avança a criação do fundo sísmico, perguntou a DECO PROTESTE à APS e à ASF. Quais os entraves? O que é necessário para que saia da gaveta?
“A criação de soluções desta natureza é um processo reconhecidamente complexo, que, além da vontade política, exige uma grande sintonia entre o legislador, as autoridades de tutela e supervisão do setor segurador e, claro está, dos próprios operadores – seguradores e resseguradores –, porque, sem a adesão destes, o funcionamento do sistema fica comprometido”, nota José Galamba de Oliveira, da APS.
Já o regulador sublinha que “nos termos dos Estatutos da ASF, no domínio da atividade regulatória, esta Autoridade apenas tem competências para formular sugestões com vista à revisão do quadro regulatório aplicável aos setores de atividade que supervisiona”.
Faz sentido que a adesão das seguradoras ao fundo sísmico deva ser de caráter facultativo, como está previsto? Qual a justificação? E como poderá o fundo funcionar se só uma parte das seguradoras aderir?
O presidente da APS responde que “sim, a adesão das seguradoras tem de ter caráter facultativo: assim o impõem as regras comunitárias e o regime de livre concorrência”. Mas esta “é uma preocupação essencial, o sistema deve ser desenhado por forma a atrair, de facto, as seguradoras. E deve mesmo prever que, sem uma adesão representativa destas, não é sequer viável”.
Como será constituído o fundo sísmico?
Deve ser um sistema, explica José Galamba de Oliveira, baseado no princípio da mutualização do risco e da distribuição das responsabilidades, “nomeadamente por resseguradores internacionais”, mas “envolvendo também uma componente de acumulação e capitalização de recursos”. Acrescenta que deve ter por base também as “capacidades do setor segurador privado, mas agregando, igualmente, “capacidades do próprio Estado”, para maior alcance da solução, “sobretudo, num período inicial em que os recursos acumulados e capitalizados no fundo podem ser insuficientes caso ocorra um evento desta natureza”.
No mesmo sentido caminha a posição da ASF: “Cedência da totalidade dos riscos subscritos pelas empresas de seguros nacionais aderentes ao sistema” ao fundo sísmico, de natureza pública, “que, posteriormente, colocaria uma parte substancial desses riscos no mercado ressegurador internacional”.
“Os recursos não utilizados, assim como uma parte dos ativos afetos às responsabilidades das empresas de seguros nacionais aderentes ao sistema, contribuiriam para a acumulação e capitalização de meios financeiros no fundo sísmico, a mobilizar em caso de ocorrência de um fenómeno sísmico”, acrescenta o regulador.
Cobertura de fenómenos sísmicos deve ser obrigatória em todas as apólices
A proposta da APS assenta em quatro componentes fundamentais, enumera José Galamba de Oliveira:
- contratação obrigatória da cobertura de fenómenos sísmicos em seguros de incêndio e multirriscos-habitação;
- distribuição do risco entre segurados, seguradoras e resseguradoras;
- apoio adicional do Estado;
- e acumulação e capitalização de recursos económicos em fundos.
A inclusão obrigatória da cobertura de fenómenos sísmicos em todas as apólices de incêndio e multirriscos-habitação, frisa o responsável, “permitiria que mais de metade do parque habitacional português ficasse protegida em relação ao risco sísmico”.
Qual o impacto previsto nos prémios dos seguros multirriscos-habitação com uma cobertura de fenómenos sísmicos obrigatória?
Muito dependerá “da solução concreta que vier a ser implementada, por exemplo, quanto ao apoio do Estado ou à diferenciação regional do prémio, e quanto à necessidade de cobertura de resseguro”, afiança o presidente da APS.
Mas, estimativas já feitas pela entidade em 2017, quando apresentou a última proposta, e, por exemplo, tendo em conta o capital médio de um imóvel com cobertura de risco sísmico de 125 mil euros, a cobertura custava, à época, em média, e consoante a zona sísmica em que o imóvel se situasse, entre 26 euros e 78 euros por ano. Isto considerando uma cobertura de fenómenos sísmicos para paredes (sem recheio) para um edifício construído entre 1960 e 1975 e uma franquia de 5% do capital (parte dos danos a cargo do segurado), com o tal capital seguro de 125 mil euros.
Seguradoras devem ser impedidas de recusar apólices contra riscos sísmicos?
José Galamba de Oliveira não diz "sim", nem "não", mas refere que esta é uma “preocupação legítima que o legislador tem de acautelar, caso venha a aprovar um sistema de cobertura obrigatória deste risco”.
E acrescenta: “A existência de um fundo sísmico, com um papel ativo do Estado, deveria eliminar este tipo de questão, na medida em que todos os imóveis privados seguros estariam protegidos de igual modo pelo fundo, independentemente da sua localização ou da sua antiguidade.”
Consumidores exigem
Os terramotos de fevereiro ocorridos na Turquia e na Síria, além de provocarem forte comoção coletiva, relembram a elevada vulnerabilidade de Lisboa e de outras zonas do País ao risco sísmico, levantando de novo a questão da necessidade de um fundo contra riscos sísmicos, instrumento de que há muito se fala, sobre o qual parece haver amplo consenso e que quase nasceu em 2010, antes da intervenção da troika.
A cobertura de fenómenos sísmicos num seguro multirriscos-habitação é de contratação facultativa e encarece o prémio. Em caso de imóveis antigos ou em zonas de risco elevado, como o Algarve ou os Açores, poderá ser difícil contratá-la. O baixo número de casas com esta cobertura é disso prova.
A DECO PROTESTE exige a criação de um sistema de cobertura das perdas decorrentes de abalos sísmicos, que garanta maior proteção. Há que tornar obrigatória a cobertura de fenómenos sísmicos e criar um sistema de mutualização do risco, em que todos – consumidores, seguradoras e Estado – participem, em articulação com um fundo destinado à acumulação e à capitalização de meios para mobilizar em caso de catástrofe.
A DECO PROTESTE já por diversas vezes apresentou estas reivindicações ao Governo e aos grupos parlamentares. E vai voltar a fazê-lo.
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