Ruído em casa: exigimos mais rigor na lei
Fizemos um estudo para avaliar o isolamento acústico nas habitações dos consumidores. Exigimos uma lei mais rigorosa e maior fiscalização.
- Especialista
- Fábio Aparício
- Editor
- Ricardo Nabais e Filipa Nunes

A nossa casa, que deveria ser um santuário de silêncio e de descanso ao fim de um dia de trabalho, ou teletrabalho, afinal, é perturbada por vários sons intrusos que temos de ouvir. A culpa é dos vizinhos, ou dos transeuntes, ou de quem passa de carro? Às vezes. Noutras ocasiões, eles só estão a viver, naturalmente, a sua vida. O problema poderá estar também na habitação: a construção é deficiente, ou os materiais usados não são os mais adequados para isolar a estrutura dos sons de fora.
Se, em algumas situações, o ruído é verdadeiramente elevado e deveria ser evitado, noutras trata-se de bulício gerado naturalmente na habitação vizinha, como pessoas a conversar num tom normal, o exaustor a trabalhar, a água do duche a correr ou o autoclismo em descarga. Apesar de as reclamações associadas ao barulho proveniente das habitações vizinhas terem aumentado, também o ruído gerado na via pública e nas zonas comuns do prédio incomodam muitos consumidores. A ajudar à festa, o teletrabalho, como será fácil intuir, ampliou o som desta realidade. Desde o primeiro confinamento, as queixas relacionadas com o ruído aumentaram 36%, sendo a maioria referentes ao ruído dos vizinhos.
Barulho dos vizinhos perturba milhões de pessoas
Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, 20% da população residente em Portugal Continental (dois milhões de pessoas) está exposta a níveis sonoros que induzem perturbações no sono e 15% (um milhão e meio) a patamares associados a incómodo moderado. Lançámo-nos à aventura de perceber as razões de não encontrarmos um silêncio apaziguador nem entre paredes. Até porque, desde 2008, a lei obriga as habitações a assegurarem um certo nível de isolamento acústico entre o interior e o exterior, e entre as várias frações do prédio. Mesmo com uma amostra pequena, os resultados do nosso estudo deixam bastante a desejar: uma imensa maioria confessa já se ter sentido perturbada em sua casa por um ou vários tipos de ruído. E o problema é tanto do projeto como da construção.
Estudo incluiu medição de isolamento acústico da casa
Fizemos um apelo direto aos consumidores, através das nossas redes sociais: quem estaria disponível para responder a um questionário sobre o modo como se sente afetado pelo ruído no seu quotidiano? Caso preenchessem os requisitos, poderiam ser selecionados para uma medição gratuita do isolamento acústico na habitação.
Ao todo, foram 1060 os consumidores que responderam à chamada e ao inquérito. Metade dizia-se disponível para receber a visita dos nossos técnicos, se a sua casa reunisse as condições previstas para o teste. Os resultados do inquérito foram suficientemente elucidativos: quase 99% dos participantes sentiram-se incomodados com algum tipo de ruído no ano anterior.
Para 80% dos inquiridos, os problemas tiveram origem nas habitações vizinhas, devido a ruídos de pessoas ou animais de estimação. Um pouco mais de metade dos participantes no inquérito identificaram a causa fora de casa: as vias de circulação próximas foram fonte de sons incómodos ao longo do último ano. Seguiu-se o ruído provocado pela porta do prédio ou noutras zonas comuns, para 49% dos inquiridos. Mas apenas 5% revelaram sentir-se incomodados com o som de unidades industriais ou similares nas imediações da sua casa. É um cerco.
Fizemos depois a “filtragem” desta amostra. Os que tivessem respondido que estavam disponíveis para receberem a nossa visita técnica destinada a avaliar as condições acústicas em casa seriam ainda triados em função do ano de construção do imóvel. Ou seja, só as habitações construídas depois do ano da lei mais recente, 2008, seriam elegíveis. Por isso, de todos os que responderam, apenas 51 estariam no grupo de contemplados. No final, foram 17 os que efetivamente responderam e nos abriram as portas. A essas casas, foi efetuado um total de 34 ensaios, com medições acústicas no interior e no exterior. Por isso, a nossa amostra poderá não ser representativa, mas ilustra uma situação sentida por inúmeras pessoas.
Mesmo com poucos exemplos, os resultados são desoladores. Mais de metade das habitações onde foram realizados ensaios nas zonas comuns revelaram não cumprir a legislação. Verificámos, por outro lado, que as normas referentes ao isolamento entre frações são as mais respeitadas. Ainda bem. Mas, mesmo assim, este valor está bastante longe de uma proporção aceitável (três em cada dez habitações falharam neste teste). Isolamento acústico da fachada e nas zonas comuns do prédio é algo ainda difícil de compreender para os construtores.
A verdade a reter é esta: perto de metade das habitações que foram analisadas não cumprem todos os requisitos legais exigidos. Ou seja, desrespeitam a lei.
Limites ao ruído na lei, mas regras não são claras
O problema pode não ser uma mera questão de sentirmos um incómodo passageiro. As questões de bem-estar traduzem-se no decréscimo do conforto, no aparecimento de problemas auditivos, em fadiga, em incómodo, em problemas psíquicos (stresse e irritabilidade), em perturbações do sono e em efeitos negativos na aprendizagem e no trabalho. E se o volume aumentar de forma constante, ainda que por pouco tempo, ou se o ruído for de baixa frequência, mas muito duradouro, pode levar a um trauma auditivo. Ou seja, a uma redução na sensibilidade para ouvir.
Mas afinal o que diz a lei, o regulamento dos requisitos acústicos dos edifícios, de 2008? As normas definidas aplicam-se à construção, reconstrução, ampliação ou alteração de edifícios habitacionais, comerciais e de serviços, escolares, hospitalares e outros. Ou seja, a todos os edifícios novos ou que tenham sofrido grandes obras desde julho de 2008.
No entanto, a lei inspira mais perguntas do que respostas. Por exemplo, quem aprova a construção? É necessário a habitação ter ensaios de isolamento acústico para ser aprovada, por exemplo, pela câmara municipal? Em teoria, as câmaras deveriam exigir uma avaliação acústica final antes de emitirem as licenças ou autorizações de utilização de edifícios. No entanto, a lei não é clara, e existem municípios que entendem que não se trata de um requisito obrigatório. Cabe à câmara municipal a fiscalização do cumprimento da lei.
Como podemos saber, então, se a nossa casa cumpre a lei quanto a isolamento acústico? A única forma é ir à câmara municipal da área de residência e perguntar se foram realizados ensaios acústicos. Se não, resta-lhe procurar alguém que os execute. Terá de contactar uma empresa acreditada pelo Instituto Português de Acreditação. E pagar o valor, que poderá variar, mas que rondará os 200 euros.
E se encomendarmos os ensaios e chegarmos à conclusão de que a nossa habitação é mesmo um sorvedouro de ruídos? O que podemos fazer e a que portas devemos bater para reclamar? O caminho passa outra vez pela câmara municipal, onde deverá relatar o problema e fornecer os documentos necessários. No limite, o construtor poderá ser responsabilizado.
Soluções para limitar o ruído que pode tentar em casa
Em casas fora do prazo de garantia, é quase impossível apresentar uma reclamação. Mas pode fazer algumas obras. A dimensão e o custo dependem dos problemas. Consulte os nossos serviços em DECO PROTESTE Select e no Condomínio DECO+. Eis alguns dos problemas mais frequentes para os quais a solução pode estar ao nosso alcance.
Como resolver o ruído que vem da rua
“Sinto-me incomodado com o ruído de pessoas a falar no café da frente ou os carros a passarem na estrada”
Possível origem do problema: deficiente isolamento das caixas dos estores, utilização de vidro simples, caixilharia de correr com muitas folgas. Pode ser tanto um problema de seleção dos materiais como da instalação. No entanto, antes de substituir as janelas, confirme se a caixilharia se encontra corretamente isolada e se os vidros não são demasiado finos. Verifique também se as caixas de estores se encontram devidamente isoladas, pois o ruído pode entrar facilmente por aqui. De uma forma geral, será um problema relativamente simples de resolver, mas poderá ser necessário um investimento avultado, se for mesmo necessário substituir as janelas.
As janelas de correr, tipicamente, isolam pior do que as oscilobatentes, por exemplo. Uma solução poderá passar pela substituição da janela por oscilobatentes (esta troca também irá melhorar a eficiência energética da habitação) ou instalar vidros duplos.
Como resolver o ruído dos vizinhos que entra em minha casa
“Estou constantemente a ouvir as conversas do meu vizinho, o autoclismo e até o exaustor”
Possível origem do problema: neste caso, pode existir mau isolamento acústico das paredes que dividem as habitações do prédio ou de uma moradia geminada, com a utilização de materiais menos apropriados à situação ou uma instalação incorreta. Trata-se de um erro no projeto de construção.
Para as situações em que o ruído incómodo vem da habitação do lado, poderá ser necessário fazer obras que obriguem a um investimento mais avultado. Uma das soluções consiste, por exemplo, em aumentar a espessura da parede comum à habitação vizinha.
Em contrapartida, com o aumento da espessura da parede, irá perder área útil nesta divisão, pelo que, em habitações pequenas, poderá não ser uma solução viável. Deve optar por materiais isolantes com maior capacidade de absorver o ruído, como a lã de rocha. Existem também soluções que não implicam tanto investimento, mas que nem sempre têm o resultado esperado. Deve contactar os especialistas para perceber o que se adequa à sua casa.
“Oiço constantemente os passos dos meus vizinhos de cima e as crianças a correr”
Possível origem do problema: a aplicação deficiente da manta acústica na laje e na dobragem nas paredes. Ou seja, o piso cerâmico está em contacto com as paredes, e a manta acústica foi cortada na dobra para o rodapé. O ruído extremo pode até nem existir, sendo um erro no projeto, e não na instalação. Pode tratar-se de uma batalha perdida: as intervenções terão de ser realizadas no chão do vizinho. Mesmo que o convença a fazê-las, não terá muito controlo sobre o processo. E se o vizinho de baixo se sentir também incomodado? A solução poderá passar por instalar pavimento flutuante, por exemplo, em madeira. Mas o linóleo acústico ou vinílico acústico também pode ser uma boa opção. Uma alternativa é, apenas, aumentar a altura do rodapé.
O problema pode estar relacionado com o tipo de construção e com a aplicação de materiais. Quando existe um impacto (por exemplo, passos), a vibração vai passar para o chão e para as paredes. Se houver uma falha no material isolante, o ruído propaga-se mais facilmente. Antes de substituir o chão, tente perceber melhor o problema.
“Sempre que alguém entra no prédio ou chama o elevador, oiço como se estivessem ao meu lado”
Possível origem do problema: um erro no projeto inicial. A porta de casa não cumpre o isolamento mínimo previsto, ou não foi considerada a necessidade de a isolar melhor em todos os quatro lados. O ruído pode dever-se, ainda, ao desgaste dos materiais isolantes. Verifique se a porta se encontra bem isolada quando está fechada. Se descobrir zonas mal isoladas, a solução pode consistir em aplicar borrachas vedantes em toda a envolvente da porta e na ombreira. Terá de dar atenção à parte de baixo. Aqui, poderá haver a necessidade de colocar uma pequena soleira, para que não haja espaço entre a porta e o chão, com borrachas vedantes.
A porta pode também ser a origem do problema, e é possível que os vedantes sejam insuficientes. Neste cenário, considere substituí-la por outra com melhor capacidade de isolar o som e, em casos mais extremos, opte por uma com lã de rocha no interior. Se as características da casa o permitirem, pode ainda construir um pequeno hall de entrada. No entanto, esta solução poderá ser a mais cara, e não deve ser encarada como a primeira a ser testada.
Garantia da casa com condições
Se tivermos comprado a casa há menos de cinco anos, a garantia ainda está em vigor. O que pode o consumidor fazer? Se, realmente, for detetada uma falta de conformidade, poderá recorrer à garantia, mas a situação aplica-se caso a caso. O prazo, geralmente, é de cinco anos. Mas, se tiver comprado a casa depois de 1 de janeiro 2022, passa para dez anos, perante faltas de conformidade relativas a elementos construtivos estruturais, e mantém-se em cinco, quanto às restantes falhas de conformidade. Porém, definir “falta de conformidade” ou “elemento construtivo estrutural” pode ser bastante complexo. No limite, como em tudo, é possível levar o caso a tribunal, mas sem certezas do desfecho ou da duração do processo.
Admitamos que as coisas não chegam tão longe, mas que se consegue demonstrar falhas no isolamento acústico da habitação, que comprometam a conformidade — quanto tempo existe para agir? A lei prevê três anos desde a altura em que o consumidor toma conhecimento do problema, ou seja, após receber o resultado do ensaio ao isolamento acústico.
É necessário aplicar a lei de forma mais precisa quanto ao que é necessário o construtor fazer para isolar corretamente as habitações, e quando e a quem o consumidor pode, efetivamente, recorrer para obter ajuda ou apresentar queixa.
Consumidores exigem um diploma melhor e mais fiscalização
Quais são as efetivas responsabilidades do construtor no que toca ao isolamento acústico das habitações? Quem fiscaliza? A quem recorrer para denunciar falhas? Poderá haver um documento único que defina as características da habitação e que inclua a questão do isolamento acústico?
O diploma atual deve ser revisto, de forma a tornar-se mais exigente ao nível do isolamento acústico. Existem mais e melhores soluções no mercado, e a legislação tem de acompanhar esta evolução, exigindo que os valores do isolamento acústico sejam superiores. É também essencial que a revisão da legislação venha clarificar que cabe às câmaras municipais assegurar o cumprimento das regras.
Impõe-se mais e melhor fiscalização por parte das câmaras municipais e que estas exijam sempre os ensaios de isolamento acústico para atribuir a licença de habitação.
Deve ainda ser criado um grupo de trabalho para definir critérios de atribuição de uma escala referente ao isolamento acústico, semelhante ao que acontece com o certificado energético da habitação.
Exigimos que a informação relativa ao isolamento acústico (e o respetivo cumprimento da legislação) seja um requisito obrigatório na compra e venda de imóveis. A informação poderia ser incluída na ficha técnica de habitação, um documento descritivo das principais características técnicas e funcionais dos prédios urbanos para fins habitacionais, que já inclui, de resto, o tipo de proteção contra ruído e variações térmicas.
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