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"Pesca sustentável passa por saber baixar a rede para que os golfinhos saiam"

Os mares estão ou não a ficar sem peixe? De que forma as artes de pesca são monitorizadas? Rita Sá, coordenadora do Programa de Oceanos e Pescas da Associação Natureza Portugal/World Wildlife Fund, sublinha a relevância do trabalho conjunto com os pescadores para minimizar o impacto ambiental do setor.

01 fevereiro 2022
Rita Sá, coordenadora do Programa de Oceanos e Pescas da Associação Natureza Portugal e World Wildlife Fund (WWF)

4See/Luís Filipe Catarino

Estamos a ficar com oceanos sem pescado?

Sabemos que os stocks mundiais estão a sofrer com a sobrepesca, mas também temos acompanhado alterações do próprio meio. No fundo, é uma tempestade perfeita. Com esta tomada de consciência do que está acontecer de grave nas populações marinhas, tem havido um esforço de se tentar (nomeadamente na União Europeia) implementar medidas de recuperação. E são já visíveis resultados. Eu diria que se calhar não estamos numa tendência decrescente, mas sim numa tendência ligeiramente crescente. E isso são boas notícias.

É preciso selecionarmos as espécies que escolhemos comer?

Na World Wildlife Fund (WWF) temos recomendações específicas por espécie, por arte de pesca e por local, mas compreendemos que isso acaba por ser complicado para o consumidor, porque é informação complexa, obriga a ler os rótulos, e muitas vezes a informação não está completa ou não está clara. E o que aconselhamos é: se a informação não está clara e completa, o consumidor não deve consumir, porque, para fazer uma escolha responsável, deve ter acesso a toda a informação. Além dessa questão dos rótulos, recomendamos que o consumidor tenha a certeza de que não come peixe bebé – ou seja, peixe que ainda não se reproduziu. Mas a recomendação que deveria ser mais adotada é a da diversificação. Se conseguirmos ir além do que hoje os portugueses consomem – bacalhau, salmão, sardinha, pescada, dourada, atum –, estaremos também a não pôr o impacto sempre nas mesmas populações. Além disso – e não é só para o pescado, é para o consumo em geral –, deveria haver um cuidado em consumir-se menos e melhor. Se calhar não precisamos de tanta proteína animal. Se diversificarmos e consumirmos menos e melhor, estamos no bom caminho.

 
Rita Sá defende que, se a rotulagem do pescado não estiver clara e completa, "o consumidor não deve consumir, porque, para fazer uma escolha responsável, deve ter acesso a toda a informação".

Como monitorizam a atividade pesqueira?

Em Portugal, temos projetos com algumas comunidades pesqueiras, nos quais há sempre uma monitorização, tanto do recurso como da pescaria. Os mais importantes têm que ver com a cogestão, ou seja, as medidas de gestão são implementadas em conjunto entre os pescadores, os cientistas, as autoridades, a administração e também a sociedade civil. Isto leva a que os próprios pescadores façam parte da definição da regra; o seu conhecimento é partilhado com o dos cientistas. Como eles estão lá todos os dias, têm noção se o recurso está a aumentar ou a diminuir, e passam os dados aos cientistas, que complementam a informação científica, o que permite um acompanhamento mais real. Por exemplo, se for necessário propor um defeso [não se pescar em determinada altura do ano ou num espaço, porque ou são zonas de maternidade ou porque são locais mais sensíveis para alguma espécie], tal é feito e monitorizado, para se perceber se está a ser eficiente ou não.

De que modo a WWF acompanha os métodos de captura com maior impacto?

O que está cientificamente provado é que a arte de pesca que tem maior impacto é o arrasto, em especial o arrasto pelo fundo. E, na WWF, estamos a acompanhá-la, tanto ao nível global, como europeu, como nacional. Mas não achamos bem demonizar nenhuma arte de pesca, porque sabemos que, se for mal operada no mar, uma arte de pesca dita de baixo impacto pode ter tanto ou mais impacto do que as outras. Tanto o anzol tem capturas acessórias, como as redes de emalhar e de tresmalho, como também o próprio cerco, pois sabemos que os golfinhos andam atrás das sardinhas e das cavalas e muitas vezes são apanhados no cerco. O que é que se tenta fazer? Implementar medidas que levem a que os pescadores consigam libertar essas espécies sem as magoar. O arrasto sabemos que, no fundo, apanha tudo, e a maior parte das vezes não são espécies com estatuto de conservação, mas sim espécies que têm valor de existirem no ecossistema, porque servem para alimentar outras. E o facto de estarem a ser pescadas e muitas vezes deitadas fora sem qualquer aproveitamento ou sem qualquer necessidade acaba por ter também um impacto muito grande. Portanto, aqui o arrasto tem este duplo impacto: o facto de ir junto ao fundo tem impactos no habitat e, por apanhar todas as espécies, acaba por ter também impacto nas espécies.

 
A responsável da WWF Oceanos defende o sucesso do trabalho conjunto com as comunidades piscatórias.

A sustentabilidade da pesca passa pelo uso de dispositivos como os pellets, para afastar tubarões, ou os TED, para salvar tartarugas?

Mais do que isso, é o trabalho conjunto com as comunidades piscatórias. O que temos percebido é que os pescadores muitas vezes até estão sensíveis para estas questões e até querem proteger estes animais, mas muitas vezes não sabem como. A sustentabilidade passa por perceber, por exemplo, “se calhar, se baixarmos a rede, conseguimos que os golfinhos saiam”. Às vezes são questões assim, tão simples como uma manobra de pesca, que levam logo a que o impacto diminua muito.

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