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Consumidores confiam pouco em alegações verdes

Muitos portugueses não conhecem selos e alegações ambientais, ou mal confiam neles, revela o nosso inquérito.

28 dezembro 2021 Exclusivo
Alegações verdes

iStock

A cor das alegações verdes das marcas aparenta ser bastante desmaiada aos olhos dos consumidores, que parecem sensíveis ao chamado greenwashing (dar o dito por não feito em termos ambientais), segundo um inquérito que realizámos entre abril e maio de 2021. O greenwashing até já mereceu algumas queixas dirigidas a empresas com atividade em Portugal. Os valores das coimas poderão variar entre os dois mil e os 90 mil euros.

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Mas, para o consumidor, o problema parece ser, antes de tudo, a informação sobre o que é exigido para os produtos poderem usar estes selos ou alegações “verdes”: mais de metade dos nossos inquiridos assumem não estar informados sobre o assunto (56 por cento). Além disso, 37% não confiam na capacidade de as autoridades públicas fiscalizarem a autenticidade de selos ou alegações verdes. O valor é semelhante, se perguntarmos se acreditam nessa capacidade por parte de entidades privadas (40 por cento). O grau de confiança é maior à medida que a informação sobre esta matéria aumenta. Mas, mesmo entre os que afirmam conhecer estes símbolos, a margem de confiança não é propriamente expressiva.

Logos alegações verdes

Os selos "verdes" mais conhecidos pelos participantes no nosso inquérito: fita de Möbius (símbolo de reciclagem), Vegan, Energy Star, FSC e Rainforest Alliance.
O selo mais conhecido é fácil de adivinhar: a chamada fita de Möbius, usada desde sempre como símbolo de uma embalagem reciclável. Muitos participantes no nosso inquérito afirmam reconhecê-lo: 70% sabem o que significa, embora apenas 45% afirmem confiar nas suas virtudes.

Segue-se a etiqueta “vegan”, que acompanha alguns produtos que se reclamam de origem não-animal (sejam alimentares ou não), e que é reconhecida por 47% dos nossos inquiridos. No entanto, apenas 21% têm confiança nesta etiqueta. Um valor que aumenta para o dobro no caso daqueles que a reconhecem, mas que não chega nem a metade, tendência, aliás, que se espalha por todos os outros símbolos.

Após este símbolo, no terceiro lugar do top 5 dos selos com os quais os consumidores estão mais familiarizados, aparece o Energy Star, com um nível de 18% de confiança elevada. Este símbolo é um padrão internacional para o consumo eficiente de energia.

Segue-se o FSC neste top de reconhecimento, um selo que assegura que os produtos de origem florestal provêm de locais geridos de forma responsável e sustentável, com redução dos impactos negativos nos planos ambiental, social e económico. Aqui, volta a aplicar-se a regra da modéstia, com apenas 16% dos inquiridos a manifestarem um grau de confiança alta sobre o que este logótipo representa.

O selo Rainforest Alliance aparece logo a seguir neste “campeonato”. O desígnio dos produtos que o ostentam é de que são cultivados e colhidos em explorações agrícolas sustentáveis, que promovem padrões sociais, económicos e ambientais exigentes, o que abrange a conservação dos ecossistemas, a proteção da vida selvagem e boas condições para os trabalhadores. Apenas 13% dos participantes no inquérito depositam confiança alta nos produtos que dizem seguir estes propósitos elevados.

Até aqui, falámos dos selos que, na nossa amostra, foram os mais reconhecidos. Mas nem todos são de grande conhecimento do público. E aqueles cujo alcance e respeitabilidade deveriam significar fama e proveito? O caso do rótulo ecológico europeu, ou EU Ecolabel, que já existe desde 1992 e abrange qualquer produto ou serviço que cumpra elevados padrões ambientais ao longo do ciclo de vida, da extração da matéria-prima à produção, passando pela distribuição e eliminação, deveria ser um deles. Mas não: entre a generalidade da população, é pouco conhecido — apenas 29% dizem saber de que se trata. Infelizmente, é mais um que não foge à sina, na medida em que aqueles que o reconhecem, e dizem acreditar muito nele, não chegam a metade. O mesmo acontece com outro rótulo europeu, o EU Biolabel, usado em produtos alimentares de origem biológica. A distância entre os que conhecem e os que confiam é de 26% para 10 por cento. Mais uma vez, é pouco. A tendência, para todos os selos, continua a ser esta: até mesmo quando as pessoas estão familiarizadas, o aumento da confiança não é mais do que moderado.

Alegações verdes não escapam à desconfiança

As chamadas alegações verdes feitas pelas marcas, ao divulgarem produtos ou serviços, também deixam desconfiança no ar. Algumas afirmações, falsas ou por confirmar, podem valer coimas às empresas. O respeito pelo ambiente não deve ficar amarrado ao mundo arco-íris do marketing: deve ter fundamento. Talvez seja também esta a conclusão a tirar quando os nossos inquiridos são confrontados com determinadas alegações verdes: 17% afirmam ter testemunhado uma prática de greenwashing (alegações ecológicas falsas) no último ano.

A confiança mede-se por uma bitola baixa e está concentrada em poucas afirmações. Nas ruas da amargura estão os produtos que dizem proteger os oceanos. Apenas 37% dos participantes que reconhecem uma tal alegação afirmam acreditar muito nela. Os ditos amigos do planeta convencem 32%, os que asseguram não conter microplásticos persuadem 28%, os que se reclamam neutros em dióxido de carbono recolhem a crença de 27% e os que declaram pouco impacto ambiental têm a convicção de 20 por cento.

Em contrapartida, alegações como “regional” ou “local”, relativas à origem dos produtos, merecem o respeito de 56% de quem está familiarizado com esta afirmação. A partir daqui, o saldo da confiança volta a cifrar-se em menos de metade: 48% para os produtos que se dizem reciclados, 44% para os que juram ter eficiência energética e 43% para os que proclamam recorrer a fontes de energia renovável ou, por outro lado, para aqueles que batem no peito e prometem poupar água.

Perguntámos aos participantes se se preocupam agora mais com estas questões do que há cinco anos: realmente, 58% afirmam que sim.

Mas a importância atribuída ao futuro do planeta parece ser inversamente proporcional ao que o presente nos reserva para o bolso. O que continua a ser decisivo para a escolha dos portugueses no ato de compra é o preço. O significado desta frase é muito simples: compramos se for barato, independentemente de ser benéfico, ou menos maléfico, para o ambiente.

A Organização Europeia de Consumidores (BEUC, na sigla em inglês), da qual fazemos parte, recomenda que se levem todas estas questões cada vez mais a sério. Nova regulamentação e maior vigilância sobre alegações ou rótulos ecológicos são tão importantes quanto, por exemplo, as regras aplicadas aos produtos alimentares. E que já se encontram na regulamentação sobre as alegações de saúde e nutrição, que saiu em 2016.

A entidade que pode definir o conjunto de procedimentos a adotar para que um produto esteja conforme àquilo que apregoa até já existe, neste caso. Poderia ser, de acordo com o BEUC, a Agência Europeia do Ambiente. Significa que a validação das alegadas virtudes ambientais de um produto teria de estar sujeita a uma análise científica e a uma aprovação antes de aquele ser lançado no mercado. Para que, pelo menos, se reduzisse a distância entre o que se diz e o que se faz.

Como fizemos o nosso estudo

Entre abril e maio de 2021, enviámos um inquérito a uma amostra da população entre os 18 e 74 anos. Obtivemos 1533 respostas válidas, que ponderámos para refletirem a opinião da população em termos de género, idade, nível educacional e região. Os resultados refletem a opinião e a experiência dos inquiridos, mas podem ser considerados como tendências representativas da população nacional.

 

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