Em tempo de seca, Portugal desperdiça água
E se lhe disserem que há municípios onde, de toda a água tratada disponível, se perde mais de metade nas condutas? É água que não chega a ser distribuída, porque se escapa devido a ruturas e avarias, e o problema tem anos. São milhões de litros desperdiçados, com o País em seca.
- Especialista
- Antonieta Duarte
- Editor
- Inês Lourinho

A água é um bem crescentemente escasso em certas partes do planeta, que já incluem Portugal e a Europa meridional. Como aceitar, então, a ineficiência do sistema de distribuição português? Como pedir racionalidade aos cidadãos – e é preciso fazê-lo –, quando há entidades gestoras que desperdiçam mais de metade da água já tratada que compram, por não investirem na manutenção das suas infraestruturas? É água que pagam, mas que não vendem, porque se escapa de condutas ou ramais obsoletos, com fugas ou avarias. O problema é ambiental, económico, social e moral. Há seres humanos que, todos os dias, percorrem quilómetros a pé, sob um Sol inclemente, para acederem a fontes de água potável. Será que vivemos noutro planeta?
No curto prazo, será inevitável investir. Mas, como a reabilitação não é prática regular das entidades gestoras, as obras serão certamente avultadas. Espera-se que, nessa altura, não haja a tentação de refletir a ineficiência na fatura dos portugueses. A DECO PROTESTE recusa este cenário. Os elevados investimentos necessários deverão recorrer a fontes de financiamento complementares, e não à integral cobertura pela tarifa aplicada ao consumidor doméstico.
Quem paga a ineficiência do sistema de abastecimento de água?
Seca e chuvas diluvianas alternaram no ano passado em Portugal, para estarmos de novo na casa de partida. E as previsões indicam que o cenário dos fenómenos extremos se sucederá nos próximos anos. Daí a urgência de racionalizar o consumo, tanto na agricultura, como na indústria ou ainda em nossas casas. Analisar onde podemos poupar é vital. Mas essa é apenas uma parte do nosso trabalho enquanto cidadãos. Não é possível mudar de fornecedor, o qual depende da região onde vivemos. Podemos, contudo, conhecer a evolução do desperdício de água, pressionar e exigir mudanças.
A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) divulgou um relatório com dados de 2021, e o panorama é inaceitável. Desde há uma década, perdemos, números redondos, 150 a 180 milhões de metros cúbicos por ano. Ainda se lembra da escola? Um metro cúbico são mil litros. O cenário é, obviamente, insustentável. Estima-se que, só em 2017 e 2018, o valor aproximado das perdas de água no País tenha andado pelos 176 milhões de euros. Se tivermos em conta os restantes anos, concluímos que Portugal tem um problema grave.
Questões ambientais, sociais e morais à parte, quem paga esta ineficiência? Os custos do abandono da reabilitação de condutas durante anos e das perdas de água persistentes serão suportados pelos consumidores? Se assim vier a ocorrer, a má prática poderá compensar.
Ora, a ERSAR formulou uma recomendação em 2022, na qual afirma que, na atualização das tarifas, as entidades gestoras podem recuperar tendencialmente os custos associados à sua atividade, mas em situação de eficiência. Ou seja, segundo o regulador, não deve ser o consumidor a suportar os encargos resultantes da ineficiência de um sistema que perde milhões de metros cúbicos todos os anos.
Desinvestimento crónico na reabilitação de condutas
O relatório da ERSAR, o tal referente a 2021, percorre vários indicadores que refletem a eficiência, ou não, da distribuição. Estão todos interligados. A fraca reabilitação de condutas com mais de dez anos é insatisfatória em 65% dos concelhos. Como tal, as hipóteses de ruturas são maiores, e 21% dos municípios acusam avarias frequentes. Trata-se de um cenário que potencia as perdas de água, que são avultadas em 52% dos concelhos.
Municípios maiores tendem a perder mais em termos absolutos. Por isso, o regulador usa um critério comparável: o número de litros por ramal. Os dados permitem calcular a percentagem perdida, de toda a água tratada disponível para distribuição. A conjugação destes dois critérios é importante para traçar interpretações. Por exemplo, Loures e Odivelas estão entre os municípios que mais perderam por ramal em 2021 (418 litros), mas o desperdício teve um impacto mais modesto (27%) no total de água que entrou no sistema. Porém, houve regiões que acumularam elevadas perdas por ramal e percentagens exorbitantes. Foi o caso de Moimenta da Beira, com 423 litros e um desperdício de 73% de água. Pensa que esta ineficiência é o fado de pequenos concelhos e com gestão municipal? Olhe para o Gavião, com apenas 5 litros e 3 por cento.
O relatório da ERSAR também indica mais casos de resultados insatisfatórios nas regiões onde há gestão municipal. Ainda assim, não podemos afirmar que a gestão privada tem sempre melhor desempenho: os exemplos do Gavião, de Castelo Branco e de Reguengos de Monsaraz dizem-nos o contrário.
Pequeno, grande, com gestão privada ou não, é sempre possível fazer bem. Tendo disso consciência, em 2013, a DECO PROTESTE lançou a ação "Água: denuncie o desperdício". Promover a eficiência das entidades gestoras, exigir que a fatura não fosse onerada com os custos das perdas e impulsionar o uso racional da água eram os objetivos. Em 2014, algumas entidades gestoras chegaram a criar linhas de denúncia de perdas visíveis nos espaços públicos e formou-se um grupo de trabalho setorial para dar solução ao problema. Havia esperança no ar. Mas uma década não foi suficiente para inverter tendências e promover investimento concreto. Os portugueses não podem aceitar que se continue a desperdiçar água a este ritmo. Água que, na sua maioria, nem vai alimentar lençóis freáticos. Simplesmente evapora.
Concelho | Empresa | Litros por ramal |
Volume face ao total do sistema (%) |
---|---|---|---|
Maiores perdas | |||
Moimenta da Beira | CM de Moimenta da Beira | 423 | 73 |
Loures e Odivelas |
SIMAR de Loures e Odivelas | 418 | 27 |
São Brás de Alportel | CM de São Brás de Alportel | 417 | 47 |
Anadia | CM de Anadia | 401 | 55 |
Estremoz | CM de Estremoz | 386 | 60 |
Silves | CM de Silves | 346 | 38 |
Belmonte | CM de Belmonte | 322 | 62 |
Cuba | CM de Cuba | 316 | 58 |
Almada | SMAS de Almada | 310 | 29 |
Lagoa | CM de Lagoa | 296 | 26 |
Menores perdas | |||
Gavião | CM de Gavião | 5 | 3 |
Santo Tirso e Trofa |
Indaqua Santo Tirso/Trofa | 10 | 4 |
Castelo Branco | SM de Castelo Branco | 13 | 4 |
Tábua, Carregal do Sal, Mortágua, Santa Comba Dão e Tondela |
Águas do Planalto | 22 | 11 |
Reguengos de Monsaraz | CM de Reguengos de Monsaraz | 23 | 6 |
Trancoso | Águas da Teja | 24 | 13 |
Peniche | SMAS de Peniche | 25 | 10 |
Gondomar | Águas de Gondomar | 26 | 6 |
Vila do Conde | Indaqua Vila do Conde | 27 | 7 |
Barcelos | Águas de Barcelos | 29 | 11 |
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