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Tarifa social da água: cidadãos mais vulneráveis nem sempre usufruem
Crucial para famílias mais frágeis economicamente, a tarifa social da água não é um dado adquirido. Nos municípios mais caros, nem sempre está contemplada no abastecimento e no saneamento, componentes que mais pesam na fatura.
- Especialista
- Antonieta Duarte
- Editor
- Deonilde Lourenço
01 fevereiro 2022

A função da tarifa social ‒ suavizar o peso da fatura sobre as famílias com parcos rendimentos ‒ acaba por não abranger todo o território nacional, por embater na palavra “voluntário”. Depende da vontade dos municípios. O abastecimento de água e o saneamento são serviços públicos essenciais, e um direito humano. Mas nem todos os concelhos preveem a tarifa social nos três serviços cobrados na fatura: abastecimento, saneamento e resíduos sólidos. Em 68 municípios, nenhum destes serviços tem a tarifa social associada. E, entre os 30 com preços de abastecimento mais elevados em 2021, há quatro (Trofa, Santo Tirso, Santa Maria da Feira e Fafe) que não aplicam tarifa social.
Existe apoio no meu município?
Aos agregados com rendimentos mais frágeis, as medidas preconizadas no decreto-lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, não servem de amparo certo. A adesão obrigatória, e não voluntária, abrangeria e beneficiaria mais famílias. Embora seja possível atribuir automaticamente a tarifa social desde março de 2018, a deliberação continua sujeita aos órgãos municipais.
Fatura da água pode baixar mais de 50%
Analisámos a acessibilidade económica das tarifas gerais e as sociais, nos 308 concelhos, para avaliar se a tarifa social pode, efetivamente, reduzir a fatura. Os cálculos demonstram a heterogeneidade da aplicação. Por vezes, esta tarifa é tão restritiva que não contribui para diminuir o custo mensal da água. Ainda assim, os benefícios são evidentes na maioria dos casos.
No abastecimento de 120 m3, em 81 municípios, o custo fica pela metade, ou até menos. Em 130, o desconto começa nos 10% e vai até aos 49 por cento. Em 79 dos 200 municípios com tarifa social para o saneamento, o benefício começa nos 50 por cento. Em 116, o desconto varia entre 10 e 49 por cento.
Impacto da tarifa social no abastecimento
No primeiro quadro, apresentamos os cálculos para quatro dos 30 municípios com o abastecimento mais elevado, em 2021, para 120 m3 anuais. Na acessibilidade económica, considerámos o rendimento elegível para a tarifa social no caso de quatro pessoas (14 520 euros por ano). As tarifas não incluem IVA, nem taxas de recursos hídricos ou gestão de resíduos.
Taxa de esforço: entre 0,5 e 1% é aceitável. Acima de 1%, é insatisfatória e, abaixo ou igual a 0,5%, boa. De acordo com a ERSAR, o tarifário de cada serviço não deve ultrapassar 1% do rendimento disponível das famílias.
Quatro dos 30 municípios mais caros e sem tarifa social no abastecimento
Tarifa geral (€) | Acessibilidade económica | |||
---|---|---|---|---|
Municípios sem tarifa social | 120 m3 por ano |
180 m3 por ano |
Taxa de esforço (120 m3) |
Taxa de esforço (180 m3) |
TROFA Indaqua Santo Tirso/Trofa, S. A. |
241,37 | 329,84 | Insatisfatória | |
SANTO TIRSO Indaqua Santo Tirso/Trofa, S. A. |
||||
SANTA MARIA DA FEIRA Indaqua Santo Tirso/Trofa, S. A. |
213,25 | 353,29 | ||
FAFE Águas de Fafe, S. A. |
180,91 | 245,71 |
Municípios com tarifa social no abastecimento
Tarifa geral (€) | Tarifa social (€) | Acessibilidade económica | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Municípios com tarifa social | 120 m3 por ano |
180 m3 por ano |
120 m3 por ano |
180 m3 por ano |
Taxa de esforço (120 m3) |
Taxa de esforço (180 m3) |
CELORICO DE BASTO Águas do Norte, S. A. |
207,93 | 301,17 | 135,07 | 228,31 | Aceitável | Insatisfatória |
BAIÃO Águas do Norte, S. A. |
||||||
AMARANTE Águas do Norte, S. A. |
||||||
AROUCA Águas do Norte, S. A. |
||||||
CINFÃES Águas do Norte, S. A. |
||||||
ESPOSENDE EAmb - Esposende Ambiente, E. E. M. |
198,64 | 254,84 | 136,31 | 179,74 | ||
FUNDÃO Aquafundalia - Águas do Fundão, S. A. |
182,44 | 325,23 | 182,44 | 325,23 | Insatisfatória | |
VALONGO Be Water, S. A. - Águas de Valongo |
178,61 | 250,05 | 97,82 | 146,74 | Aceitável | |
PORTALEGRE SMAT - Serviços Municipalizados de Águas e Transportes |
177,6 | 246,6 | 117,25 | 176,25 | ||
PAREDES Be Water, S. A - Águas de Paredes |
169,52 | 289,68 | 113,5 | 233,66 | ||
ARRUDA DOS VINHOS Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos |
166,1 | 244,95 | 119,57 | 198,41 |
Impacto da tarifa social no saneamento
No primeiro quadro, apresentamos os cálculos para 11 dos 30 municípios com o saneamento mais elevado, em 2021, para 120 m3 anuais. Na acessibilidade económica, considerámos o rendimento elegível para a tarifa social no caso de quatro pessoas (14 520 euros por ano). As tarifas não incluem IVA, nem taxas de recursos hídricos ou gestão de resíduos.
Taxa de esforço: entre 0,5 e 1% é aceitável. Acima de 1%, é insatisfatória e, abaixo ou igual a 0,5%, boa. De acordo com a ERSAR, o tarifário de cada serviço não deve ultrapassar 1% do rendimento disponível das famílias.
Onze dos 30 municípios mais caros e sem tarifa social no saneamento
Tarifa geral (€) | Acessibilidade económica | |||
---|---|---|---|---|
Municípios sem tarifa social | 120 m3 por ano |
180 m3 por ano |
Taxa de esforço (120 m3) |
Taxa de esforço (180 m3) |
OLIVEIRA DO BAIRRO AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
159,52 | 211,44 | Insatisfatória | |
ÍLHAVO AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
AVEIRO AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
OVAR AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
MURTOSA AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
ESTARREJA AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
ALBERGARIA-A-VELHA AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
ÁGUEDA AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
VAGOS AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
SEVER DO VOUGA AdRA - Águas da Região de Aveiro, S. A. |
||||
VILA DO CONDE Indaqua Vila do Conde, S. A. |
154,41 | 205,69 |
Municípios com tarifa social no saneamento
Tarifa geral (€) | Tarifa social (€) | Acessibilidade económica | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Municípios com tarifa social | 120 m3 por ano |
180 m3 por ano |
120 m3 por ano |
180 m3 por ano |
Taxa de esforço (120 m3) |
Taxa de esforço (180 m3) |
COVILHÃ ADC - Águas da Covilhã, E. M. |
185,3 | 347,18 | 185,3 | 347,18 | Insatisfatória | |
TORRES VEDRAS SMAS de Torres Vedras |
174,17 | 248,92 | 118,72 | 193,46 | Aceitável | Insatisfatória |
TROFA Águas do Norte, S. A. |
166,24 | 237,65 | 103,15 | 174,57 | ||
SANTO TIRSO Águas do Norte, S. A. |
||||||
CELORICO DE BASTO Águas do Norte, S. A. |
||||||
BAIÃO Águas do Norte, S. A. |
||||||
AMARANTE Águas do Norte, S. A. |
||||||
AROUCA Águas do Norte, S. A. |
||||||
CINFÃES Águas do Norte, S. A. |
||||||
FAFE Águas do Norte, S. A. |
||||||
PAREDES Be Water, S. A - Águas de Paredes |
158,9 | 227,12 | 136,44 | 204,66 | ||
LOURINHÃ Câmara Municipal da Lourinhã |
151,74 | 217 | 114,43 | 161,89 |
O esforço das famílias
Segundo a forma de cálculo do indicador de referência recomendado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), para 120 m3, o tarifário de cada serviço não deve ultrapassar 1% do rendimento disponível das famílias. Uma taxa de esforço entre 0,5 e 1% é aceitável. Acima de 1%, é insatisfatória e, abaixo ou igual a 0,5%, boa.
Tendo em conta o indicador geral de acessibilidade económica, baseado num rendimento anual de cerca de 35 mil euros, a quantia paga pelo abastecimento de 120 m3 de água por ano (10 m3 mensais) é aceitável em 24 dos 30 municípios mais dispendiosos. Já quando nos 180 m3 anuais (15 m3 por mês), a taxa de esforço das famílias aumenta em 153 autarquias.
Vinte euros por mês, só pelo abastecimento, pode não pesar no orçamento de algumas famílias, mas, no de outras, é incomportável. Este montante surge da divisão arredondada de 241 euros por 12 meses, e corresponde ao preço cobrado por Santo Tirso e Trofa, considerando a renegociação da concessão, no último trimestre de 2021. Não há tarifa social nestes dois concelhos, nem em Santa Maria da Feira e Fafe, que integram o grupo dos 30 municípios com o abastecimento mais caro.
Considerámos, para a análise da acessibilidade económica, um dos montantes definidos no decreto-lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, para a atribuição automática da tarifa social: 14 520 euros. Qual, então, o esforço financeiro que um agregado de quatro pessoas, com semelhante rendimento anual, faz para pagar a água? Analisámos a acessibilidade económica deste cenário. Em 92 municípios, não há tarifário social no abastecimento, o que prejudica os mais vulneráveis. Mais especificamente, em 17, o indicador de acessibilidade económica fica acima de 1%, o que demonstra a dificuldade em pagar 120 m3 anuais, que custam entre 146,06 e 241,37 euros. Quando o gasto passa para 180 m3, sobem para 60 as autarquias nas quais a capacidade de pagamento é insatisfatória. Vila do Conde, Gondomar, Tondela, Carregal do Sal, Tábua, Mortágua, Santa Comba Dão, Oliveira de Azeméis, Ourém, Figueira da Foz, Alenquer, Mourão, Azambuja, Cascais e Alter do Chão estão entre os 30 municípios com preços mais elevados no abastecimento, mas com a aplicação da tarifa social, reduzem a fatura e reforçam a acessibilidade económica.
No saneamento, por sua vez, 94 autarquias descartam a tarifa social. Neste conjunto, incluem-se 11 das 30 com os preços mais elevados. Não está garantida a acessibilidade económica, respetivamente, em 12, para 120 m3, e em 23, para 180 m3 anuais. Já Alenquer, Penafiel, Mourão, Figueira da Foz, Peniche e Mafra, ao aplicarem a tarifa social, aliviam as famílias com menores recursos.
Acessibilidade económica para quem?
Não há alternativa de fornecedor, se os preços forem elevados ou se o serviço não satisfizer, dado estarmos perante um monopólio natural. A gestão dos serviços de água e saneamento é díspar no modelo das entidades, na dimensão e nos contornos financeiros. E a acessibilidade económica ‒ a capacidade de os agregados pagarem a conta da água ‒ difere consoante o município. A tarifa social segue a linha sem lógica da cobrança desigual dos serviços da água.
Na análise da acessibilidade económica, cujo objetivo é verificar se as tarifas cumprem os critérios definidos para os consumidores domésticos, a ERSAR considera apenas o cenário de 10 m3 mensais para calcular o custo de abastecimento, saneamento e resíduos sólidos. Ora, trata-se de um volume restritivo, na medida em que uma família de quatro pessoas, mesmo que faça uma utilização eficiente da água, excede esse gasto. A partir dos 10 m3, há entidades que aumentam bastante o preço. É da mais elementar justiça que a verificação da acessibilidade económica pondere igualmente um cenário de consumo médio mensal de 15 metros cúbicos.
Informação online sobre tarifa social é difícil de encontrar
Saber se a autarquia da sua zona de residência aderiu à tarifa social pode ser uma dor de cabeça. E o panorama complica-se, uma vez que esta tarifa pode aplicar-se aos serviços que constam da fatura da água (abastecimento, saneamento e resíduos), ou só a um ou dois componentes. A tarifa social nem sempre vem especificada em todos os serviços. Logo, desconhece-se se é aplicada na área de moradia.
Entre 308 municípios, 107 não publicam online o tarifário do abastecimento. E, entre os 201 que o fazem, chegar até à informação é trabalhoso em 134 casos. No saneamento, 182 entidades publicam o tarifário, mas, em 64, o caminho até lá chegar, e à informação que interessa, é ziguezagueante. Quanto ao serviço de resíduos sólidos urbanos, são disponibilizados online 165 tarifários sociais, entre os quais 82 são mais difíceis de encontrar.
Tarifa social deve ser vinculativa
É justo e vital exigir que o tarifário social tenha regras transparentes. E prever a definição de uma estrutura e de preços que garantam acessibilidade aos utilizadores em situação económica vulnerável. Apesar de o mecanismo de atribuição automática do tarifário social estar previsto, a aplicação e a divulgação são insuficientes.
O tarifário social deveria ter caráter vinculativo, orientar-se pelas mesmas regras de acesso nos 308 municípios e possuir uma estrutura de desconto e um valor de referência, para eliminar as atuais discrepâncias, que decorrem de preços diferentes no abastecimento e no saneamento.
Se todos os municípios aderirem à atribuição automática da tarifa social, os cidadãos com carências económicas receberão o desconto, sem necessidade de preencherem qualquer requerimento, à semelhança do que acontece no caso do serviço de eletricidade e de gás.
Da mesma maneira, a tarifa social deve garantir a promoção do consumo eficiente da água, alargando os preços comportáveis pelas famílias até um consumo mensal de 15 metros cúbicos. A acessibilidade económica é a pedra de toque. Importa desenvolver uma estrutura de cálculo que isente de tarifas fixas e reduza o valor unitário do escalão de consumo até aos 15 m3, e que a garanta. Só assim se fará justiça.
Quais os critérios da lei para ter direito a tarifa social?
O decreto-lei n.º 147/2017 define o regime de atribuição das tarifas sociais para os serviços de águas. A preocupação com “princípios iguais” para a concessão aos ”agregados familiares com menores rendimentos” está patente. Encontram-se em situação de carência económica quem usufrua de um rendimento anual igual ou inferior a 5 808 euros, acrescido de 2 904 euros por cada elemento do agregado sem rendimento; e os beneficiários do complemento solidário para idosos, do rendimento social de inserção, do subsídio social de desemprego, do abono de família e das pensões sociais de invalidez e de velhice. No entanto, é em modo voluntário que as autarquias avançam para incluir automaticamente os cidadãos que cumpram estes requisitos, ou outros, desde que não colidam com os definidos no decreto-lei.
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