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Poupar água: promessas dos dispositivos de redução são imprecisas

O tempo é de seca severa, e a necessidade de poupar é fundamental. Testámos dispositivos eficazes e simples de instalar. Alguns prometem poupanças que podem confundir. Explicamos.

seca

iStock

Se foi à procura de um redutor de caudal para torneiras de lavatório, na cozinha ou na casa de banho, ou de cabeças de chuveiro, ou, ainda, de sistemas de dupla descarga ou retardadores de autoclismo, já leu, com certeza, no rótulo, a indicação “poupe até 60% de água”. Mas esta afirmação é demasiado vaga. Testámos diversas marcas no mercado e encontrámos, efetivamente, sistemas eficientes e práticos para poupar água em casa. Mas, em alguns casos, não encontrámos estes níveis de poupança. Em tempo de seca severa por todo o território continental, é importante escolher bem estes sistemas e saber ao certo quanto irá efetivamente poupar.

O problema está na falta de uniformização de critérios para medir o que se poupa. Ao contrário do que acontece com frigoríficos ou máquinas de lavar, por exemplo – onde é possível encontrar uma escala de eficiência energética regida pelos mesmos parâmetros – no caso destes dispositivos, cada marca apresenta os seus próprios critérios de medição. No nosso estudo, utilizámos os parâmetros de teste da ANQIP, a Associação Nacional para a Qualidade nas Instalações Prediais, que certifica a eficiência hídrica em Portugal.

A nossa análise descortinou alegações inconsistentes nestes aparelhos, apesar, sublinhe-se, da sua eficácia. Damos alguns exemplos.

Nos rótulos das nove marcas de cabeças de chuveiro analisadas neste estudo, cinco delas tinham alegações consideradas pouco objetivas. Apenas a Sensea revela qual foi o cenário que lhe serviu de ponto de partida. Alegações que indicam a percentagem da redução de caudal, como as apresentadas pela Grohe (60%), Auchan (até 50%), Tatay (50%), pela própria Sensea (40%) e All-Aqua (até 35%), podem não refletir a poupança que o consumidor terá. Além disso, à exceção da Sensea, desconhecemos o que lhes serve de justificação, ou seja, qual o ponto de partida que lhes serviu de cenário (qual a pressão de água em casa? Qual o caudal de referência?). Estas questões são importantíssimas para o cálculo, pois variam de casa para casa. Por isso, mesmo que o consumidor saiba calcular a pressão e o caudal que tem no seu lar, poderá ser confuso para ele escolher entre um dispositivo que alega uma poupança de 50% e outro uma poupança de 35%, pois o que alega a menor poupança pode ser o que permite reduzir mais o caudal.   

chuveiro Grohe

Exemplo de uma alegação numa cabeça de chuveiro da Grohe.

No caso da Tatay, aplicam-se as mesmas questões. No entanto, neste caso, esta alegação faz ainda menos sentido. No total, foram testadas três cabeças de chuveiro distintas da Tatay, e todas as embalagens continham a mesma alegação, prometendo uma redução de 50 por cento. Além de não existir nenhuma indicação do cenário base considerado, os três equipamentos testados têm uma capacidade de redução de caudal bastante diferente. No caso do melhor equipamento da marca, o consumo passa para 8,11 l/min., enquanto no pior dos cenários passa para os 9,93 l/min. Existe uma clara diferença nos resultados em questão, sendo que até a classe de eficiência seria diferente considerando a escala de avaliação da ANQIP. Independentemente de qual o cenário inicial considerado pela marca, os valores nunca poderiam ser iguais, pois, de facto, existe uma diferença significativa no caudal final.

Ainda relativamente à Tatay, existe uma escala de classificação no verso da embalagem. Esta escala de cinco classes pretende classificar os dispositivos da marca consoante a sua capacidade de reduzir o caudal. No entanto, não nos foi possível entender qual a sua origem, sendo que é diferente da escala de avaliação utilizada pela ANQIP e por outra marca presente no teste, a Sensea. A utilização de escalas desenvolvidas pela própria marca e utilizadas exclusivamente pela mesma pode contribuir para o aumento da confusão por parte dos consumidores: será difícil perceber que um equipamento de Classe A numa escala pode corresponder a um de Classe B noutra escala.  

water save

etiqueta

Outros exemplos: na segunda figura, uma das marcas chega a criar uma escala própria de eficácia: desconhecemos os cenários de base para esta classificação.

As marcas respondem

Confrontámos as marcas com esta avaliação. A Grohe respondeu, afirmando que os rótulos vão, efetivamente, mudar: “O conteúdo das novas embalagens já não refere esta percentagem de poupança, com o objetivo de prestar informação mais clara ao consumidor.” O cenário base utilizado por esta marca é de 16 l/min. para uma pressão de 3 bar. Apesar de a marca considerar que a informação presente na embalagem não induz o consumidor em erro, a verdade é que na nova embalagem esta informação foi retirada. Isto é, a própria marca conclui que a informação de redução percentual do caudal do chuveiro não é objetiva e pode confundir os consumidores.

Já a Auchan Indica que vai analisar a necessidade de melhoria da rotulagem dos produtos. A marca afirma que as alegações estão suportadas pelo facto de utilizarem 3/4 bar e um caudal inicial de de 15 l/min. 

A CTESI é mais ambiciosa: indica que a redução poderá ser até 50% e noutros casos pode chegar aos 75% de poupança, dependendo das condições. Em resposta às nossas questões, refere que “… é possível uma poupança de até 50% no caudal de água, sendo que este valor será efetivamente variável consoante a pressão da água, e em muitos casos poderá ser influenciado também pela torneira utilizada e em última análise pelo estado da própria canalização.” Ou seja, reconhece que esta informação não é objetiva e pode variar consoante vários fatores.  Também a Anzapack concorda que o valor da poupança não é exacto devido às condições de cada habitação.

No caso da All-Aqua, verificámos que os seus produtos podem também ser uma solução interessante a considerar pelo consumidor, sendo que também esta marca apresenta uma comunicação que pode ser confusa. Em resposta às nossas questões, a marca adianta: "Ficamos também disponíveis para acolher eventual sugestão que nos queiram transmitir no sentido de clarificar a informação ao consumidor.”

De entre as marcas contactadas, até à data de publicação deste artigo, a Tatay ainda não tinha enviado resposta.

Exigimos uniformidade nos critérios de avaliação da poupança de água

O problema, voltamos a referir, não será uma tentativa deliberada de as marcas iludirem os consumidores. Os dispositivos que testámos são, de facto, eficazes. Mas, à falta da informação que referimos, somamos a ausência de uma entidade europeia que regule estes critérios e certifique as marcas, segundo os mesmos parâmetros. Tal como já vemos na certificação energética dos eletrodomésticos, por exemplo. 

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